Entrevista concedida a Cláudio Motta e Bernardo Guimarães, da AmCham-Rio, e publicada no dia 03/06/2014.
Liliana Ayalde analisa as relações bilaterais entre os países e, em entrevista exclusiva para a revista Brazilian Business, aposta no surgimento de novas oportunidades de negócios.
As empresas americanas continuam apostando no mercado brasileiro, disse a embaixadora dos Estados Unidos no Brasil, Liliana Ayalde, em entrevista exclusiva para a revista Brazilian Business. Elas investem em treinamento de mão de obra e em desenvolvimento conjunto de novas tecnologias, além de cooperar com os governos federal, estaduais e municipais. Somente em 2012, os investimentos bilaterais atingiram cerca de US$ 100 bilhões, sendo que os americanos aportaram US$ 79 bilhões no Brasil.
Além da cooperação firmada para os grandes eventos esportivos, como a Copa do Mundo, temas como segurança, energia, educação, igualdade de gênero e raça estão entre as prioridades. “O interesse do governo americano no Brasil e o consequente comprometimento entre os dois países é, realmente, um desdobramento positivo e um indicador do futuro da relação Brasil-Estados Unidos.
Esperamos que após as eleições, em outubro, nossa agenda se intensifique para que trabalhemos em prol de uma relação que já é profunda e mutuamente benéfica”, afirmou a embaixadora, durante discurso no evento de posse da nova diretoria da AmCham Rio, realizado no dia 5 de maio.
No Rio de Janeiro, segurança, infraestrutura e petróleo e gás estão entre os principais fatores de atração de novas empresas americanas. No de petróleo e gás, existem hoje, aproximadamente, 90 companhia ativas, e Liliana ressaltou: “O setor tem sido e continuará sendo um importante componente de uma relação ampla e profunda entre Brasil e Estados Unidos”.
Mesmo os assuntos mais sensíveis, como os problemas envolvendo a Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglês) – razão pela qual a presidente Dilma Rousseff resolveu cancelar uma visita aos EUA no fim do ano passado – não ficam sem resposta nesta entrevista. De acordo com Liliana, aquele momento teve um impacto nas relações bilaterais, mas o futuro é promissor, com oportunidades do tamanho do Brasil. E dos Estados Unidos.
Brazilian Business: Em outubro de 2013, a presidente Dilma cancelou uma visita aos Estados Unidos em decorrência da repercussão do caso envolvendo a NSA. Como reaquecer as relações entre Brasil e o país?
Liliana Ayalde: Definitivamente, aquele momento não foi bom. Eu não quero minimizar o fato de que isso teve um impacto em nossas relações. Mesmo assim, elas continuaram robustas. Mantemos encontros e compromissos de agenda em diversos setores, não só no comercial, mas em educação e outros assuntos de interesse em comum. Nossas relações estão avançando. Seja no aumento de turistas brasileiros nos EUA, na demanda de alunos brasileiros indo a instituições de ensino americanas ou nas relações comerciais entre os dois países. Politicamente, estamos avançando bem e temos um número de compromissos importantes agendados. O vice-presidente dos EUA, Joe Biden, virá ao Brasil para a Copa, entre outros visitantes de alto nível.
BB: O que falta para eliminar as exigências de visto para entrar nos EUA?
LA: O Visa Waiver Program (que acabaria com a necessidade de visto) foi posto à mesa pelo setor privado e tem sido incluído constantemente nos discursos diplomáticos dos dois países. Depois da exposição de mídia derivada da NSA, esse diálogo foi temporariamente adiado. Agora estamos voltando com esse assunto. Como você sabe, existem exigências legais para os países que desejam entrar no programa. Precisamos nos encontrar, conversar e trocar informações acerca desse arcabouço legal necessário. É um processo. Atualmente estamos em contato com o Itamaraty, trabalhando em encontros para avançar e implementar o Global Entry Program (que mantém a exigência do visto, mas agilizaria o processo de entrada nos EUA).
BB: E o que está faltando?
LA: Existem exigências na legislação. Uma delas é a taxa de aprovação de vistos. Atualmente, a do Brasil é de 96%, e o exigido é 97%. É um número positivo, mas há ainda sistemas que precisam ser implementados, como a troca de informações de passageiros, por exemplo. Primeiro é a decisão de fazer e, depois, a capacidade técnica de implementar esse novo processo. Ou seja, há assuntos técnicos, mas os políticos também precisam estar alinhados. Para isso, é necessário ter um alto nível de comprometimento com as normas do programa.
BB: O Chile já chegou a esse estágio e está dentro do Visa Waiver Program. O que podemos aprender com eles para o processo?
LA: Esse é um bom ponto. Acho que seria válido conversar com os chilenos sobre o assunto. Para o Chile, foi um processo que levou três anos. Não foi algo rápido, mas um compromisso de longo prazo.
BB: Como a senhora avalia as relações bilaterais entre o Brasil e os EUA?
LA: Temos uma ótima plataforma de interesses em comum, seja no comércio ou em políticas globais. Nossas relações são bem robustas. Temos um número grande de companhias americanas aqui no Brasil, como na área de petróleo e gás. Há muitas oportunidades, podemos compartilhar nossas tecnologias e expandir nossas relações nesse setor de energia.
BB: Quais são os principais pontos que podem ser melhorados entre ambos os países?
LA: Na educação, os EUA recebem a maioria dos alunos do Ciência Sem Fronteiras. Atualmente, temos 22 mil alunos distribuídos em mais de 300 instituições americanas. Gostaríamos de fazer mais e há espaço para isso. No mais, há áreas que pedem uma atenção minuciosa, certamente no lado comercial e dos diálogos comerciais, na questão da propriedade intelectual e no setor de energia. A pergunta agora é: o que podemos fazer antes da Copa do Mundo, já que o calendário demanda uma presença grande do governo no evento, e, claro, ainda tem as eleições? Mutuamente, estamos fazendo o possível, agendando diálogos econômicos de parceria. Inovação e tecnologia estão na agenda dos próximos encontros entre nossos secretários e o Itamaraty.
BB: O inglês ainda é uma dificuldade para os brasileiros ingressarem no Ciência Sem Fronteiras?
LA: Alunos tiveram que voltar ao Brasil por não falar o idioma, mas esse problema não envolveu significativamente universidades americanas. Para tentar contornar um pouco essa situação, foi criado o Inglês Sem Fronteiras. E acho que fizemos um bom trabalho com as autoridades locais selecionando e preparando bem os estudantes para que eles tivessem o nível adequado de inglês. Isso não significa que esse ainda não seja um desafio. Até porque queremos que o projeto seja inclusivo e não apenas destinado a pessoas de Brasília, do Rio de Janeiro e de São Paulo. É importante ter todos os Estados juntos, com mais diversidade racial e econômica. Entretanto, o desafio aumenta quando saímos da região em que está concentrada a maior quantidade de pessoas que falam inglês.
BB: Voltando à agenda econômica, como podemos evitar a dupla tributação?
LA: Não há dúvidas de que evitar a bitributação seria um grande avanço. Temos que esperar os pedidos para poder avançar na agenda. Mas entendemos que seria um passo importante para a relação comercial dos dois países.
BB: A senhora é especialista em saúde pública. O que muda nos EUA com o Affordable Care Act, conhecido como “ObamaCare”, assinado pelo presidente americano no ano passado? E como a senhora analisa o Brasil nesse setor?
LA: A assistência médica é um assunto de primeira importância. É o que as pessoas estão pedindo. O ObamaCare permite que a população receba suporte nas necessidades básicas de saúde por um preço mais baixo, já que o custo por assistência médica nos EUA está aumentando muito, tornando difícil a adesão de cidadãos americanos aos planos de saúde. A promessa é que esse modelo seja capaz de englobar todas essas pessoas sem assistência. Já o Brasil tem outros modelos, como o Mais Médicos, que eu entendo que seja temporário. Temos diferentes realidades, mas acho que podemos aprender um com o outro. Com mais de 8 milhões de inscrições, estamos apostando que o ObamaCare funcione bem.
BB: Vamos falar de esportes. Qual é a sua expectativa para a Copa do Mundo?
LA: Estamos muito animados! Somos uma das 32 delegações participantes. Temos trabalhado com diferentes autoridades para dividir algumas de nossas experiências sobre como os grandes eventos foram realizados nos EUA, não apenas na segurança, mas em outros aspectos. Esperamos que as coisas aconteçam bem e que os fãs levem com eles os bons momentos da competição. É muito trabalho, ainda mais que a competição acontece em 12 cidades.
BB: Milhares de torcedores americanos virão ao Brasil…
LA: Estamos surpresos com a venda de ingressos para americanos e, da última vez que chequei, o número já havia aumentado. Esperamos receber mais de 180 mil americanos, o que é ótimo, porque eles terão a possibilidade de ver o País, aprender mais sobre a cultura do Brasil e conectar ainda mais as duas nações. Estamos organizando equipes consulares em cada cidade participante, providenciando ao cidadão americano informações e ajuda para lidar com problemas como perda de passaporte. Esperamos ter americanos por todas as partes do Brasil. O vice-presidente (Biden) virá acompanhar os jogos em Natal.
BB: E a senhora tem algum palpite sobre quem irá ganhar o evento?
LA: Essa é uma pergunta muito importante e um território muito perigoso para eu entrar (risos)! O que eu posso dizer é que eu espero que a delegação americana faça o melhor.
BB: Sobre a Olimpíada, a senhora vislumbra oportunidades e parcerias do Brasil com os EUA?
LA: Certamente. Temos dois projetos agora em execução no Nordeste, organizando oficinas de futebol com fundações que trabalham com meninas e outras com crianças carentes. Em São Paulo, fizemos um trabalho com membros das nossas seleções de futebol envolvendo as crianças com artes, mantendo-as ocupadas e propícias a exercer a criatividade, pintando grafites nos muros ao redor do consulado americano da cidade. No lado da segurança, mais parcerias serão estabelecidas com os governos locais que também serão benéficas para a Olimpíada. O Rio já hospedou vários eventos importantes, como a Copa das Confederações e a Jornada Mundial da Juventude, vocês têm muita experiência. Claro que a Olimpíada está inserida num cenário diferente: muitos países, muitas pessoas, muitas logísticas. Há tempo para planejar e aumentar os investimentos. As alianças com os governos americanos e brasileiros também estão em andamento. O governador de Maryland veio ao Brasil e compartilhou sua experiência, que pode ser útil para a limpeza da Baía de Guanabara, por exemplo. São muitas as oportunidades e o interesse é grande. Tem espaço para tudo.
BB: Como a senhora vê a AmCham Rio, que completará 100 anos, em 2016?
LA: O que me traz ao Rio é a importância dessa parceria. Ela vem de muitos anos e está mais importante agora. Tem uma nova onda de crescimento no Rio. Celebramos com prazer a liderança que a AmCham Rio exerceu durante todos esses anos e sabemos que iremos continuar garantindo de perto toda a assistência à instituição para continuar gerando novos negócios. É uma relação com vários fatores positivos, capaz de focar nos desafios e identificar os obstáculos para o crescimento. Não haverá crescimento sem desafios. Por intermédio da AmCham Rio, com todo o entendimento desses problemas, a trajetória e o quadro robusto de associados, acredito que continuaremos trabalhando juntos no futuro. Eu realmente espero estar aqui para o centenário.