Neil Gerber – Diretor de Estratégia, Energia e Meio Ambiente da IBM e membro do Conselho de Administração do Conselho Americano de Energia Renovável
Em meio a essas transformações surgiu uma necessidade estratégica para a função do integrador de energia. Essa função pode ser desempenhada pelas distribuidoras de energia, por novos participantes ou por novos atores técnicos. Qualquer que seja o futuro da rede de energia, no entanto, a função do integrador de energia será essencial.
A rede essencial
Alguns dizem que a rede elétrica de hoje não será necessária no futuro, que com a produção de energia distribuída e o surgimento de novas tecnologias de armazenamento os usuários podem se desconectar da rede. Embora a produção centralizada de eletricidade provavelmente vá diminuir percentualmente em comparação com as médias históricas, uma rede ainda será necessária para levar energia aos consumidores. A função de uma entidade estruturada para operar a rede, embora modificada, ainda será necessária, e essa entidade é o integrador de energia.
Mercados
Grandes parcelas do fornecimento de energia elétrica continuam a ser administradas por meio de mecanismos regulamentados das empresas de energia tradicionais. No entanto, a direção em muitas partes do mundo – inclusive no Brasil – é no sentido de criar mercados de energia em substituição a parcelas do monopólio das empresas de energia tradicionais. O integrador de energia utilizará esses mecanismos para respaldar um mercado robusto de eletricidade e serviços associados
Sustentabilidade
A sustentabilidade como objetivo social e imperativo político está cada vez mais sendo adotada em âmbito global, impulsionando uma migração de combustíveis fósseis para outros recursos, e o Brasil não é exceção. Para o integrador de energia, adotar e até promover a sustentabilidade é um conceito essencial. Tratase de uma oportunidade para que a inovação seja exercida com estruturas de recompensa financeira que não precisam ser tradicionalmente de natureza regulatória.
A rede de energia da era moderna
Essa transformação no setor de energia estabelece as bases para uma nova era no desenho, na gestão e na utilização da rede de energia. O setor está rapidamente deixando para trás a Rede de Energia da Era Industrial (Industrial Era energy Grid – IEeG) e está planejando e construindo a Rede de Energia da Era Moderna (Modern Era energy Grid – MEeG). A IEeG foi planejada para a eletrificação direcionada principalmente pelo fornecimento centralizado. A MEeG respaldará uma economia que é mais elétrica do que no passado, fornecida por meio de uma infraestrutura que é mais distribuída e variável na operação. Será planejada para a sustentabilidade e para a conexão de um conjunto diversificado de recursos de oferta e demanda, que serão otimizados para lidar com a incerteza técnica inerente às tecnologias de energia mais novas. E as estruturas de financiamento e recompensa subjacentes serão cada vez mais baseadas no mercado, em vez de baseadas em regulamentações e ativos.
Como em outros setores operacionais que passaram por transformações, alguns elementos das operações, onde segurança e confiabilidade são fundamentais, são mais propícios a inovações menos rigidamente controladas do que outros. No setor aéreo, por exemplo, o voo de uma aeronave é rigidamente controlado, com possibilidades de inovação projetadas e regulamentadas com extrema dedicação. Ainda assim, a inovação tem sido implementada com sucesso (por exemplo, uma cabine de “vidro” moderna). Por outro lado, o processo de administração de passageiros fica em grande parte livre dos aspectos relativos à engenharia e à regulamentação, portanto mais receptivo a inovações menos direcionadas.
O setor de energia elétrica provavelmente seguirá um padrão semelhante, com as operações de rede evoluindo em um regime de inovação mais rigidamente controlado, enquanto que nas operações voltadas para o cliente as inovações provavelmente serão vitalizadas por meios mais empreendedores. É esse equilíbrio entre os métodos bem estabelecidos do fornecimento de eletricidade segura e confiável e as inovações necessárias para atender às exigências futuras que estabelece as bases para o integrador de energia.
Um integrador de energia não é necessariamente uma entidade única, mas mais provavelmente uma constelação de entidades que administram de acordo com um conjunto de processos comuns e coordenados.
Esferas de operação do integrador de energia
Esfera da operação da rede: segurança e confiabilidade
As expectativas de consumidores e órgãos reguladores de que a rede forneça eletricidade segura e confiável precisam continuar a ser atendidas. Embora grande parte da estrutura tradicional das empresas de energia da IEeG seja preservada nessa esfera, ela será transformada pela transição para a MEeG, e pela maior complexidade que a MEeG introduz. É provável que uma métrica análoga às medidas de estabilidade do sistema no nível da transmissão seja desenvolvida para a operação da distribuição, à medida que a complexidade, a interconexão e a variabilidade da oferta e da demanda aumentem.
Esfera da inovação: segurança e sustentabilidade
A importância da segurança cibernética na MEeG é um fator cada vez mais importante para a gestão confiável da rede. A gestão das ameaças cibernéticas tradicionalmente ficou limitada às fronteiras internas das subestações e das empresas. A MEeG, no entanto, enfrentará ameaças que alcançam as unidades físicas dos clientes ou delas se originam. Assim, a gestão dessa ameaça se torna função fundamental do integrador de energia.
Também nessa esfera de operação está um papel consideravelmente ampliado para a integração de recursos de energia sustentável na rede de distribuição. Isso engloba a geração distribuída, bem como geração renovável centralizada, resposta da demanda, armazenamento, eficiência energética e inovações ainda a serem definidas.
As funções abordadas nessa esfera geralmente não são da competência da regulamentação das empresas de energia tradicionais e, portanto, estão abertas a oportunidades comerciais para aqueles que assumirem o papel de integrador de energia. Elas serão bem atendidas pela inovação empresarial, noção que os órgãos reguladores tradicionais estão começando a entender. Sendo assim, a autorização para o integrador de energia inovar comercialmente pode ser bastante grande.
Muitas das tecnologias necessárias para conduzir essa inovação já existem e estão sendo industrializadas. Muitas das inovações necessárias podem de fato ocorrer no âmbito dos modelos de negócios e das políticas públicas, permitindo que essas tecnologias e essas inovações sejam desencadeadas.
Esfera do mercado: preço e liquidez
Os mercados deverão definir os preços de uma variedade de serviços por meio de um conjunto de mecanismos que permitam que todos os recursos energéticos participem, independentemente da fonte. A esfera do mercado oferece aos integradores de energia a oportunidade para operar comercialmente, por meio de mecanismos regulatórios não tradicionais. É provável que sujam terceiros que operem nessa função de integração de energia, em conjunto com entidades mais tradicionais.
O desenvolvimento de um conceito de câmara de compensação de energia, que permita aos participantes identificar mercados viáveis, fornecer serviços de energia e realizar transações com a completa variedade dos mercados disponíveis, é crucial para o sucesso da função do integrador de energia.
Conclusão
O conceito de integrador de energia incorpora de maneira sucinta os principais desafios, capacidades e oportunidades que surgirão à medida que o modelo da empresa de energia tradicional se transforme. Haverá transformações do mercado, das políticas públicas e das tecnologias em graus variados. Novos participantes sejam empresas estabelecidas de outros setores, sejam novas empresas competirão com empresas de energia inovadoras para ganhar esse espaço de alto valor. O único denominador comum nessa disputa será a inovação.
Este artigo foi publicado originalmente pelo Centro de Estudos de Energia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Energia). Para ler a publicação completa, clique aqui.