Artigo de Opinião: Católicos da China e o testemunho moral da igreja

Publicado no jornal O Globo  27/09/2020
Esse artigo foi originalmente publicado em inglês na revista First Things 

A situação dos direitos humanos na China tem se deteriorado severamente sob o regime autocrático de Xi Jinping, especialmente para crentes religiosos. Relatórios confiáveis têm exposto  o programa do Partido Comunista Chinês (PCC) de esterilizações forçadas e abortos de muçulmanos em Xinjiang, o abuso a padres católicos e leigos e o ataque a igrejas domésticas protestantes – todos parte de uma campanha de “Sinicização” para subordinar Deus ao PCC, enquanto promovem o próprio Xi como divindade ultramundana. Agora, mais do que nunca, o povo chinês precisa do testemunho moral e da autoridade do Vaticano para apoiar os crentes religiosos da China. 

Diplomatas do Vaticano se reúnem este mês com seus homólogos no PCC para negociar a renovação de um acordo provisório de dois anos entre Santa Sé e China. Os termos do pacto nunca foram divulgados publicamente, mas a esperança da Igreja era que melhorasse a condição dos católicos no país acordando sobre a nomeação de bispos, os tradicionais guardiões da fé nas comunidades locais. 

Dois anos depois, está claro que o acordo Sino-Vaticano não protegeu os católicos das depredações do partido, para não falar do tratamento horrível  aos cristãos, budistas tibetanos, devotos do Falun Gong e outros fiéis. O relatório anual de 2019 do Departamento de Estado sobre liberdade religiosa traz um exemplo ilustrativo com a história do padre Paul Zhang Guangjun, que foi espancado e “desapareceu” por se recusar a unir-se à Associação Católica Patriótica dirigida pelo PCC. Infelizmente, sua experiência não é única. As autoridades comunistas continuam fechando igrejas, espionando e perseguindo os fiéis, e insistem que o partido é a autoridade máxima em assuntos religiosos. 

Como parte do acordo de 2018, o Vaticano legitimou padres e bispos chineses, cuja lealdade permanece obscura, confundindo católicos chineses que sempre confiaram na Igreja. Muitos se recusam a adorar em locais de culto sancionados pelo Estado, por medo de que, ao se revelarem católicos fiéis, sofram os mesmos abusos que testemunham que outros sofrem nas mãos do ateísmo cada vez mais agressivo das autoridades chinesas. 

Em Hong Kong, a recente imposição pelo governo local de uma Lei de Segurança Nacional por Pequim levanta o espectro de que o partido usará as mesmas táticas de intimidação e todo o aparato de repressão estatal contra fiéis religiosos. As vozes mais proeminentes de Hong Kong em defesa da dignidade humana e dos direitos humanos costumam ser os católicos. Não é surpresa que católicos como Martin Lee, o pai da democraciaem Hong Kong, e Jimmy Lai, um barão da mídia e promotor da democracia, tenham sido presos, espionados e assediados pelo simples crimede defender as liberdades básicas que Pequim prometeu proteger em troca de recuperar a soberania sobre Hong Kong em 1997. Conheço esses dois homens e posso atestar sua bondade e sinceridade de coração. Sua devoção a Deus, a todos os filhos de Deus e a uma China pacífica, livre e próspera é inegável. 

Muitas nações se juntaram aos Estados Unidos para expressar repulsa pelas crescentes violações dos direitos humanos pelo regime chinês, incluindo a liberdade religiosa. No ano passado, 22 países enviaram uma carta ao Conselho de Direitos Humanos da ONU para denunciar a detenção pelo Partido Comunista Chinês de mais de um milhão de muçulmanos uigures, cazaques étnicos e outras minorias nos campos de “reeducação” em Xinjiang. A Aliança Inter-parlamentar sobre a China, que inclui legisladores de democracias de todo o mundo, lastima o “desenrolar das atrocidades” do partido. O Departamento de Estado tem sido uma voz forte pela liberdade religiosa na China e no mundo todo. Tomou medidas para responsabilizar aqueles que abusam dos fiéis. Continuaremos fazendo isso. 

A Santa Sé tem a capacidade e o dever únicos de chamar a atenção do mundo para as violações dos direitos humanos, especialmente as perpetradas por regimes totalitários como o de Pequim. No final do século XX, o poder de testemunho moral da Igreja ajudou a inspirar aqueles que libertaram a Europa Central e Oriental do comunismo e os que desafiaram os regimes autocráticos e autoritários na América Latina e no Leste Asiático. 

Esse mesmo poder de testemunho moral deveria ser empregado hoje em relação ao Partido. O Concílio Vaticano II e os papas João Paulo II, Bento XVI e Francisco ensinaram que a liberdade religiosa é o primeiro dos direitos civis. A solidariedade é um dos quatro princípios fundamentais da doutrina social católica. O que a Igreja ensina ao mundo sobre a liberdade religiosa e a solidariedade deve agora ser expressado enérgica e persistentemente pelo Vaticano em face dos incansáveis esforços do PCC em curvar todas as comunidades religiosas à vontade do partido e a seu programa totalitário. 

O Papa Francisco disse em 2013 que os Cristãos devem responder ao mal com o bem, levando sobre si a cruz como Jesus o fez. A história nos ensina que regimes totalitários só podem sobreviver na escuridão e no silêncio, seus crimes e brutalidade despercebidos e não notados. Se o PCC conseguir subjugar a Igreja Católica e outras comunidades religiosas, os regimes que desdenham os direitos humanos serão encorajados, e o custo de resistir à tirania aumentará para todos os corajosos crentes religiosos que honram a Deus acima do autocrata do momento. Oro para que, ao lidar com o PCC, a Santa Sé e todos os que acreditam na centelha divina que ilumina cada vida humana prestem atenção às palavras de Jesus no Evangelho de João: “A verdade os libertará“. 

Michael R. Pompeo é secretário de Estado dos EUA.  

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