ESCRITÓRIO DE LIBERDADE RELIGIOSA INTERNACIONAL
2 de junho de 2022
O Relatório anual ao Congresso sobre Liberdade Religiosa Internacional – o Relatório sobre Liberdade Religiosa Internacional – descreve a situação da liberdade religiosa em cada país. O relatório abrange as políticas governamentais que violam a crença religiosa e as práticas de grupos, denominações religiosas e indivíduos, e as políticas dos EUA para promover a liberdade religiosa em todo o mundo. O Departamento de Estado dos EUA submete os relatórios de acordo com a Lei Internacional de Liberdade Religiosa de 1998.
Visão geral e Reconhecimentos
POR QUE E COMO OS RELATÓRIOS SÃO PREPARADOS
O Departamento de Estado apresenta este relatório anual ao Congresso em conformidade com a seção 102(b) da Lei Internacional de Liberdade Religiosa de 1998 (P.L. 105-292), conforme emenda. Este relatório abrange o período entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 2021.
As embaixadas dos EUA preparam as versões iniciais dos capítulos dos países com base em informações de autoridades governamentais, grupos religiosos, organizações não-governamentais, jornalistas, monitores de direitos humanos, acadêmicos, mídia, entre outros. O Escritório de Liberdade Religiosa Internacional, com sede em Washington, colabora na coleta e análise de informações adicionais, baseando-se em suas consultas com autoridades governamentais estrangeiras, grupos religiosos nacionais e estrangeiros, organizações não-governamentais nacionais e estrangeiras, organizações multilaterais e outras organizações internacionais e regionais, jornalistas, especialistas acadêmicos, líderes comunitários e outras instituições relevantes do governo dos EUA.
O princípio orientador do Departamento de Estado é garantir que todas as informações relevantes sejam apresentadas da forma mais objetiva, completa e justa possível. As motivações e a precisão das fontes variam, entretanto, e o Departamento de Estado não está em condições de verificar independentemente todas as informações contidas nos relatórios. Na medida do possível, os relatórios usam várias fontes para aumentar a abrangência e reduzir o potencial de viés. As opiniões de qualquer fonte em particular não são necessariamente as do governo dos Estados Unidos. O relatório foi elaborado para destacar exemplos de ações governamentais e sociais que tipificam e iluminam questões relatadas em cada país. Inclusões ou omissões específicas não devem ser interpretadas como um sinal de que um caso específico é de maior ou menor importância para o governo dos EUA, ou que um caso é o único exemplo disponível. Em vez disso, o objetivo é esclarecer a natureza, o escopo e a gravidade das ações que afetam a liberdade religiosa por meio de exemplos ilustrativos.
RECONHECIMENTOS
Este relatório reflete os esforços de centenas de pessoas no Departamento de Estado e nas missões dos EUA no exterior. Agradecemos à equipe dedicada de nossas embaixadas e consulados por monitorar e promover a liberdade religiosa e por relatar em detalhes o status da liberdade de religião ou crença em todos os cantos do globo. Muitos deles se esforçaram muito em circunstâncias difíceis para obter as informações deste relatório.
Os relatórios foram produzidos sob a direção do Embaixador Geral para a Liberdade Religiosa Internacional Rashad Hussain, com a orientação do Diretor do Escritório de Liberdade Religiosa Internacional Daniel L. Nadel e dos Diretores Adjuntos Mariah Mercer e Carson Relitz Rocker.
A equipe editorial do Relatório Internacional de Liberdade Religiosa é composta por: Editor-Chefe: Robert W. Boehme; Editores: Cynthia H. Akuetteh, Victoria Alvarado, Michael Ardovino, Brian Bachman, Mark Carlson, Lisa B. Gregory, David E. Henifin, James A. McVerry, Daniel Merrill, Robin Quinville, Carol Rodley, Vicente Valle e David Winn; Funcionários do Escritório de Liberdade Religiosa Internacional: James Alexander, Carter Allen, Gaby Anciola, Rory E. Anderson, Nida Ansari, Ferdaouis Bagga, Dhuha Baig, Keely Bakken, Aaron Bruce, Katie Burns, Andre Cadieux, Christine Marie Carlson, Atlee Chait, Sean Comber, John Craven, Dylan Diggs, Serena Doan, Michael G. Dozler, Luke Falcon-Sapp, Nathan George, Mary Gunderson, Cassandra Harris, Razi Hashmi, Alyx Hoge, Sarah Krech, Yetty Landherr, Darin McAnelly, Leslie Moorman, Tina L . Mufford, Jeff O’Neal, Douglas Padgett, Kourtney Pompi, Kim Roy, Felix Salazar, Jr., Rachel Sauer, Seth Schleicher, Nicole Schlichter, Robin Schulman, Sarah Shabbir, Angel Sharma, Nathan Wineinger, Rachel Wolfe, Joanna Wulfsberg, e Brooke C. D. Young. Agradecimentos especiais a Geoffrey Palcher, Victor Huser e Selene Ko.
RELATÓRIO INTERNACIONAL DE LIBERDADE RELIGIOSA DO BRASIL EM 2021
Resumo Executivo
A constituição afirma que a liberdade de consciência e crença é inviolável, prevê o livre exercício de crenças religiosas e proíbe os governos federal, estadual e local de apoiar ou impedir qualquer religião. Em abril, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional uma lei do Estado do Amazonas de 2015 que exigia que escolas e bibliotecas mantivessem pelo menos um exemplar da Bíblia em seus acervos, por violar o princípio da laicidade estatal. Em fevereiro, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro estabeleceu uma comissão de inquérito para investigar o aumento da intolerância religiosa e discutir estratégias para promover a liberdade religiosa. Em abril, o STF manteve como constitucionais decretos governamentais relacionados ao COVID-19 para fechar instituições religiosas; alguns grupos religiosos protestaram contra as restrições do governo da COVID-19 sobre o número de fiéis autorizados a participar de eventos. Em junho, o estado do Rio de Janeiro permitiu que indivíduos usassem o telefone 190 da Polícia Militar para denunciar atos de intolerância religiosa. Em março, o estado de São Paulo aprovou uma lei de liberdade religiosa que regulamentou o princípio constitucional do livre exercício da fé e estabeleceu multas de até 87.000 reais (US$ 15.300) para distúrbios de cerimônias e cultos religiosos, vandalismo de símbolos sagrados e discriminação nas escolas baseada na religião. Em julho, um juiz de São Paulo absolveu uma mãe da acusação de violência doméstica apresentada depois que sua filha participou de um ritual de candomblé. O juiz afirmou que a liberdade religiosa era um direito constitucional e não havia justificativa para restringir um ritual de candomblé. Em julho, no estado do Maranhão, instituições religiosas afro-brasileiras, ativistas de combate à intolerância religiosa e representantes do governo estadual discutiram estratégias para acabar com os ataques aos terreiros (templos usados nas religiões afro-brasileiras). Em agosto, a Polícia Federal lançou a Operação Rosa Branca para investigar crimes de discriminação ou preconceito baseados em intolerância e disseminação de símbolos nazistas. A Polícia Civil e o Ministério Público investigaram a disseminação de ódio e ameaças de violência nas redes sociais, inclusive contra judeus; em dezembro, a polícia civil e o Ministério Público iniciaram uma série de ações, cumprindo mandados de prisão e busca e apreensão em sete estados. Em maio, a Secretaria de Justiça de São Paulo, por meio do Fórum Inter-Religioso para uma Cultura de Paz e Liberdade de Fé, realizou um webinário com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) para discutir a liberdade de religião para promover paz e tolerância no país e no mundo. No dia 21 de janeiro, municípios de todo o país comemoraram o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa.
De acordo com reportagens da imprensa, evidências de casos, e outras fontes, o respeito da sociedade pelos praticantes de religiões minoritárias – especialmente religiões afro-brasileiras – continuou fraco e os ataques aos terreiros continuaram. De acordo com a Secretaria Nacional de Direitos Humanos do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, durante o ano, a Central Nacional de Direitos Humanos recebeu 581 ligações denunciando intolerância religiosa, contra 566 denúncias em 2020. A mídia noticiou que indivíduos incendiaram e destruíram locais de culto e objetos sagrados afro-brasileiros, às vezes ferindo ou ameaçando os fiéis. Em julho, um funcionário de um supermercado disse que seu empregador o assediou verbalmente e acabou demitindo-o por usar uma máscara protetora com uma divindade afro-brasileira. Uma reportagem de agosto divulgada pelo canal de imprensa Globo mostrou que, nos primeiros cinco meses do ano, a Polícia Federal investigou 36 casos de violação das leis do país contra o uso de símbolos para divulgar o nazismo, índice com tendência a ser um pouco menor do que o 110 casos abertos no ano-calendário de 2020. Um jornalista que trabalha para uma das maiores emissoras do país afirmou que o Brasil poderia alcançar o desenvolvimento econômico da Alemanha “somente atacando os judeus. Se matarmos um zilhão de judeus e nos apropriarmos de seu poder econômico, o Brasil ficará rico. Foi o que aconteceu com a Alemanha depois da guerra.” O Relatório Anual de Antissemitismo da Federação Israelita do Estado de São Paulo (FISESP), registrou 57 ocorrências e denúncias de antissemitismo no país de janeiro a julho, em comparação com 149 ocorrências e denúncias no mesmo período de 2020. A FISESP também relatou um total de 92 incidentes no final do ano. A FISESP atribuiu a queda nos casos registrados às dificuldades na coleta de dados durante as paralisações da pandemia de COVID-19, quando as filiais locais foram fechadas. A mídia e organizações religiosas relataram um aumento no número de relatos de discurso de ódio direcionado a minorias religiosas nas mídias sociais e na internet, em particular contra praticantes de religiões afro-brasileiras e judeus. Em junho, o Ministério Público Federal indiciou um homem por incitação ao nazismo em 2015 em um site de rede social russo.
Durante o ano, funcionários da embaixada auxiliaram os esforços do governo para enfrentar a disseminação do ódio e ameaças de violência contra grupos religiosos. Em janeiro, a embaixada organizou uma mesa-redonda virtual com representantes de grupos religiosos, da academia e do governo, incluindo um procurador federal, um professor da Universidade de Chicago e representantes do Fórum Inter-Religioso em São Paulo e da Federação Muçulmana de Associações no Brasil, para discutir os instrumentos legais disponíveis no país para promover a tolerância e a inclusão. Em agosto, o Cônsul Geral em São Paulo se reuniu com representantes de organizações judaicas, incluindo a Confederação Judaica do Brasil (CONIB), CONIB-São Paulo, o Hospital Albert Einstein e o Harmony Club, um clube social e cultural mantido pela comunidade judaica em São Paulo, para promover a liberdade religiosa e a tolerância. Em outubro, o Cônsul Geral no Rio de Janeiro reuniu-se com líderes religiosos afro-brasileiros, ativistas comunitários e legisladores durante uma reunião no Museu da República do Rio para discutir a intolerância religiosa contra as comunidades religiosas afro-brasileiras. Em 22 de dezembro, o Cônsul Geral em São Paulo se reuniu com o Arcebispo de São Paulo, Cardeal Odilo Scherer, para discutir o diálogo inter-religioso, o impacto da COVID-19 nos grupos religiosos e os direitos humanos no país.
Seção I. Demografia Religiosa
O governo dos Estados Unidos estima a população total em 213,4 milhões (meados do ano 2021). De acordo com uma pesquisa Datafolha de 2019, 50% da população se identifica como católica romana, o mesmo que a pesquisa anterior em 2016, mas abaixo dos 60% em 2014. Os ateus e os sem religião representam 11%, e a proporção de cristãos evangélicos é de 31%, em comparação com 24% em 2016. Dois por cento praticam as religiões afro-brasileiras e três por cento são espíritas. De acordo com o censo de 2010, os dados mais recentes disponíveis de fontes oficiais, 65% da população é católica, 22% protestante, 8% irreligiosa (incluindo ateus, agnósticos e deístas), e 2% espírita. Aderentes de outros grupos cristãos, incluindo as Testemunhas de Jeová, A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias e Adventistas do Sétimo Dia, assim como seguidores de religiões não cristãs, incluindo budistas, judeus, muçulmanos, hindus e grupos religiosos afro-brasileiros e sincréticos, como o Candomblé e a Umbanda, compõem um total de 3% da população. Segundo o censo, existem aproximadamente 600.000 praticantes do Candomblé, Umbanda e outras religiões afro-brasileiras. Alguns cristãos também praticam o Candomblé e a Umbanda; entretanto, algumas organizações não-governamentais (ONGs) acreditam que isso é significativamente subestimado, dado o número de terreiros localizados em todo o país. De acordo com pesquisas recentes, muitos brasileiros se consideram seguidores de mais de uma religião.
Segundo o censo de 2010, aproximadamente 35.200 muçulmanos vivem no país, enquanto a Federação das Associações Muçulmanas do Brasil (FAMBRAS) estima que o número seja de 1,2 a 1,5 milhões. As maiores comunidades residem em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Foz do Iguaçu, assim como em cidades menores nos estados do Paraná e Rio Grande do Sul.
De acordo com o CONIB, existem aproximadamente 120.000 judeus no país. As duas maiores concentrações são 70.000 no Estado de São Paulo e 34.000 no Estado do Rio de Janeiro
Seção II. Status do Respeito do Governo à Liberdade Religiosa Legal
Estrutura
A constituição afirma que a liberdade de consciência e de crença é inviolável, sendo garantido o livre exercício das crenças religiosas. A constituição proíbe os governos federal, estadual e local de apoiar ou impedir qualquer religião específica. A lei prevê penas de até cinco anos de prisão para crimes de intolerância religiosa, incluindo bullying, discriminação no emprego, recusa de acesso a áreas públicas e exibição, distribuição ou transmissão de material religioso intolerante. Por lei, os tribunais podem multar ou prender de um a três anos qualquer pessoa que se envolva em discurso de ódio religioso. Se o discurso de ódio ocorrer por meio de publicação ou comunicação social, incluindo mídias sociais, os tribunais podem multar ou prender os responsáveis por dois a cinco anos. É ilegal escrever, editar, publicar ou vender literatura que promova a intolerância religiosa.
Grupos religiosos não são obrigados a se registrar para estabelecer locais de culto, treinar clero ou fazer proselitismo, mas grupos que buscam isenção de impostos devem se registrar na Receita Federal e no município local. Estados e municípios têm requisitos e regulamentações diferentes para obter o status de isenção de impostos. A maioria das jurisdições exige que os grupos documentem o propósito de sua congregação, forneçam uma contabilidade das finanças e façam uma inspeção de incêndio em qualquer casa de culto. As leis locais de zoneamento e os regulamentos de ruído podem limitar onde um grupo religioso pode construir casas de culto ou realizar cerimônias.
A lei protege o direito de usar o sacrifício de animais em rituais religiosos.
As regulamentações governamentais exigem que as escolas públicas ofereçam instrução religiosa, mas nem a constituição nem a legislação definem os parâmetros. Por lei, a instrução deve ser não-confessional e conduzida sem proselitismo, e instrução alternativa para alunos que não querem participar deve estar disponível. As escolas são obrigadas a ensinar religião, história e cultura afro-brasileiras. A lei permite que alunos de escolas públicas e privadas, exceto aqueles em treinamento militar, adiem os exames ou as aulas no dia de culto quando sua fé proíbe tais atividades. A lei garante o direito dos alunos de expressar suas crenças religiosas e exige que as escolas forneçam alternativas, incluindo exames de substituição ou aulas alternativas.
Uma lei do Estado do Rio de Janeiro promulgada em março permite que escolas públicas e privadas incluam em seus currículos disciplinas que tratem do respeito à liberdade de crença e culto; diversidade religiosa e cultural; combate ao racismo no país; a importante influência das crenças afro-brasileiras, indígenas e judaicas na formação da sociedade nacional; a relação entre liberdade religiosa e laicidade do Estado; e as consequências jurídicas da intolerância contra expressões de religião.
A lei proíbe subsídios públicos a escolas operadas por organizações religiosas.
Uma disposição constitucional prevê o direito de acesso a serviços religiosos e aconselhamento a indivíduos de todas as religiões em todos os estabelecimentos civis e militares. A lei estabelece que os hospitais públicos e privados, bem como as prisões civis ou militares, devem cumprir esta disposição.
Uma lei do Estado de São Paulo aprovada em março estabelece sanções administrativas para indivíduos e organizações que praticam intolerância religiosa. A nova lei complementa uma existente de 2019 focada na discriminação religiosa, ampliando o conceito de intolerância religiosa, tomando medidas para promover a liberdade religiosa e aumentando as multas impostas. As punições variam de uma carta de advertência a multas de até 87.000 reais (US$ 15.300).
O país é parte do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
Práticas Governamentais
Em janeiro, o governo federal criou o Registro Nacional de Organizações Religiosas, um banco de dados voluntário de líderes religiosos e entidades elegíveis para receber fundos federais e para realizar ações em parceria com o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. O professor de ciências sociais e líder do Grupo de Estudos Protestantismo e Pentecostalismo da Pontifícia Universidade Católica, Edin Sued Abumanssur, disse que o programa duplicou bancos de dados pré-existentes de organizações religiosas, e sugeriu que a criação do novo banco de dados fosse uma tentativa de conseguir o apoio das igrejas na preparação para as eleições presidenciais de 2022.
Em janeiro, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro criou a Frente Parlamentar de Liberdade Religiosa. O objetivo do grupo, composto de 38 vereadores, era discutir estratégias para combater a intolerância religiosa no município.
Atendendo a um boletim de ocorrência da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro que dizia que o estado havia registrado 6.700 crimes de intolerância religiosa de 2015 a 2019, a deputada estadual Martha Rocha estabeleceu em fevereiro uma comissão parlamentar de inquérito na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro para investigar esse número crescente e discutir possíveis estratégias para promover a liberdade religiosa.
Em 3 de março, o governador do Estado de São Paulo, João Doria, aprovou uma lei estadual de liberdade religiosa regulamentando o princípio constitucional do livre exercício da fé, incluindo multas de até 87.000 reais ($ 15.300) para casos verificáveis de distúrbios de cerimônias e cultos religiosos , vandalismo de símbolos sagrados e discriminação nas escolas, como a proibição do uso de trajes religiosos.
Em março, a mídia informou que cristãos e católicos evangélicos no estado de Pernambuco protestaram contra a imposição do estado de limitações relacionadas ao COVID-19 em reuniões religiosas públicas.
Em abril, o STF considerou que os decretos do governo para fechar igrejas e outros templos religiosos em todo o país devido à pandemia de COVID-19 eram constitucionais. A decisão seguiu a revisão do STF do decreto do governador de São Paulo Doria ordenando o fechamento de centros religiosos para evitar grandes multidões. Após a decisão, de acordo com reportagens da imprensa, grupos religiosos protestaram contra as restrições do governo à COVID-19 a reuniões religiosas em Brasília. Em resposta à decisão do STF, em outubro, a Assembleia Legislativa de São Paulo revogou o decreto do governador Doria e declarou que as observâncias religiosas e seus respectivos locais de culto eram atividades essenciais a serem mantidas em tempos de crise, inclusive durante pandemias e desastres naturais, desde que a atividade cumprisse as recomendações do Ministério da Saúde.
Em dezembro de 2020, a cidade de Porto Alegre inaugurou uma Delegacia de Combate à Intolerância com mandato para atender vítimas de preconceito e investigar discriminação, inclusive religiosa. Até abril, o escritório havia registrado 169 ocorrências, incluindo oito relacionadas à discriminação religiosa.
A partir de junho, indivíduos podem denunciar intolerância religiosa no Estado do Rio ao telefone 190 da Polícia Militar. A Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR), organização independente composta por representantes de grupos religiosos, sociedade civil, polícia e representantes do Ministério Público, foi responsável por documentar casos de intolerância religiosa e prestar assistência às vítimas. O coordenador da CCTR, Ivanir dos Santos, destacou a importância desse novo canal, dizendo que, embora as vítimas já pudessem denunciar as ocorrências à polícia civil, o telefone 190 da polícia militar era mais acessível e familiar.
Em junho, o Tribunal de Justiça da Bahia condenou Edneide Santos de Jesus, membro da Igreja Evangélica Casa de Oração, a comparecer mensalmente ao tribunal e ao serviço comunitário por assediar verbalmente repetidamente membros de um templo tradicional do Candomblé em Camaçari, Bahia. A corte também considerou de Jesus culpado de espalhar sal grosso em frente ao templo do Candomblé para “expulsar demônios”. A decisão do Tribunal de Justiça foi a primeira decisão de “racismo religioso” (intolerância ou preconceito religioso) na história do estado.
A mídia noticiou que em junho, durante uma busca pelo suposto assassino em série Lazaro Barbosa, os policiais entraram repetidamente em pelo menos 10 templos afro-brasileiros no Estado de Goiás. Os líderes religiosos apresentaram uma queixa alegando que a polícia usou força em sua entrada, apontou armas para os chefes dos presentes e examinou telefones celulares e computadores sem uma ordem judicial. A Secretaria de Segurança Pública de Goiás declarou que uma força-tarefa composta por policiais de Goiás, do Distrito Federal e da Polícia Rodoviária Federal estava “trabalhando com um único propósito: garantir a paz à população da região e capturar Lazaro Barbosa dentro dos limites da legalidade”.
Em julho, um juiz do Tribunal de Justiça de São Paulo absolveu Juliana Arcanjo Ferreira de acusações de violência doméstica e danos corporais contra sua filha depois que Ferreira levou a filha de 11 anos de idade a um rito tradicional do Candomblé chamado “cura” em outubro de 2020. O pai da menina apresentou um relatório policial quatro meses após a cerimônia acusando Ferreira de agressão, após uma visita de fim de semana durante a qual ele descobriu cicatrizes no corpo da menina, que eram pequenas incisões superficiais na pele advindas de rito religioso. Os médicos examinadores descobriram que as cicatrizes do ritual eram leves e não causavam incapacidade; não havia conclusão de que fossem feitas sob tortura ou outros meios cruéis. O juiz que presidiu o caso enfatizou que a liberdade religiosa era um direito constitucional e que a transmissão de crenças às crianças não poderia ter consequências criminais se fosse feita com “respeito pela vida, liberdade e segurança”. Ele continuou que não poderia haver outra justificativa, além da intolerância religiosa, para restringir um ritual de Candomblé.
Em agosto, o governo do Estado de São Paulo anunciou a criação de uma Delegacia de Diversidade Online, uma ferramenta que permite aos cidadãos denunciar crimes de discriminação e intolerância, incluindo os que envolvem religião, através de uma plataforma online.
Por esta ferramenta, após a denúncia, os casos foram encaminhados para investigação adicional à recém redesenhada delegacia especializada em crimes de discriminação e intolerância de 26 pessoas da cidade de São Paulo. Alternativamente, os casos no interior do Estado de São Paulo foram encaminhados para os Departamentos Estaduais de Investigação Criminal. As autoridades disseram que 20% dos policiais do estado nesses departamentos tinham treinamento especial no combate e investigação da intolerância.
De acordo com a FAMBRAS, as mulheres disseram que continuavam a enfrentar dificuldades em poder usar coberturas islâmicas para a cabeça, como o hijab, quando passavam pela segurança em aeroportos e outros edifícios públicos.
Em julho, o Presidente Jair Bolsonaro encontrou-se com Beatrix von Storch, deputada e legisladora alemã do Partido Alternativa para a Alemanha (AfD).
Representantes do CONIB criticaram a acolhida de Storch, dizendo que a AfD era um partido que minimizou as atrocidades nazistas e o Holocausto. De acordo com relatos da mídia, porém, a visita oficial de Storch não incluiu nenhuma discussão sobre o nazismo ou o Holocausto.
Em março, Roberto Jefferson, líder do Partido Trabalhista Brasileiro, publicou no Instagram, “Baal, divindade satânica, cananeus e judeus sacrificaram crianças para receber sua simpatia”. Hoje, a história se repete”. O CONIB disse em uma declaração que o posto de Jefferson constituía “um crime de racismo, com um aumento da pena por ter sido cometido através de uma rede social”. Por uma questão não relacionada em agosto, as autoridades acusaram Jefferson de pertencer a uma organização criminosa que se opõe à democracia. Ele permaneceu na prisão, aguardando julgamento até o final do ano.
No Estado do Maranhão, instituições religiosas afro-brasileiras e ativistas que trabalham para combater a intolerância religiosa, juntamente com o defensor público, o promotor público e a Ordem dos Advogados do Maranhão, reuniram-se em julho para discutir estratégias para acabar com os ataques aos terreiros. De acordo com a Secretaria de Estado da Igualdade Racial, os terreiros, incluindo o Templo Pai Lindomar, tinham sofrido ataques cada vez mais frequentes durante vários anos, apesar da presença da polícia militar no bairro Anjo da Guarda, onde o templo estava localizado na capital do estado de São Luís. Por exemplo, em média havia cinco queixas de intolerância religiosa por ano, mas em dois meses de 2021, foram apresentadas quatro queixas de intolerância.
Em junho, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina (MPSC) arquivou uma investigação sobre possíveis atos ilícitos do professor de história Wandercy Pugliesi. Em 2020, o Partido Liberal pressionou Pugliesi a renunciar como candidato às eleições municipais de Pomerode devido à sua associação com símbolos neonazistas e por não estar ideologicamente alinhado com o partido. Pugliesi tinha um grande símbolo de suástica em azulejo em sua piscina pessoal e deu o nome de Adolf ao seu filho; a polícia apreendeu dele materiais relacionados ao nazismo em 1994. Em junho, os advogados de Pugliesi solicitaram que o Ministério Público arquivasse o caso depois que Pugliesi forneceu fotos mostrando que o símbolo na piscina havia sido removido. Em setembro, um membro do Conselho Superior do MPSC solicitou que o Centro de Enfrentamento aos Crimes e Intolerâncias Raciais estudasse o caso antes de arquivá-lo. Segundo a mídia, embora não houvesse um cronograma firme para o estudo, após a conclusão, o Conselho Superior do MPSC consideraria os resultados do estudo e decidiria se iria recomeçar a investigação.
Em agosto, a Polícia Federal lançou a Operação Rosa Branca, uma referência ao histórico movimento antinazista White Rose na Alemanha da Segunda Guerra Mundial, para combater crimes de discriminação ou preconceito com base em raça, cor, etnia, religião ou origem nacional, bem como como a colocação de símbolos nazistas. Documentos em um banco de dados da Safernet Brasil – ONG que promove direitos humanos nas redes sociais e monitora sites radicais – serviram de base para uma operação contra um homem que fez comentários discriminatórios contra categorias de indivíduos que incluíam judeus e católicos. Segundo relatos da imprensa, o homem também exibiu símbolos nazistas, declarou-se nazista e divulgou conteúdo relacionado ao antissemitismo e idolatria ao nazismo e ao fascismo, com a intenção de incitar a violência.
Durante o ano, a Polícia Civil e o Ministério Público iniciaram a Operação Bergon (em homenagem a uma freira francesa que ajudou a resgatar crianças judias durante a Segunda Guerra Mundial) para investigar a disseminação de ódio e ameaças de violência nas redes sociais, inclusive contra judeus. Em dezembro, a Polícia Civil e o Ministério Público iniciaram uma série de ações, cumprindo quatro mandados de prisão e 31 mandados de busca e apreensão nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Paraná, Santa Catarina e Rio do Sul.
A ONG Centro de Articulação de Populações Marginalizadas relatou que as vítimas afro-brasileiras de intolerância religiosa no estado do Rio de Janeiro continuaram a ver a polícia e o judiciário como sendo indiferentes, em geral, aos ataques aos lugares de culto afro-brasileiros. Citou o que disse ser a falta de investigações e prisões nestes casos e que os infratores raramente eram responsabilizados.
Em abril, o STF declarou inconstitucional uma lei do Estado do Amazonas de 2015, exigindo que escolas e bibliotecas guardassem pelo menos um exemplar da Bíblia em suas coleções por violar os princípios do secularismo do Estado. Seguindo a decisão, algumas publicações na mídia social declararam que o STF havia banido a Bíblia das escolas e bibliotecas públicas, acusações que o governo disse serem falsas.
Em setembro, o governador interino do Rio, Cláudio Castro, declarou o Terreiro de Gomeia em Duque de Caxias como patrimônio histórico e cultural. Seguidores do Candomblé fundaram o Templo de Gomeia na década de 1950. A declaração enfatizava o valor das práticas religiosas afro-brasileiras.
Em 21 de janeiro, os municípios de todo o país comemoraram o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. No Rio Grande do Sul, a polícia civil distribuiu um livreto educativo sobre intolerância religiosa, incluindo informações sobre o que engloba crimes de intolerância religiosa e como denunciar incidentes.
Em 25 de maio, a Secretaria de Justiça de São Paulo, através do Fórum Inter-Religioso para uma Cultura de Paz e Liberdade de Fé, promoveu um webinário em parceria com a UNESCO para discutir a liberdade religiosa como um esforço integral para promover a paz e a tolerância no país e no mundo. O evento incluiu representantes de diversas religiões, incluindo religiões afro-brasileiras, islamismo e judaísmo.
Em maio, a Assembleia Legislativa de São Paulo através da Comissão de Direitos e Liberdade Religiosa, realizou uma Semana da Liberdade Religiosa no Estado de São Paulo, uma série de 16 webinários para promover a liberdade religiosa e a tolerância, com a participação de vários grupos da sociedade civil. A deputada Damaris Moura, que liderou a promoção dos eventos da semana, disse: “Defender a liberdade religiosa para todos é um direito fundamental constitucionalmente garantido, mas ainda com problemas práticos. Portanto, é sempre necessário alertar, conscientizar e prevenir”. O Presidente da Assembléia Legislativa, deputado Carlão Pignatari, definiu a liberdade religiosa como “liberdade de professar qualquer religião [e] realizar serviços e tradições [práticas] relacionadas às crenças”, e enfatizou que as crenças religiosas não devem ter “influência direta na formulação de políticas públicas”. Aproximadamente 1.000 pessoas participaram do evento de abertura da semana, realizado na Assembléia Legislativa.
A Secretaria de Estado dos Direitos Humanos no Estado do Espírito Santo organizou uma Semana Estadual de Combate à Intolerância Religiosa, de 18 a 21 de janeiro. A programação incluiu uma campanha educacional virtual no site do secretariado, uma mesa redonda sobre intolerância religiosa com detentos do Centro de Detenção e Reabilitação de Linhares, e dois seminários sobre intolerância religiosa que incluíram palestrantes representando o catolicismo, o protestantismo e as religiões afro-brasileiras, assim como o Conselho Estadual para a Promoção da Igualdade Racial.
Seção III. Status do Respeito Social à Liberdade Religiosa
Embora apenas cerca de 2% da população fosse adepta das religiões afro-brasileiras, um número desproporcional de casos registrados pela linha direta de direitos humanos envolveu vítimas que eram praticantes de religiões afro-brasileiras. A mídia relatou múltiplos incidentes em que indivíduos e grupos destruíram terreiros e objetos sagrados.
Em janeiro, um homem não identificado invadiu um templo de umbanda em Duque de Caxias, Baixada Fluminense, na cidade do Rio de Janeiro, incendiou e destruiu objetos religiosos sagrados. Segundo a dirigente do templo, Maria Antônia dos Santos, o homem disse que seu pastor o havia instruído a quebrar “todos os demônios que pudesse encontrar no templo”. O suspeito foi preso no mesmo dia e enviado para um hospital psiquiátrico depois que a polícia concluiu que ele estava sofrendo uma crise de saúde mental. Os líderes do templo organizaram uma campanha de arrecadação de fundos e reconstruíram o templo, que foi rededicado em maio.
Em fevereiro, homens não identificados atearam fogo a uma barraca de comida da sacerdotisa do candomblé e vendedora de rua Maria Enoia de Sousa, conhecida como Mãe Enoia, em Macaé, sul do estado do Rio de Janeiro. A sacerdotisa teria sido assediada desde novembro de 2020, quando começou a vender acarajé, um prato regional associado a praticantes de religiões afro-brasileiras. De acordo com relatos da mídia, quando ela tentou registrar um boletim de ocorrência, a delegacia disse que ela precisava pagar uma taxa de 700 a 800 reais (US$ 120 a US$ 140) para conduzir a investigação. A polícia investigou o caso, com acompanhamento do CCIR, até o final do ano.
Em fevereiro, Gleidson Lima, pastor cristão evangélico e líder da Igreja Tenda dos Milagres, destruiu objetos sagrados e oferendas afro-brasileiras no bairro de Belford Roxo, parte da região metropolitana da cidade do Rio de Janeiro. Um vídeo postado na internet após o ataque mostrou o pastor afirmando que estava quebrando os objetos “em nome de Jesus”. A polícia indiciou Lima em 24 de fevereiro por acusações de intolerância religiosa, e a data do julgamento seguia pendente no final do ano.
Em março, a mídia noticiou que um homem não identificado, aparentemente embriagado, destruiu uma estátua de Nossa Senhora das Dores em uma igreja católica em Petrópolis, estado do Rio de Janeiro. Segundo o padre Lucas Thadeu, que presenciou o incidente, o homem quebrou a estátua após declarar que, devido à sua religião, não gostava de imagens religiosas. A polícia estava investigando no final do ano.
De acordo com a mídia em maio, quatro indivíduos entraram na Paróquia Nossa Senhora dos Remédios, em Osasco, São Paulo, e destruíram sete imagens religiosas, além de vasos de flores e banheiros, dizendo que o fizeram “em nome de Jesus”. Depois de analisar as imagens das câmeras de segurança em junho, a Secretaria de Segurança Pública deteve quatro suspeitos, incluindo dois menores. A polícia indiciou os dois adultos pelos crimes de intolerância religiosa e “vilificação de imagens” (os maus tratos ou desrespeito a objetos) e levou os menores ao Juizado da Infância e Juventude. As autoridades liberaram todos os suspeitos após suas audiências para aguardar o resultado da investigação, que de acordo com relatos da mídia, a investigação policial de Osasco continuou até o final do ano.
De acordo com a imprensa, em 3 de dezembro, a polícia prendeu e acusou um homem de roubo agravado e incêndio criminoso pelo incêndio criminoso de 26 de novembro na mesquita Shia Imam Ali em Ponta Grossa, no Estado do Paraná. O homem invadiu e incendiou o husseiniya (salão de congregação xiita), sujou as paredes da cozinha, destruiu masbahas (contas de oração) e incendiou cinco volumes do Alcorão. O indivíduo confessou o crime, que acarreta uma possível pena de até 14 anos de prisão. Em resposta ao ataque, o governador do Paraná, Carlos Massa Ratinho Junior, manifestou seu apoio à mesquita, afirmando: “Não vamos tolerar nenhum ato criminoso, especialmente os de intolerância religiosa, como o que aconteceu na mesquita, em Ponta Grossa”, e A polícia civil prometeu que faria uma investigação completa.
Em dezembro, um grupo de pré-escolares visitou Xica Manicongo, o quilombo urbano (comunidade histórica fundada por ex-escravizados) no município de Niterói, no Estado do Rio de Janeiro, para assistir a uma apresentação cultural. Depois, os indivíduos atacaram virtualmente a escola participante nas redes sociais. Os comentaristas confundiram o quilombo com um terreiro afro-brasileiro na cidade, com postagens usando linguagem ofensiva e criticando os administradores da escola por permitir a visita. Em resposta, o secretário municipal de Educação de Niterói defendeu a participação das crianças no evento, explicando que as escolas têm “autonomia para desenvolver atividades que defendam a liberdade de expressão e a agenda educacional antirracista”. A declaração do secretário também reiterou que essas atividades foram amparadas por leis que promovem a cultura e a história dos povos afro-brasileiros. Em resposta ao esclarecimento da autarquia, muitas pessoas manifestaram apoio à posição da escola e à visita.
Em fevereiro, seguidores das religiões afro-brasileiras em Maceió, estado de Alagoas, prestaram homenagem a Tia Marcelina, uma líder do templo que as forças de segurança espancaram em 1912. De acordo com a Fundação Municipal de Ação Cultural, o objetivo do evento, que incluía canto, música instrumental e o pendurar de uma bandeira, era lembrar o poder e a ancestralidade do dia na história e renovar o que a fundação denominou a luta contra o “racismo religioso”.
Em julho, o ex-funcionário do Supermercado Mundial Rafael Oliveira denunciou a rede por intolerância religiosa, afirmando que a direção do supermercado assediou verbalmente, e acabou demitindo-o quando ele usava uma máscara protetora contendo a imagem do orixá Ogum, uma divindade afro-brasileira. De acordo com Oliveira, outros funcionários do Mundial na cidade de Ramos, no norte do Rio de Janeiro, usavam máscaras em apoio a outras religiões e equipes esportivas sem repreensão, enquanto um gerente disse a Oliveira para trocar sua máscara. Nas três semanas seguintes, o supermercado transferiu Oliveira cinco vezes e mudou de horário oito vezes antes de rescindir o contrato. A rede de supermercados afirmou que “não tolera nenhum ato de discriminação ou intolerância religiosa e respeita todas as crenças”, e disse que a demissão de Oliveira não estava relacionada à discriminação.
Em julho, líderes religiosos afro-brasileiros se reuniram com funcionários da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Estado da Bahia para discutir uma série de ataques contra o Terreiro Icimimo, um local de 104 anos reconhecido pelo governo do Estado da Bahia como patrimônio cultural. Nesse mesmo mês, homens não identificados invadiram o templo e destruíram objetos sagrados e espaços cerimoniais ao ar livre. Segundo um representante do terreiro, as autoridades não haviam indiciado ou prendido nenhum suspeito até o final do ano.
Em agosto, representantes das religiões afro-brasileiras no Estado de Pernambuco, sob a coordenação da Rede Pernambucana de Caminhadas Terreiros (ACTPE), que une os terreiros do estado para combater o racismo e o preconceito religioso, realizaram uma manifestação contra atos de intolerância religiosa. Durante o evento, os representantes anunciaram que haviam apresentado uma denúncia ao Ministério Público de Pernambuco através da Secretaria de Estado de Defesa Social contra um pastor evangélico protestante por ter malignizado as religiões afro-brasileiras. Nas redes sociais, o Pastor Aijalon Berto da Igreja Evangélica Dunamis (que significa poder) o Ministério se opôs aos painéis de grafite artístico instalados perto do Museu da Abolição que retratavam símbolos culturais e religiosos afro-brasileiros, dizendo que estes estavam associados ao mal e a Satanás. No vídeo, o pastor declarou: “Entidades referidas no Candomblé são feitiçarias”. A polícia civil disse que estavam investigando o caso. Em novembro, o ACTPE realizou uma segunda marcha em conjunto com o início do Mês da Consciência Negra do país para marcar a luta contra o racismo e a intolerância religiosa. Os líderes políticos locais e estaduais falaram ao lado dos líderes religiosos afro-brasileiros, apelando para o respeito diário.
A mídia continuou a relatar casos de praticantes do Candomblé sendo expulsos da comunidade e sendo proibidos de usar a roupa branca que é geralmente usada por adeptos do Candomblé, na área controlada por um grupo criminoso que se auto identificou como evangélico. Álvaro Malaquias Santa Rosa, conhecido como Peixão, que, de acordo com a mídia em 2020, tinha unido forças com um grupo de milícias para expandir a influência sobre um grupo de cinco favelas (assentamentos habitacionais informais) para estabelecer o que veio a ser conhecido como o “Complexo de Israel” no norte do Rio de Janeiro, continuou a evitar a prisão, apesar das operações policiais visando sua operação de tráfico de drogas. Quando criança, Peixão seguiu as práticas da umbanda de sua mãe, mas mais tarde se converteu ao cristianismo evangélico.
A mídia continuou a relatar casos de missionários cristãos evangélicos viajando para comunidades indígenas isoladas e que recentemente contataram comunidades indígenas para fazer proselitismo. Organizações indígenas disseram que estas ações violavam o direito constitucional dos povos indígenas de manter sua herança cultural e suas práticas sagradas e ameaçavam sua segurança. Em setembro, o Ministro do STF Luís Roberto Barroso reafirmou uma decisão judicial de 2020 que impediu a entrada de terceiros, incluindo membros de grupos religiosos, em áreas onde viviam povos indígenas isolados para conter a propagação do vírus COVID-19.
Um relatório de agosto publicado pela Globo utilizando dados obtidos através da Lei de Acesso à Informação mostrou que nos primeiros cinco meses do ano, a polícia federal investigou 36 casos de violações das leis do país contra o uso de símbolos para divulgar o nazismo, uma taxa que a Globo estimava ser apenas um pouco menor do que os 110 casos abertos em todo o ano de 2020. Em 2020, o maior número de casos foi aberto no sudeste do país, particularmente nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, com 27 e 23 casos, respectivamente. Os dados não incluíam os estados de Mato Grosso do Sul, Rondônia e Tocantins.
O Relatório Anual de Antissemitismo da FISESP registrou 57 ocorrências e denúncias de antissemitismo no país de janeiro a julho, em comparação com 149 ocorrências e denúncias no mesmo período de 2020. A FISESP também registrou um total de 92 ocorrências no final do ano. O relatório foi baseado em uma variedade de fontes, incluindo mídia tradicional, mídia social e relatórios de filiais da organização. A pesquisa relatou uma variedade de atividades, incluindo avistamentos de suásticas e outros grafites antissemitas, gestos antissemitas e a venda de artefatos nazistas. A FISESP atribuiu a queda nos casos registrados às dificuldades de coleta de dados durante as paralisações da pandemia de COVID-19, quando as agências locais da FISESP foram fechadas.
Do final de 2020 a maio, as células neonazistas cresceram de 349 para 530, segundo a antropóloga Adriana Magalhães Dias, da Universidade Estadual Paulista de Campinas. As células foram mais prevalentes nas regiões Sul e Sudeste, com 301 e 193 identificadas, respectivamente. Dias também mapeou células do centro-oeste (18) e nordeste (13). Segundo Dias, uma célula neonazista era um grupo de pelo menos três pessoas inspiradas pelo nazismo na Europa no século 20.
De acordo com informações da imprensa, em 12 de março, a Polícia Federal invadiu a Igreja Pentecostal Jesus Cristo Geração na cidade do Rio de Janeiro para apreender literatura e materiais antissemitas relacionados a uma transmissão de vídeo de 2020 do líder da igreja, o pastor evangélico Tupirani da Hora Lores, orando com os congregados por outro Holocausto. Ele disse: “Massacre os judeus, Deus, acerte-os com sua espada, pois eles deixaram Deus, eles deixaram a nação”. A batida policial apoiou uma investigação policial de crimes cibernéticos do pastor por incitar os praticantes a discriminar judeus por meio de seus sermões presenciais e online. Em agosto, a imprensa noticiou que, apesar da investigação policial, o pastor continuou a fazer comentários ofensivos.
Grupos neonazistas mantiveram uma presença ativa online. O Centro Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos, operado pela Safernet Brasil, registrou pelo segundo ano consecutivo um aumento nas reclamações sobre conteúdos de internet que apoiam o nazismo. Durante o ano, a Safernet Brasil afirmou ter recebido 14.476 denúncias de conteúdo neonazista online, um aumento de 60,7% em relação a 2020 e o maior número registrado desde 2010. As denúncias incluíram 894 páginas diferentes, das quais 318 foram removidas pelo TikTok, Instagram, YouTube e Twitter por causa de conteúdo definido como ilegal e pró-nazista.
Continuaram a existir relatos de entidades privadas e indivíduos incitando a violência contra ou se envolvendo em assédio verbal a minorias religiosas nas mídias sociais e na imprensa. Até agosto, a Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro relatou que tinha confirmado 10 casos de antisemitismo no Rio de Janeiro. O número de denúncias de crimes de intolerância – raciais, religiosos ou relacionados à orientação sexual ou identidade de gênero – registradas pela Ouvidoria do Departamento de Estado de São Paulo entre janeiro e julho representou um aumento de 24,5% em comparação com o mesmo período em 2020. Durante este período, foram registrados 311 relatórios, em comparação com 248 durante o mesmo período em 2020.
Em junho, o Ministério Público Federal acusou um homem na Primeira Vara Criminal Federal de São Paulo por incitamento ao nazismo em uma rede social on-line russa em 2015. As autoridades acusaram o homem, que tinha um histórico de envolvimento com grupos neonazistas, de ser responsável por uma página web contendo símbolos e fotos neonazistas referenciando Adolf Hitler, com rostos cobertos por emojis. Identificado através da cooperação policial entre o Brasil e a Rússia, o homem confessou a autoria das publicações. O Ministério Público disse que o homem seria processado por incitar discriminação e preconceito com base em raça, cor, religião ou nacionalidade e, se considerado culpado, estaria sujeito a uma multa, até cinco anos de prisão, ou ambos.
Segundo a mídia, em 7 de agosto, um indivíduo não identificado ou indivíduos espalharam panfletos antissemitas nas calçadas e ruas do bairro da Barra de Tijuca do Rio de Janeiro que declaravam: “Judeus, acumuladores impulsivos de ouro, diamantes e dólares”. A polícia civil do Rio de Janeiro disse que estava investigando o incidente como um possível crime de ódio.
Segundo informações da imprensa, em 23 de agosto, homens não identificados postaram imagens pornográficas e mensagens anti semitas on-line durante uma cerimônia judaica virtual organizada pela Associação Religiosa Israelita no Rio de Janeiro. Hackers ameaçaram os participantes postando mensagens como, “Vamos queimar todas as sinagogas” e “Morte aos judeus”. Os organizadores suspenderam o evento até que um novo link pudesse ser enviado aos participantes. A polícia do Rio de Janeiro estava investigando o caso no final do ano.
Em novembro, o jornalista José Carlos Bernardi, trabalhando para a rádio Jovem Pan, uma das maiores emissoras do país, declarou que o Brasil poderia alcançar o desenvolvimento econômico desfrutado pela Alemanha “somente atacando os judeus”. Se matarmos um gazilhão de judeus e nos apropriarmos de seu poder econômico, então o Brasil ficará rico”. Foi o que aconteceu com a Alemanha após a guerra”. O jornalista e a rede de comunicação pediram mais tarde desculpas pelas observações, após reclamações públicas.
De acordo com a FAMBRAS, as mensagens anti-muçulmanas na internet, em sua maioria associando o Islã ao terrorismo e difundindo mensagens de ódio contra representantes muçulmanos e seus símbolos religiosos, continuaram. Em março, segundo o assessor jurídico da FAMBRAS, Mohamed Charanek, o Tribunal de Justiça em Brasília ordenou a retirada da mídia social de todo material que associasse o Islã ao terrorismo postado por um grupo auto-identificado como o “Partido Conservador”, um grupo que buscava reconhecimento como partido político. O tribunal multou o grupo em 10.000 reais (1.800 dólares).
A Secretaria Nacional de Direitos Humanos do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos recebeu 581 denúncias de intolerância religiosa através da linha telefônica nacional Dial 100 Human Rights durante o ano, em comparação com 566 em 2020.
A Polícia Civil do Rio de Janeiro para Crimes Raciais e Crimes de Intolerância (DECRADI) informou ter recebido 78 denúncias de intolerância religiosa durante o ano. Segundo o Chefe da Polícia e chefe do DECRADI, as autoridades haviam indiciado nove pessoas sob a acusação de intolerância religiosa. A Secretaria de Estado dos Direitos Humanos no Rio de Janeiro relatou 51 casos de intolerância religiosa entre janeiro e julho, em comparação com 26 casos durante o mesmo período em 2020. Os grupos religiosos afro-brasileiros sofreram o maior número de ocorrências, com assédio, discriminação e destruição de templos religiosos relatados regularmente.
De acordo com a Secretaria de Igualdade Racial do Estado da Bahia, houve 19 casos de intolerância religiosa no estado entre janeiro e julho, em comparação com oito casos no período comparável em 2020.
Em 21 de janeiro, em comemoração ao Dia Nacional contra a Intolerância Religiosa, o Templo Ile Axe Abassade Ogum organizou uma homenagem à falecida Mãe de Santo, Mãe Gilda, que sofreu abusos verbais envolvendo a intolerância religiosa durante sua vida. A cerimônia aconteceu no Parque do Abaeté, em Salvador, Bahia, local de um busto do líder religioso.
A Universidade do Estado da Bahia (UNEB) organizou um evento online intitulado “Religião, (in)Tolerância e Respeito” para celebrar o dia 21 de janeiro, Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. O evento da UNEB focou no crescimento da diversidade religiosa no país e como a intolerância religiosa pode levar à discriminação e agressão quando membros de um grupo religioso não reconhecem a liberdade religiosa de outros grupos religiosos.
Seção IV. Política e Engajamento do Governo dos EUA
Durante o ano, funcionários da embaixada ajudaram os esforços do governo para combater a disseminação do ódio e ameaças de violência contra grupos religiosos, inclusive fornecendo informações que levaram ao lançamento da Operação Bergon.
Em 29 de janeiro, a embaixada organizou uma mesa redonda virtual com o governo, especialistas jurídicos e líderes inter-religiosos e religiosos sobre os instrumentos jurídicos disponíveis no país para promover a tolerância e a inclusão. Os participantes do painel incluíram um procurador federal, um professor da Universidade de Chicago, a professora Vania Maria da Silva Soares do Fórum Inter-religioso em São Paulo e Ali El Zoghbi, vice-presidente da Federação Muçulmana de Associações do Brasil em São Paulo.
No dia 8 de agosto, o Cônsul Geral em São Paulo se reuniu com representantes de organizações judaicas, entre elas CONIB, CONIB-São Paulo, Hospital Albert Einstein e o Harmony Club, clube social e cultural mantido pela comunidade judaica paulista, para discutir um maior empenho no apoio à liberdade religiosa. Em 22 de outubro, o Cônsul Geral no Rio de Janeiro visitou o Museu da República para se reunir com lideranças, ativistas, padres, promotores e legisladores afro-brasileiros envolvidos no movimento de liberdade e tolerância religiosa para as comunidades religiosas afro-brasileiras. Durante a visita, o Cônsul-Geral percorreu a exposição “Liberte Nosso Sagrado”, que incluiu mais de 500 artefatos apreendidos de comunidades religiosas afro-brasileiras durante batidas policiais entre 1890 e 1945. Em 22 de dezembro, o Cônsul-Geral em São Paulo se reuniu com o Arcebispo de São Paulo, Cardeal Odilo Scherer, para discutir o diálogo inter-religioso, o impacto da COVID-19 nos grupos religiosos e os direitos humanos no país.