Relatórios sobre práticas de direitos humanos 2020

Escritório de Democracia, Direitos Humanos e Trabalho

30 de março de 2021

Os Relatórios Anuais do País sobre Práticas de Direitos Humanos – Relatórios de Direitos Humanos – dizem respeito aos direitos individuais, civis, políticos e trabalhistas internacionalmente reconhecidos, conforme estabelecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos e outros acordos internacionais. O Departamento de Estado americano envia para o Congresso dos EUA relatórios sobre todos os países que recebem assistência e todos os estados membros das Nações Unidas de acordo com a Lei de Assistência Externa de 1961 e a Lei de Comércio de 1974.

Prefácio

Aviso: Próximo adendo

Ainda este ano, o Departamento de Estado lançará um adendo a cada relatório de país para o ano 2020, cujo conteúdo consta da subseção sobre mulheres na Seção 6, intitulada “Discriminação, Abusos na Sociedade e Tráfico de Pessoas”, trazendo uma série mais ampla de questões relativas aos direitos reprodutivos.  O adendo tratará de questões de saúde materna, como mortalidade materna, política governamental que afeta negativamente o acesso à contracepção, acesso a cuidados de saúde qualificados durante a gravidez e o parto, acesso a cuidados de de emergência na saúde e discriminação contra mulheres no acesso a cuidados de saúde sexual e reprodutiva, inclusive para doenças sexualmente transmissíveis.  Esses tópicos foram incluídos em Relatórios de País anteriores sobre Práticas de Direitos Humanos e serão incluídos novamente nos próximos anos.

Tenho a honra de divulgar o 45º Relatório Anual de Países sobre Práticas de Direitos Humanos e reafirmar o compromisso dos Estados Unidos em colocar os direitos humanos no âmago de nossa política externa.  A causa dos direitos humanos, liberdade e dignidade é significativa para os americanos.  Como o presidente Biden enfatizou, “Devemos começar com a diplomacia enraizada nos valores democráticos mais acalentados da América: defesa da liberdade, promoção de oportunidades, defesa dos direitos universais, respeito ao Estado de Direito e tratamento de todas as pessoas com dignidade”.  Transparência e responsabilidade são parte integrante deste processo.  Ao documentar a situação dos direitos humanos em todo o mundo a cada ano, os Departamento de Estado americano disponibiliza informações objetivas e abrangentes ao Congresso, à sociedade civil, à academia, a ativistas e pessoas em geral – todos os quais têm papéis a desempenhar na promoção dos direitos humanos e responsabilidade por abusos e violações de direitos.

O relatório de 2020 reflete os desafios únicos que as nações tiveram que enfrentar à medida que o vírus da COVID-19 se espalhava pelo mundo.  A pandemia afetou não apenas a saúde das pessoas, mas também sua capacidade de desfrutar com segurança de seus direitos humanos e liberdades fundamentais.  Alguns governos usaram a crise como pretexto para restringir direitos e consolidar regimes autoritários.  Outros governos confiaram em valores e processos democráticos, inclusive na liberdade de imprensa, transparência e responsabilidade, para informar e proteger seus cidadãos.  Mulheres e crianças enfrentaram risco elevado à medida que a prevalência de violência doméstica e de gênero aumentou devido aos bloqueios e à perda de proteções sociais tradicionais.  Outras populações marginalizadas, entre elas as pessoas idosas, pessoas com deficiência e pessoas LGBTQI +, experimentaram especial vulnerabilidade.

Os direitos humanos são interdependentes e a privação de um direito pode causar o desgaste do tecido mais amplo de uma sociedade.  Apesar dos riscos potenciais para sua saúde ou ameaças de prisão ou outras repercussões, as pessoas em todo o mundo exigiram que os governos respeitassem seus direitos humanos e sua dignidade inerente.  De Hong Kong à Bielo-Rússia, da Nigéria à Venezuela, as pessoas se reuniam nas ruas.  Eles pediram a proteção governamental de seus direitos humanos e liberdades fundamentais, salvaguardas para eleições livres e justas e o fim da discriminação.

Muitas pessoas continuaram sofrendo sob condições brutais em 2020. Na China, as autoridades governamentais cometeram genocídio contra uigures, que são predominantemente muçulmanos, além de crimes contra a humanidade, inclusive prisão, tortura, esterilização forçada e perseguição contra uigures e membros de outros grupos religiosos e étnicos minoritários. As atrocidades de Assad contra o povo da Síria não cessaram e este ano faz uma década de sua luta para viver com dignidade e liberdade. A guerra no Iêmen levou milhões de pessoas a necessidades humanitárias extremas, impedindo-os de exercer muitos de seus direitos básicos.  O governo russo tem como alvo dissidentes políticos e manifestantes pacíficos, enquanto a corrupção oficial continua crescente. A corrupção de Nicolás Maduro acentuou a terrível crise humanitária do povo venezuelano.

Na Nicarágua, o regime corrupto de Ortega aprovou leis cada vez mais repressivas que limitam severamente a capacidade de operação dos grupos políticos de oposição, da sociedade civil e da mídia independente.  Enquanto isso, em Cuba, as restrições governamentais continuaram a suprimir as liberdades de expressão, associação, religião ou crença e movimento.  A violência sancionada pelo Estado no Zimbábue contra ativistas da sociedade civil, líderes trabalhistas e membros da oposição perpetuou a cultura de impunidade, e as pessoas LGBTQI + continuaram vulneráveis à violência, discriminação e assédio devido à criminalização e estigma associados à conduta sexual do mesmo sexo. No Turcomenistão, os cidadãos que criticavam o governo enfrentaram uma possível prisão por traição, e o paradeiro de mais de 100 prisioneiros políticos permanece desconhecido.

Esses e outros abusos contínuos de direitos causam danos incalculáveis para muito além das fronteiras de qualquer país; Abusos não controlados dos direitos humanos em qualquer lugar podem contribuir para uma sensação de impunidade em todos os lugares. É exatamente por isso que este governo colocou os direitos humanos como prioridade e no centro de sua política externa. Reconhecendo que há um dever de casa, também estamos nos esforçando para viver de acordo com nossos mais elevados ideais e princípios e estamos comprometidos em trabalhar por uma sociedade mais justa e honesta nos Estados Unidos. Todos temos trabalho a fazer e devemos usar todas as ferramentas disponíveis para promover um mundo mais pacífico e justo.

Antony J. Blinken
Secretário de Estado

PANORAMA E RECONHECIMENTOS: PREPARAÇÃO DO RELATÓRIO DE PAÍS

Este relatório é enviado ao Congresso pelo Departamento de Estado de acordo com as Seções 116 (d) e 502B (b) da Lei de Assistência Externa de 1961. A 19 U.S.C. § 2464, 2467 também exige que a política externa e comercial dos EUA leve em consideração os direitos humanos dos países e o desempenho dos direitos do trabalhador e que os relatórios dos países sejam enviados ao Congresso anualmente.

Este relatório inclui documentos sobre vários países que não se enquadram nas categorias estabelecidas por esses estatutos e, portanto, não são cobertos pela exigência do Congresso.

O relatório aborda situações e eventos no ano calendário de 2020 apenas.

O Departamento de Estado preparou este relatório usando informações de embaixadas e consulados dos EUA no exterior, funcionários de governos estrangeiros, organizações não governamentais e internacionais, juristas e especialistas jurídicos, jornalistas, acadêmicos, ativistas trabalhistas e relatórios publicados.  As missões diplomáticas dos EUA no exterior prepararam os esboços iniciais dos relatórios de cada país.

Assim que os rascunhos iniciais dos relatórios de cada país foram concluídos pelas missões dos EUA no exterior, o Escritório de Democracia, Direitos Humanos e Trabalho (DRL), em cooperação com outros escritórios do Departamento de Estado com o país em questão e experiência regional, revisou e editou o relatórios, valendo-se de suas próprias fontes de informação, bem como do Ministério do Trabalho. Os oficiais do Escritório também consultaram especialistas no Departamento de Estado e em outros lugares sobre direitos trabalhistas, questões de refugiados, questões policiais e de segurança, questões femininas e questões jurídicas, entre muitos outras.  Os princípios orientadores eram que todas as informações fossem relatadas de forma objetiva, completa e justa.  O DRL, trabalhando com outros escritórios do Departamento conforme o caso, também garantiu que todos os relatórios seguissem a mesma metodologia e se conformassem com a estrutura padrão.

AVISO: O Departamento de Estado lançará um adendo a este relatório em meados de 2021, cujo conteúdo consta da subseção sobre mulheres na Seção 6 que traz uma gama mais ampla de questões relativas aos direitos reprodutivos.

O Brasil é uma república constitucional multipartidária com governo eleito democraticamente. Em 2018, houve eleições para presidente, vice-presidente e a legislatura nacional bicameral em que observadores internacionais relataram ter sido um processo livre e justo.

As três polícias nacionais – Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Ferroviária Federal – têm responsabilidades dentro da segurança pública e estão subordinadas ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. As polícias estaduais têm duas unidades distintas: a Polícia Civil, que exerce a função investigativa, e a Polícia Militar, encarregada de manter a lei e a ordem nos estados e no Distrito Federal. Apesar do nome, as polícias militares não estão subordinadas ao Ministério da Defesa. As forças armadas também têm algumas responsabilidades de segurança pública e estão subordinadas ao Ministério da Defesa. Houve casos em que as autoridades civis não mantiveram o controle efetivo sobre as forças de segurança. Membros das forças de segurança cometeram vários abusos.

Entre as questões significativas de direitos humanos estão: relatos de execuções ilegais ou arbitrários cometidos pela polícia; condições carcerárias severas que ameaçam a vida em algumas situações; prisão ou detenção arbitrária; violência contra jornalistas; atos generalizados de corrupção por parte de servidores; falta de investigação e responsabilização em casos de violência contra a mulher; violência ou ameaças de violência motivadas por antissemitismo; crimes com violência ou ameaças de violência contra minorias raciais, direitos humanos e ativistas ambientais, povos indígenas e outras populações tradicionais e pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros ou intersexo.

O governo abriu processos contra servidores que cometeram abusos; no entanto, a impunidade e a falta de responsabilização das forças de segurança eram um problema e processos judiciais ineficientes por vezes atrasavam a justiça tanto para os réus quanto para as vítimas.

A. PRIVAÇÃO ARBITRÁRIA DA VIDA E OUTRAS EXECUÇÕES ILEGAIS OU POR MOTIVAÇÕES POLÍTICAS

Houve vários relatos de que a polícia estadual cometeu execuções ilegais. Em alguns casos, a polícia empregou força indiscriminadamente. A organização não-governamental (ONG) Fórum Brasileiro de Segurança Pública informou que a polícia matou 5.804 civis em 2019, quando comparado a 6.160 civis em 2018. O Estado do Rio de Janeiro foi responsável por 30% do total nacional, apesar de representar apenas 8% da população. Entre os mortos estão suspeitos de crimes, civis e traficantes de drogas que se envolveram em atos de violência contra a polícia. Dessa forma, a extensão das mortes ilegais pela polícia foi difícil de determinar. O Ministério Público Federal apura se as execuções por forças de segurança são justificáveis e se levam a processos judiciais.

Na cidade do Rio de Janeiro, a maior parte das mortes ocorreu enquanto a polícia realizava operações contra quadrilhas de traficantes de drogas em mais de 1.000 comunidades, onde moravam cerca de 1,3 milhão de pessoas. ONGs no Rio de Janeiro questionaram se todas as vítimas de fato resistiram à prisão, conforme relato da polícia, e alegaram que a polícia muitas vezes empregava força desnecessária.

Em 18 de maio, João Pedro Matos Pinto, de 14 anos, buscou abrigo em sua casa no município de São Gonçalo, no estado do Rio de Janeiro, enquanto um helicóptero da polícia sobrevoava o bairro em que morava, Salgueiro, para capturar um suspeito. De acordo com o laudo da autópsia e depoimentos de testemunhas, a polícia invadiu a casa de João Pedro e atirou em suas costas dezenas de vezes. Durante a operação conjunta da Unidade de Recursos Especiais da Polícia Federal e da Polícia Civil, autoridades disseram ter confundido o adolescente com o suspeito. O Ministério Público Federal abriu inquérito civil público para apurar a participação de agentes federais no caso. Além da Delegacia de Homicídios e Corregedoria da Polícia Civil, os ministérios públicos estadual e federal também investigavam o caso. Até agosto, nenhuma pessoa havia sido indiciada ou presa.

O número de mortes decorrentes de operações da polícia militar e civil no estado de São Paulo de janeiro a abril cresceu 31%, quando comparado com o mesmo período de 2019. Os números para o quadrimestre trazem um aumento nas mortes em abril, com policiais militares e civis somando 119 mortes por policiais no estado, um aumento de 53% em relação a abril de 2019. De acordo com o governo do estado de São Paulo, a Polícia Militar registrou 218 mortes em operações nas ruas, de janeiro a abril.

Em Santa Catarina, nos primeiros seis meses do ano, a polícia matava uma pessoa a cada três dias. Após o início das medidas de distanciamento social em virtude da pandemia, em 16 de março, a letalidade das intervenções da Polícia Militar aumentou 85%, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública de Santa Catarina. As famílias das vítimas contestaram relatos policiais de autodefesa, alegando execuções extrajudiciais e alterações policiais nas cenas do crime para coincidir com sua história.

No estado do Rio Grande do Sul, em junho, o angolano Gilberto Almeida foi para a casa da amiga Dorildes Laurindo em Cachoeirinha, bairro de Porto Alegre. Almeida e Laurindo pediram carona por meio de um aplicativo de compartilhamento de caronas. Sem que soubessem, o motorista era um fugitivo com histórico de tráfico de drogas. Houve perseguição policial enquanto Almeida e Laurindo eram passageiros. O motorista parou o carro, fugiu e foi preso. Policiais do 17º Batalhão da Polícia Militar do Rio Grande do Sul em Gravataí dispararam 35 vezes, atingindo Almeida e Laurindo várias vezes quando saíram do carro. Ambos foram levados para o hospital, mas Laurindo não resistiu aos ferimentos. Ao receber alta do hospital, Almeida foi encaminhado para a Delegacia de Gravataí e depois para a Penitenciária Estadual de Canoas por 12 dias antes de ser liberado por ordem judicial.

A partir de agosto, o Ministério Público do Rio de Janeiro continuou investigando o caso de uma operação em 2019 por duas unidades da Polícia Militar – BOPE e Batalhão de Repressão a Conflitos (CHOQUE) – no bairro de Santa Teresa, na cidade do Rio de Janeiro. A operação levou à morte de 15 pessoas. A Polícia Militar deu a informação de que todas as vítimas eram criminosos; no entanto, organizações de direitos humanos alegaram que as vítimas não ofereceram resistência e que muitas foram baleadas pelas costas. Uma investigação da Polícia Militar do Rio de Janeiro concluiu que as evidências eram insuficientes para provar que algum crime houvesse sido cometido. Em novembro de 2019, a Divisão de Homicídios da Polícia Civil recomendou que o caso fosse encerrado e nenhum dos policiais investigados fosse responsabilizado pelas mortes.

De acordo com algumas organizações da sociedade civil, as vítimas da violência policial em todo o país eram, em sua maior parte, homens jovens afro-brasileiros. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública informou que quase 75% das pessoas mortas pela polícia em 2019 eram negras. Até agosto não havia data de julgamento para os soldados do Exército do 1º Batalhão de Infantaria Motorizado de Deodoro (bairro localizado na zona oeste do Rio de Janeiro), que mataram o músico negro Evaldo Rosa dos Santos e feriram dois outros em abril de 2019. Nove dos acusados foram liberados sob fiança em maio de 2019. De acordo com um levantamento de casos entre 2015 e 2017 no Tribunal Superior Militar envolvendo militares, 70% foram demitidos ou não resultaram em punição.

Foram comuns os ataques verbais e físicos a políticos eleitos e candidatos. Uma pesquisa das ONGs Terra de Direitos e Justiça Global apurou 327 casos de violência política, entre os quais homicídios, ameaças, violência física e prisões de políticos ou candidatos entre 2016 e setembro de 2020. A maior parte da violência – 92% – teve como alvo políticos e candidatos a cargos municipais. A partir de 1º de setembro, pelo menos dois candidatos ou vereadores em exercício, prefeitos ou vice-prefeitos eleitos, foram mortos a cada mês do ano. Em 63% dos casos, as autoridades não identificaram nenhum suspeito. Em setembro, a deputada federal Talíria Petrone apelou às Nações Unidas por proteção contra várias ameaças de morte que recebeu, dizendo que o Estado do Rio de Janeiro e o governo federal não ofereciam proteções adequadas.

De acordo com a pesquisa citada, até 1º de setembro, um total de 27 políticos e candidatos foram mortos ou agredidos, e um recorde de 32 mortes de políticos e candidatos em 2019. Somente no Estado do Rio de Janeiro, nove políticos em exercício e ex-políticos foram mortos em 2019. Em março, a polícia prendeu dois ex-policiais, Ronnie Lessa e Elcio Vieira de Queiroz, com ligação ao homicídio ocorrido 2018 de uma vereadora negra e gay, do Rio de Janeiro e ativista dos direitos humanos, Marielle Franco, e seu motorista. Um julgamento preliminar começou em junho de 2019 na Quarta Vara Criminal do Rio de Janeiro. Até agosto, a polícia não identificou quem encomendou o crime e nenhuma data para o julgamento foi marcada para os dois acusados.

A ONG Global Witness relatou que 23 ativistas sociais, de direitos humanos e ambientais foram mortos em 2019, levando-a a classificar o país como “extremamente letal” para ativistas. Em março, a imprensa noticiou que policiais do 9º Batalhão da Polícia Militar de Uberlândia, Minas Gerais, mataram o ativista de direitos humanos e direitos à terra Daniquel Oliveira com um tiro na nuca. Oliveira foi um líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Segundo a polícia, Oliveira atirou nos policiais, que responderam com tiros para se defender. De acordo com outros ativistas do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, Oliveira estava desarmado. A polícia iniciou uma investigação interna e o Ministério Público de Minas Gerais entrevistou testemunhas sobre o assassinato.

B. DESAPARECIMENTO

Não houve relatos de desaparecimentos por ou em nome de autoridades governamentais.

C. TORTURA E OUTROS TRATAMENTOS OU PUNIÇÕES CRUÉIS, DESUMANOS OU DEGRADANTES

A constituição proíbe a tortura e o tratamento desumano ou degradante, mas houve relatos de que servidores do governo às vezes empregaram tais práticas. A lei prevê que tribunais especiais de polícia exerçam jurisdição sobre a polícia militar estadual, exceto réus por “crimes dolosos contra a vida”, principalmente homicídios. A impunidade para as forças de segurança era um problema. Os policiais muitas vezes eram responsáveis pela investigação de acusações de tortura e uso excessivo de força praticadas por outros policiais. Atrasos nos tribunais especiais da Polícia Militar permitiram que muitos casos prescrevessem.

De acordo com o Conselho Nacional do Ministério Público, em 2019 houve 2.676 casos de guardas e outro pessoal infligindo danos corporais a presos, quando comparado com 3.261 casos em 2018.

Em maio, moradores da Comunidade do Acari, na cidade do Rio de Janeiro, relataram que Iago Cesar dos Reis Gonzaga foi torturado e morto durante uma operação liderada pelo CHOQUE e pelo BOPE. A família da vítima corroborou o relato dos moradores, dizendo que policiais não identificados torturaram, sequestraram e mataram Iago. A 39ª Delegacia de Polícia de Pavuna estava investigando o caso.

No dia 12 de julho, uma emissora de televisão transmitiu por celular a gravação de um policial do 50º Batalhão da Polícia Militar Metropolitana de São Paulo segurando uma mulher negra no chão, pisando em seu pescoço. O vídeo foi feito em maio em São Paulo durante uma chamada para resolução de perturbação pública. A mulher sofreu fratura na perna durante o incidente, e os dois policiais envolvidos foram suspensos do serviço e estavam sob investigação por má conduta. O policial que prendeu a mulher contra o chão foi indiciado por abuso de autoridade.

Houve relatos de abuso sexual cometido pela polícia. Segundo a agência de notícias Globo, em agosto, câmeras de segurança mostraram um policial militar do Estado do Rio de Janeiro dentro do prédio da vítima que o acusava de estupro. A vítima relatou que o policial estivera no prédio uma semana antes do incidente, respondendo a uma chamada de perturbação doméstica. O policial voltou ao prédio dela, identificando-se para o porteiro como aquele que havia atendido a ligação anterior e dizendo que precisava falar com a vítima. Os porteiros permitiram que ele entrasse no prédio e, segundo a vítima, o policial entrou em seu apartamento e a estuprou. A polícia militar estadual estava investigando o caso. O policial foi suspenso das tarefas de campo.

Em janeiro, um tribunal militar liberou temporariamente os dois policiais militares dos 37º e 40º Batalhões da Polícia Militar Metropolitana de São Paulo suspeitos de estuprar uma mulher em Praia Grande, São Paulo, em junho de 2019. Até 10 de agosto, nenhuma sentença havia sido dada. Os dois oficiais não foram autorizados a retomar as funções em campo.

Em março, o Ministério Público Militar abriu uma investigação sobre as acusações de tortura contra oficiais militares federais da Primeira Divisão do Exército da Vila Militar, mas até agosto nenhum oficial havia sido acusado. Em 2018, a imprensa noticiou que os policiais torturaram 10 homens residentes no Rio de Janeiro. Em março, todos os 10 homens foram libertados após um ano e quatro meses de detenção.

Em julho, quatro policiais militares do Batalhão da Polícia Militar de Itajaí foram condenados por tortura e receberam penas que variam de três a 10 anos, em uma operação realizada em 2011 em Itajaí, Santa Catarina. Os agentes entraram em uma residência para investigar uma denúncia de tráfico de drogas e atacaram três suspeitos – dois homens e uma mulher – com socos, chutes e tiros de arma de choque elétrico. O relatório final indicou que os policiais dispararam 33 tiros contra os três suspeitos e três outras pessoas, inclusive duas crianças.

A impunidade para as forças de segurança era um problema. Os policiais muitas vezes eram responsáveis pela investigação de acusações de tortura e uso excessivo de força praticadas por outros policiais. Atrasos nos tribunais especiais da Polícia Militar permitiram que muitos casos prescrevessem. As ONGs locais, no entanto, argumentaram que a corrupção dentro do judiciário, especialmente nos níveis local e estadual, era uma preocupação e alegaram que a impunidade para crimes cometidos pelas forças de segurança era comum. De acordo com um levantamento de casos entre 2015 e 2017 no Tribunal Superior Militar envolvendo militares, 70% foram demitidos ou não resultaram em punição. No entanto, houve um aumento de 26% nas prisões de policiais militares no estado de São Paulo entre janeiro e maio, quando comparado com o mesmo período de 2019. A maior parte das 86 prisões durante o ano foi por homicídio, corrupção, tráfico de drogas e agressão.

CONDIÇÕES DE PENITENCIÁRIAS E CENTROS DE DETENÇÃO

As condições em muitas prisões eram ruins e, às vezes, representando ameaça à vida, principalmente devido à superlotação. Os abusos por parte dos agentes penitenciários continuaram e as más condições de trabalho e os baixos salários dos agentes penitenciários encorajaram a corrupção.

Condições físicas: De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional, em dezembro de 2019, a taxa média geral de ocupação nas prisões era de 170% da capacidade projetada. A região norte do país registrou a pior superlotação, com três vezes mais presos do que a capacidade pretendida. O sul do estado do Paraná relatou menos 12.500 vagas para presidiários em unidades prisionais e centros provisórios na área metropolitana de Curitiba, como resultado de um aumento de 334% no número de prisões nos primeiros quatro meses do ano. Grande parte da superlotação deveu-se à prisão de presos provisórios. Uma pesquisa de fevereiro do portal de notícias G1 mostrou que 31% dos detidos estavam detidos sem condenação, uma queda de 36% em 2019.

Um relatório de junho da ONG Mecanismo de Prevenção da Tortura destacou que as prisões em todos os 26 estados e no Distrito Federal enfrentavam superlotação e escassez de água (algumas instalações tinham água disponível apenas durante duas horas por dia), produtos de higiene pessoal e atendimento médico adequado. As populações carcerárias sofreram surtos frequentes de doenças como tuberculose e sofreram altas taxas de doenças sexualmente transmissíveis, como sífilis e HIV. Cartas de detentos enviadas à Pastoral Carceraria, ONG de vigilância penitenciária ligada à Igreja Católica, denunciavam a falta de garantia de direitos como educação, recreação e contato com familiares e advogados devido às restrições da COVID-19 impostas pelas autoridades penitenciárias.

Continuaram os relatos de abusos cometidos por guardas prisionais. Em março de 2019, o jornal Folha de S. Paulo informou que a Ouvidoria da Secretaria da Administração Penitenciária de São Paulo recebeu 73 denúncias de tortura em estabelecimentos correcionais do estado de São Paulo nos primeiros dois meses de 2019, das quais 66 estavam relacionadas a Centro de Detenção Provisória de Osasco, na região metropolitana de São Paulo. Os relatórios mencionaram longos castigos em celas isoladas, falta de acesso a cuidados de saúde e tortura psicológica. O centro estava operando 50% além da capacidade projetada.

A polícia prendeu uma pessoa em Fortaleza, Estado do Ceará, que seria supostamente responsável pelos motins na penitenciária de janeiro de 2019 que resultaram na autorização do Ministério da Justiça para a entrada de um grupo de intervenção federal nas prisões do estado. O Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura investigou denúncias de abuso e relatou em outubro de 2019 que os agentes penitenciários sistematicamente quebraram os dedos dos presos como forma de imobilizá-los. O Departamento Penitenciário Nacional negou as descobertas de tortura, afirmando que presos foram feridos nos motins violentos e receberam tratamento médico.

As condições gerais das prisões eram ruins. Havia falta de água potável, nutrição inadequada, contaminação de alimentos, infestações de ratos e baratas, celas úmidas e escuras, falta de roupas e artigos de higiene e saneamento básico. De acordo com um relatório de março do Ministério da Saúde, os presos tinham 35 vezes mais probabilidade de contrair tuberculose, quando comparado com o público em geral. Uma ONG, o Mecanismo de Prevenção da Tortura do Rio de Janeiro, afirmou que presidiários feridos não receberam medicamentos e tratamento médico adequado.

Os presos condenados por crimes menores frequentemente eram mantidos com assassinos e outros criminosos violentos. As autoridades tentaram manter os presos preventivos separadamente dos com sentença transitada em julgado, mas a falta de espaço muitas vezes exigia a colocação de criminosos condenados em instalações de detenção preventiva. Em muitas prisões, inclusive as do Distrito Federal, as autoridades tentaram separar os infratores violentos de outros presos e manter os traficantes de drogas condenados em uma ala separada do resto da população carcerária. Várias fontes relataram que adolescentes foram mantidos juntamente com adultos em condições precárias e em lotação.

As prisões tinham pessoal insuficiente e falta de controle sobre os presos. A violência era excessiva nas instalações prisionais. De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional, 188 presos foram mortos enquanto estavam sob custódia em 2019. Além da má administração do sistema prisional, a superlotação, a presença de quadrilhas e a corrupção contribuíram para a violência. Reportagens da imprensa indicaram que líderes encarcerados de grandes gangues criminosas continuaram a controlar suas empresas criminosas transnacionais em expansão de dentro das prisões.

Motins na prisão eram ocorrências comuns. Em abril, cerca de 100 menores protestaram no centro de detenção juvenil Dom Bosco na Ilha do Governador, cidade do Rio de Janeiro, depois que as autoridades suspenderam as visitas de familiares devido à pandemia COVID-19. Os presos colocaram fogo em colchões, quebraram portas e feriram dois guardas.

Administração: Ouvidorias estaduais; Conselho Nacional de Justiça; Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos; e Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça monitorou as condições das penitenciárias e dos centros de detenção e conduziu investigações de alegações efetivas de maus tratos.

Devido à COVID-19, as penitenciárias do Estado de São Paulo implementaram políticas restritivas de visitação. A partir de março, as visitas a presidiários de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul foram suspensas. Em abril, Santa Catarina implantou as visitas virtuais. No Rio Grande do Sul, quase 3.000 presidiários pertencentes a grupos de alto risco para COVID-19 foram dispensados da detenção para prisão domiciliar e monitoramento eletrônico.

Monitoramento Independente: O governo permitiu o monitoramento por observadores não governamentais independentes. Presos e detidos tiveram acesso a visitantes; entretanto, observadores de direitos humanos relataram que alguns visitantes reclamaram de procedimentos de triagem que às vezes incluíam exames físicos invasivos e pouco higiênicos.

Melhorias: As autoridades penitenciárias do Estado do Ceará tomaram medidas para reduzir a superlotação construindo novas prisões, inclusive uma prisão de segurança máxima inaugurada em fevereiro, reformando as prisões existentes para acomodar mais 5.000 presos e maximizando o uso de programas de liberdade condicional. O estado proibiu telefones celulares e televisores nas prisões, aumentou o uso de videoconferências para que os presos tivessem acesso a advogados e proporcionou maior acesso a cursos educacionais.

Em outubro, uma nova lei estabeleceu a política do Estado de Santa Catarina para a reabilitação de ex-presidiários. A lei garante o apoio e promove a inclusão social de ex-presidiários, auxilia na inserção no mercado de trabalho, desenvolve programas de educação e qualificação profissional e incentiva empresas que gerem empregos para essa população vulnerável.

D. PRISÃO OU DETENÇÃO ARBITRÁRIA

A constituição proíbe a prisão e detenção arbitrárias e limita as prisões para se darem em flagrante ou por ordem judicial; no entanto, a polícia às vezes não respeitou essa proibição. A lei prevê o direito de qualquer pessoa de contestar a legalidade de sua prisão ou detenção em tribunal. O governo em geral observou esta disposição.

PROCEDIMENTOS DE PRISÃO E TRATAMENTO DE DETENTOS

Os funcionários devem informar as pessoas sobre seus direitos no momento da prisão ou antes de levá-las sob custódia para interrogatório. A lei proíbe o uso da força durante uma prisão, a menos que o suspeito tente escapar ou resista à prisão. De acordo com observadores de direitos humanos, alguns detidos reclamaram de abusos físicos enquanto eram levados à custódia policial.

As autoridades em geral respeitaram o direito constitucional a uma determinação judicial imediata da legalidade da detenção. A lei permite a prisão provisória por até cinco dias em condições específicas durante uma investigação, mas o juiz pode prorrogar esse período. O juiz também pode ordenar a prisão temporária por mais cinco dias para processamento. A prisão preventiva por um período inicial de 15 dias é permitida se a polícia suspeitar que um suspeito pode fugir. Os réus presos em flagrante devem ser indiciados no prazo de 30 dias após a prisão. Os demais réus devem ser indiciados em até 45 dias, embora esse prazo possa ser prorrogado. Em casos envolvendo crimes hediondos, tortura, tráfico de drogas e terrorismo, a prisão preventiva pode durar 30 dias, com a opção de se estender por mais 30 dias. Frequentemente, o período de acusação dos réus teve que ser estendido devido ao acúmulo de processos nos tribunais. A lei não prevê um período máximo de prisão preventiva, que é decidida caso a caso. Havia fiança para a maior parte dos crimes e os réus que enfrentam acusações de todos os crimes, exceto os mais graves, têm direito a uma audiência de fiança. As autoridades prisionais geralmente permitiam que os detidos tivessem acesso imediato a um advogado. Os detidos indigentes têm direito a um defensor fornecido pelo Estado. Os detidos tiveram acesso imediato a seus familiares. Se os detidos forem condenados, o tempo de detenção antes do julgamento é subtraído de suas sentenças.

Prisão arbitrária: Em 2 de setembro, policiais civis da 76ª Delegacia do Rio de Janeiro prenderam Luiz Carlos da Costa Justino por furto de veículo em 2017. Segundo a polícia, a vítima do furto identificou Justino a partir de uma coletânea de fotos na delegacia. Segundo veículos jornalísticos, Justino, que era adolescente na época do furto, não tinha antecedentes criminais e, portanto, a polícia não deveria ter acesso a nenhuma fotografia dele. Evidências em vídeo mostraram que, no momento do crime, Justino, músico afro-brasileiro da Orquestra de Cordas da Grota, em Niterói, se apresentava em um evento em uma padaria localizada a 6,5 quilômetros do local do crime. Justino foi libertado após cinco dias. Em outubro, o Ministério Público do Rio de Janeiro estava analisando a petição de Justino para revogar a prisão.

Prisão preventiva: De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça, 30% dos presos em todo o país estavam em prisão preventiva. Um estudo conduzido pelo Departamento Penitenciário Nacional em 2018 descobriu que mais da metade dos presos preventivos em 17 estados foram mantidos em prisão preventiva por mais de 90 dias. O estudo constatou que 100% dos presos provisórios no estado de Sergipe, 91% no estado de Alagoas, 84% no estado do Paraná e 74% no estado do Amazonas estavam detidos há mais de 90 dias.

E. RECUSA DE JULGAMENTO PÚBLICO JUSTO

A constituição prevê um judiciário independente e o governo geralmente respeita a independência judicial e a imparcialidade. As ONGs locais, no entanto, argumentaram que a corrupção dentro do judiciário, especialmente nos níveis local e estadual, era uma preocupação e alegaram que a impunidade para crimes cometidos pelas forças de segurança era comum.

PROCESSO DE JULGAMENTO

A constituição prevê o direito a um julgamento justo e público, e um judiciário independente geralmente faz cumprir esse direito, embora as ONGs relatem que em algumas regiões rurais – especialmente em casos envolvendo ativistas pelos direitos da terra – policiais, promotores e o judiciário foram percebidos como mais suscetíveis a influências externas, inclusive medo de represálias. Investigações, processos e julgamentos nesses casos estavam atrasados.

Depois de uma prisão, um juiz analisa o caso, determina se deve prosseguir e atribui o caso a um promotor estadual, que decide se fará a acusação. Os júris ouvem casos envolvendo crimes hediondos; os juízes julgam os acusados de crimes menores. Os réus gozam da presunção de inocência e têm o direito de estar presentes em seu julgamento, de serem prontamente informados das acusações, de não serem obrigados a depor ou confessar sua culpa, de confrontar e questionar testemunhas adversas, de apresentar suas próprias testemunhas e provas, e para apelar de veredictos. Em geral, os réus tiveram tempo e instalações adequadas para preparar a defesa, mas não têm direito à assistência gratuita de um intérprete.

Embora a lei exija que os julgamentos sejam realizados dentro de um prazo determinado, havia milhões de casos em atraso nos tribunais estaduais, federais e de apelação, e os casos geralmente demoravam muitos anos para serem concluídos. Para reduzir o passivo jurídico, os tribunais estaduais e federais frequentemente descartavam casos antigos sem audiência. Embora a lei preveja o direito a um advogado, o Ministério da Segurança Pública declarou que muitos presos não podiam pagar um advogado. O tribunal deve fornecer um defensor público ou advogado particular com despesas públicas nesses casos, mas os déficits de pessoal persistiram em todos os estados.

PRESOS POLÍTICOS E DETIDOS

Não houve relatos de presos ou detidos políticos.

PROCEDIMENTOS E RECURSOS JUDICIAIS CIVIS

Os cidadãos podem entrar com ações judiciais perante os tribunais por violações de direitos humanos. Embora o sistema de justiça preveja um judiciário civil independente, os tribunais estão sobrecarregados com acúmulo de processos e, às vezes, sujeitos à corrupção, influência política e intimidação indireta. Casos que envolvam violações dos direitos humanos de uma pessoa podem ser apresentados por meio de petições de indivíduos ou organizações à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que por sua vez pode submeter o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos.

RESTITUIÇÃO DE IMÓVEIS

O governo não tem leis ou mecanismos e ONGs e grupos de defesa relataram que o governo não fez progresso na resolução das reivindicações em virtude do Holocausto, inclusive para cidadãos estrangeiros. O Brasil endossou a Declaração de Terezín em 2009 e as Diretrizes e Boas Práticas em 2010. Pessoas no governo federal, a missão diplomática israelense no Brasil, organizações da sociedade civil e sinagogas desconheciam quaisquer leis que codificassem a devolução de propriedades da época do Holocausto às vítimas. Representantes da União Brasileiro-Israelita do Bem Estar Social (UNIBES), uma organização sem fins lucrativos que funciona em São Paulo há mais de 95 anos, trabalharam com sobreviventes baseados no país em busca de reivindicações, mas geralmente essas reivindicações eram feitas de forma privada, sem defesa ou assistência governamental. Representantes da UNIBES disseram que a assistência governamental era principalmente de natureza consular, fornecida aos sobreviventes que buscavam reivindicações enquanto estavam na Europa.

Para obter mais informações, o relatório da Lei do Departamento de Estado para Sobreviventes Não Compensados (JUST) ao Congresso, divulgado publicamente em 29 de julho, está disponível em https://www.state.gov/reports/just-act-report-to-congress/.

F. INTERFERÊNCIA ARBITRÁRIA OU ILEGAL DA PRIVACIDADE, FAMÍLIA, DOMICÍLIO OU CORRESPONDÊNCIA

Embora a lei e a constituição vedem as buscas sem mandado, ONGs relataram que a polícia ocasionalmente conduzia buscas sem mandado. Grupos de direitos humanos, outras ONGs e imprensa relataram incidentes de buscas policiais excessivas em bairros pobres. Durante essas operações, a polícia parou e interrogou pessoas e revistou carros e residências sem mandado.

A Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça (SEOPI) forneceu informações sobre indivíduos identificados como antifascistas a outras agências de repressão. A imprensa vazou um dossiê da SEOPI com nomes, fotografias e atividades nas redes sociais de pelo menos 579 pessoas em todo o país, inclusive policiais, professores universitários e ex-secretários de segurança pública e direitos humanos. Em 3 de agosto, o Ministro da Justiça demitiu o chefe da SEOPI e deu início a uma investigação interna sobre o assunto. Em 20 de agosto, o Supremo Tribunal Federal determinou que o monitoramento havia sido ilegal.

Em outubro, o presidente assinou um decreto obrigando todos os órgãos federais a compartilhar a maior parte dos dados que possuem sobre os cidadãos, de registros de saúde a informações biométricas, e consolidá-los em um único banco de dados. As autoridades argumentaram que isso consolidaria as informações e facilitaria o acesso dos cidadãos aos serviços do governo. Não houve debate ou consultas públicas antes da assinatura do decreto, e os críticos alertaram que a concentração de dados poderia ser usada para violar a privacidade pessoal e outras liberdades civis. O banco de dados deveria incluir informações biográficas, informações de saúde e dados biométricos, como perfis faciais, voz, varreduras de íris e retina e impressões digitais e de palma da mão.

A. LIBERDADE DE EXPRESSÃO, INCLUSIVE DE IMPRENSA

A constituição e a lei preveem a liberdade de expressão, inclusive de imprensa, mas o governo nem sempre respeitou esse direito.

Violência e assédio: Os jornalistas às vezes eram mortos ou sujeitos a assédio, ataques físicos e ameaças em virtude de suas reportagens. Em maio, o jornalista Leonardo Pinheiro foi assassinado durante uma entrevista em Araruama, no Estado do Rio de Janeiro. Até outubro, as autoridades não haviam identificado nenhum suspeito ou motivo.

Como nos anos anteriores, as agressões físicas mais graves foram relatadas em relação à reportagem local, como é o caso do apresentador de telejornais Alex Mendes Braga, que em julho foi forçado a sair da estrada em Manaus (AM), agredido fisicamente e ameaçado em aparente retaliação por sua recente cobertura de suspeita de fraude em um hospital local.

Vários jornalistas foram submetidos a agressões verbais, inclusive quando indivíduos sem máscara gritaram em suas faces após o início da COVID-19. O incidente de maior visibilidade ocorreu fora do palácio presidencial em Brasília, levando uma coalizão de organizações da sociedade civil a abrir um processo civil contra o governo por não proteger os jornalistas naquele local. A partir de agosto, vários veículos importantes pararam de enviar jornalistas para cobrir eventos fora do palácio, e o palácio tomou medidas extras para manter os jornalistas separados dos cidadãos reunidos do lado de fora.

Segundo o Repórteres sem Fronteiras, o presidente Jair Bolsonaro criticou a imprensa 53 vezes, verbalmente ou por meio das redes sociais, durante o primeiro semestre. Diversos meios de comunicação informaram que, em 23 de agosto, o presidente Bolsonaro atacou verbalmente um repórter de O Globo, que o questionou sobre os depósitos feitos por seu ex-assessor Fabrício Queiroz para sua esposa, Michelle Bolsonaro.

Em casos de violência perpetrada por manifestantes ou provocadores durante manifestações em massa, às vezes as forças de segurança feriram jornalistas durante operações de controle de multidão.

Em junho, dois jornalistas do jornal local Em Questão, de Alegrete, no Rio Grande do Sul, foram agredidos por dois policiais militares depois que um dos repórteres tentou fotografar um caminhão do exército em frente à delegacia de polícia da cidade. Os policiais proibiram o repórter de tirar fotos, apreenderam seu celular e o chutaram e algemaram. Após uma investigação, em agosto a polícia civil processou os dois policiais por agressão e abuso de autoridade.

Censura ou restrições de conteúdo: As leis nacionais proíbem a censura judicial com motivação política, mas houve relatos de censura judicial. Em 30 de julho, um juiz do Supremo Tribunal Federal ordenou que o Facebook e o Twitter bloqueiem várias contas por terem divulgado “notícias falsas”.

Impacto não governamental: Por vezes, elementos criminosos não governamentais sujeitaram jornalistas à violência devido às suas atividades profissionais.

LIBERDADE DE INTERNET

O governo não restringiu ou interrompeu o acesso à Internet ou censurou sistematicamente o conteúdo online, e não houve relatos confiáveis de que o governo monitorou comunicações privadas online sem a devida autoridade legal. No entanto, o ambiente online permaneceu limitado por ameaças de violência contra blogueiros e sites independentes, bem como por leis criminais de difamação e limites restritivos ao conteúdo relacionado a eleições.

A lei protege a neutralidade da rede e a liberdade de expressão online e prevê a inviolabilidade e o sigilo das comunicações online do usuário, permitindo exceções apenas por ordem judicial. O discurso anônimo é explicitamente excluído da proteção constitucional.

A lei eleitoral regula a atividade de campanha política na internet. A lei proíbe a publicidade política paga online e na imprensa tradicional. Durante os três meses anteriores a uma eleição, a lei também proíbe a imprensa online e tradicional de promover candidatos e distribuir conteúdo que ridicularize ou possa ofender um candidato.

LIBERDADE ACADÊMICA E DE EVENTOS CULTURAIS

Não houve relatos significativos de restrições governamentais a eventos educacionais ou culturais.

B. LIBERDADES DE REUNIÃO E ASSOCIAÇÃO PACÍFICAS

A lei prevê a liberdade de reunião e associação pacíficas, e o governo em geral respeitou esses direitos.

LIBERDADE DE REUNIÃO PACÍFICA

O governo em geral respeitou o direito à liberdade de reunião pacífica, mas a polícia ocasionalmente interveio em protestos de cidadãos que se tornaram violentos.

Em junho, um policial do CHOQUE apontou um fuzil para o manifestante desarmado – Jorge Hudson – durante um protesto do movimento Black Lives Matter em frente à residência oficial do governador do Rio de Janeiro. Embora a multidão de manifestantes fosse pacífica, a polícia militar respondeu com balas de borracha e gás lacrimogêneo para dispersar o público. O porta-voz da Polícia Militar anunciou alguns dias depois que o policial envolvido no incidente havia sido sofrido punição administrativa.

C. LIBERDADE DE RELIGIÃO

Consulte o Relatório de Liberdade Religiosa Internacional do Departamento de Estado disponível em https://www.state.gov/religiousfreedomreport/.

D. LIBERDADE DE IR E VIR

A constituição prevê a liberdade de movimento interno, viagens ao exterior, emigração e repatriação, e o governo respeitou esses direitos em geral.

E. ESTADO E TRATAMENTO DE PESSOAS DESLOCADAS INTERNAMENTE

Não se aplica.

F. PROTEÇÃO DE REFUGIADOS

O Comitê Nacional para Refugiados cooperou com o Escritório do Comissário das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) e outras organizações humanitárias no fornecimento de documentos oficiais, proteção e assistência aos refugiados, refugiados que retornam, requerentes de asilo e outras pessoas em questão.

Abuso de migrantes, refugiados e apátridas: ONGs relataram que os refugiados eram suscetíveis ao tráfico de pessoas para fins de prostituição forçada e trabalho forçado.

Acesso ao asilo: A lei prevê a concessão de asilo ou status de refugiado, e o governo estabeleceu um sistema para fornecer proteção aos refugiados. Por lei, os refugiados recebem documentação oficial, acesso a proteção legal e acesso a serviços públicos. A lei codifica proteções para requerentes de asilo e prevê um visto humanitário e status de residência que serve como uma alternativa aos pedidos de refugiado para algumas categorias de migrantes regionais, especialmente da Venezuela.

Em agosto, havia mais de 264.600 refugiados e migrantes venezuelanos no país, muitos dos quais chegaram ao estado de Roraima, no norte do país. O país já havia reconhecido oficialmente mais de 46.000 desses venezuelanos como refugiados. O governo deu continuidade ao processo de “interiorização” dos refugiados e requerentes de asilo venezuelanos, transferindo-os da fronteira para outros estados para aliviar a pressão sobre o estado de Roraima, sem recursos e oferecer maiores oportunidades de educação e trabalho.

Em 2019, o Rio Grande do Sul se tornou o primeiro estado a implementar um programa de reassentamento de refugiados da América Central com recursos do governo federal. Depois de apresentarem evidências de que haviam sido perseguidos por gangues em seus países de origem, 28 pessoas foram reassentadas. A Associação Antônio Vieira, entidade jesuíta, foi a responsável pela realização do reassentamento.

Emprego: O programa de interiorização também ofereceu oportunidades econômicas para os venezuelanos reassentados, colocando-os em centros econômicos em cidades maiores. Em parceria com a UE, o ACNUR divulgou os resultados de uma pesquisa de 2019 com 366 famílias venezuelanas reassentadas que experimentaram melhorias na situação econômica, habitação e educação após o reassentamento. Mais de 77% estavam empregados semanas após o reassentamento, contra apenas 7% antes. Dentro de seis a oito semanas de seu reassentamento, a renda dos migrantes venezuelanos em todos os níveis de escolaridade aumentou. Antes do reassentamento, 60% dos entrevistados estavam em abrigos e 3% eram desabrigados. Quatro meses após a interiorização, nenhum migrante morava na rua e apenas 5% estavam em abrigos, enquanto a maior parte (74%) vivia em casas alugadas. Todas as famílias venezuelanas tiveram pelo menos um filho na escola após o reassentamento, em oposição a apenas 65% das famílias anteriormente.

Os venezuelanos reassentados em busca de emprego relataram dificuldade em obter o credenciamento brasileiro de títulos acadêmicos estrangeiros e licenças profissionais, restringindo sua capacidade de trabalhar. Organizações da sociedade civil levantaram preocupações de que o fechamento de empresas devido à COVID-19 afetou desproporcionalmente migrantes e refugiados, muitos dos quais dependiam de empregos informais ou no setor de serviços.

A lei fornece aos cidadãos a capacidade de escolher seu governo em eleições periódicas livres e justas realizadas por voto secreto e com base no sufrágio universal e igualitário.

ELEIÇÕES E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA

Eleições recentes: Nas eleições nacionais realizadas em 2018, os cidadãos escolheram o ex-deputado federal Jair Bolsonaro como presidente e elegeram 54 senadores e 513 deputados federais para o legislativo nacional e vários governadores e legisladores estaduais para os governos estaduais. Os observadores nacionais e a imprensa consideraram as eleições livres e justas.

Eleições e participação política: Em 5 de agosto, a prefeitura de Porto Alegre abriu processo de impeachment contra o prefeito Nelson Marchezan Jr. por supostamente usar R$3,1 milhões de reais (US$ 570.000) do fundo municipal de saúde para custear publicidade, inclusive em jornais nacionais, contrariando regras estabelecidas em decreto para aplicação de recursos. O prefeito alegou que as regras não se aplicavam porque a prefeitura aprovou explicitamente o uso de recursos para orientações de segurança em relação à COVID-19. Os defensores do impeachment alegaram, no entanto, os anúncios destacaram a resposta de Marchezan à pandemia e, portanto, foram autopromocionais para sua campanha de reeleição.

Participação de mulheres e membros de grupos minoritários: Nenhuma lei limita a participação de mulheres ou membros de grupos minoritários no processo político, e elas participaram.

Em 25 de agosto, o Tribunal Superior Eleitoral decidiu que a divisão dos recursos públicos para financiamento de campanha e tempo de publicidade no rádio e na televisão deve ser dividida proporcionalmente entre candidatos negros e brancos nas eleições. Por exemplo, se 20% dos candidatos de um partido são negros, pelo menos 20% de seu financiamento de campanha fornecido publicamente deve ser usado para apoiar esses candidatos negros. A decisão, prevista para entrar em vigor em 2022, foi tomada em resposta a ligações de ativistas afro-brasileiros.

A lei exige que os partidos e coligações tenham uma cota mínima de 30% de mulheres na lista de candidatos a deputados (estaduais e nacionais), prefeitos e vereadores. Por lei, 20% da propaganda política na televisão e no rádio deve ser usada para encorajar a participação feminina na política. Partidos que não cumprirem com este requisito podem ser consideradas inelegíveis para disputar as eleições. Nas eleições de 2018, alguns partidos apresentaram o número mínimo de candidatas do sexo feminino, mas não deram apoio suficiente para que fizessem uma campanha eficaz. Em 2018, o Tribunal Superior Eleitoral decidiu que os partidos devem fornecer um mínimo de 30% dos fundos de campanha para apoiar a eleição de candidatas. As mulheres permaneceram sub-representadas em cargos eletivos, representando apenas 15% dos deputados federais e 13% dos senadores federais. Uma deputada estadual recém-eleita no estado de Santa Catarina sofreu uma onda de ataques misóginos nas redes sociais, inclusive por autodenominados membros da polícia militar, após usar um decote que seus críticos consideraram “revelador” durante sua posse na assembleia legislativa. O comandante-geral da Polícia Militar anunciou que investigará as ações dos policiais que postaram os comentários ofensivos.

A lei prevê penalidades criminais para condenação por corrupção de funcionários e estipula penas civis para corrupção cometida por cidadãos brasileiros ou entidades no exterior. Houve inúmeros relatos de corrupção em vários níveis de governo e atrasos nos procedimentos judiciais contra pessoas acusadas de corrupção foram comuns, muitas vezes devido a proteções constitucionais contra processos para funcionários eleitos. Isso muitas vezes resultou em real impunidade para os responsáveis.

Corrupção: A investigação do escândalo de desfalque da estatal Petrobrás (Operação Lava Jato), iniciada em 2014, continuou e resultou em prisões e condenações de lavadores de dinheiro e grandes empreiteiras, além de investigação, indiciamento e condenação de políticos em toda a classe política. As informações obtidas por meio de colaboração e negociações judiciais com suspeitos levaram a muitas novas investigações. Durante o ano, os promotores apresentaram 128 novas queixas e despacharam 61 mandados de prisão.

O Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Benedito Gonçalves, destituiu o governador do Rio de Janeiro, Witzel, do cargo em 28 de agosto por um período inicial de 180 dias sob a acusação de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da justiça relacionadas ao seu papel em uma organização criminosa que supervisionava gastos fraudulentos e contratações na resposta à COVID-19 do estado. A decisão do tribunal veio em meio a um processo separado e contínuo de impeachment liderado pela assembleia legislativa estadual contra o governador. A decisão de 28 de agosto levou à prisão de indivíduos importantes, inclusive, entre outros, o ex-secretário estadual de desenvolvimento econômico do Rio de Janeiro, Lucas Tristão, o pastor (e presidente do Partido Social Cristão) Everaldo Dias Pereira e o empresário Mario Peixoto. O escândalo de corrupção também resultou nas prisões do secretário adjunto da Saúde, Gabriel Neves, em maio, e do ex-secretário da Saúde do Rio de Janeiro, Edmar Santos, em julho. Até 17 de agosto, Neves continuava detido, enquanto Santos havia sido libertado por causa de sua cooperação com a investigação do governador Witzel. Em agosto, o ministério público do Rio de Janeiro também investigava a organização sem fins lucrativos de saúde Instituto de Serviços Básicos e Avançados de Saúde (IABAS). O Estado do Rio de Janeiro contratou o IABAS para construir e administrar sete dos nove hospitais de campanha COVID-19 do estado. Os contratos de licitação não competitiva sob investigação incluíram a compra de ventiladores, máscaras médicas e testes de diagnóstico rápido avaliados, coletivamente, em mais de US$ 200 milhões.

Em 29 de julho, o senador paulista José Serra foi indiciado por corrupção e lavagem de dinheiro pelo Tribunal de Justiça Federal. Em 30 de julho, a Justiça Eleitoral de São Paulo indiciou o ex-governador Geraldo Alckmin por crimes eleitorais, corrupção e lavagem de dinheiro. Alckmin teria recebido supostamente R$10 milhões (US$1,8 milhão) em suas campanhas para governador em 2010 e 2014.

Divulgação Financeira: Os servidores públicos estão sujeitos às leis de divulgação financeira e os funcionários geralmente cumprem essas disposições. Nem todas as declarações de ativos são tornadas públicas, mas os salários dos funcionários federais e as informações de pagamento são públicos e podem ser pesquisados por nome.

Muitos grupos de direitos humanos nacionais e internacionais geralmente operaram sem restrições do governo, investigando e publicando suas conclusões sobre casos de direitos humanos. Os funcionários do governo foram cooperativos e receptivos aos seus pontos de vista. Em muitos casos, as autoridades federais e estaduais buscaram a ajuda e a cooperação de ONGs nacionais e internacionais para tratar de problemas de direitos humanos.

Órgãos governamentais de direitos humanos: Algumas organizações locais de direitos humanos criticaram o Ministério dos Direitos Humanos, afirmando que muitos cargos não foram preenchidos ou foram preenchidos por indivíduos que não apoiavam os direitos humanos e que o papel da sociedade civil nas discussões sobre políticas foi gravemente reduzido.

A Câmara dos Deputados e o Senado contavam com comitês e subcomitês de direitos humanos que funcionavam sem interferência e participavam de diversas atividades em âmbito nacional em coordenação com organizações nacionais e internacionais de direitos humanos. A maior parte dos estados tinha ouvidorias de polícia, mas suas realizações variavam, dependendo de fatores como financiamento e pressão política externa.

O governo operou vários conselhos interministeriais que ligam a sociedade civil aos tomadores de decisão do governo em uma série de tópicos de direitos humanos. Muitas de suas atividades foram interrompidas pela pandemia.

MULHERES

Estupro e violência doméstica: A lei criminaliza o estupro de homens ou mulheres, inclusive o estupro conjugal. Além disso, a Lei Maria da Penha criminaliza a violência física, psicológica e sexual contra a mulher, bem como a difamação e danos materiais ou financeiros por parte de alguém com quem a vítima mantém casamento, família ou relação íntima. A lei define feminicídio como homicídio de mulher em razão de seu gênero, que pode incluir violência doméstica, discriminação ou desprezo pela mulher, e prevê pena de 12 a 30 anos. De acordo com ONGs e dados oficiais, houve 1.326 feminicídios em 2019, quando comparado com 1.026 em 2018. De acordo com a ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a polícia identificou 946 feminicídios em 2018. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, os tribunais proferiram sentenças em 287 casos de feminicídio em 2018.

De acordo com ONGs e dados de segurança pública, a violência doméstica foi generalizada. De acordo com o 13º Anuário de Segurança Pública, divulgado anualmente pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ocorreram 66 mil casos de estupro em 2018. Devido à subnotificação, o número real de casos provavelmente foi muito maior. Em casos de feminicídio, o assassino era parceiro ou ex-parceiro da vítima em 89% das vezes. Em julho, a sargento da Polícia Militar de Santa Catarina Regiane Terezinha Miranda foi assassinada pelo ex-marido, que então se suicidou. Miranda liderou a Rede Catarina de Proteção à Mulher, programa de prevenção e combate à violência doméstica.

O estresse prolongado e a incerteza econômica resultante da pandemia levaram a um aumento da violência de gênero. Um relatório de maio do Fórum Brasileiro de Segurança Pública salientou um aumento médio de 22% no feminicídio em 12 estados. O número absoluto de feminicídios nesses estados aumentou de 117 em março e abril de 2019 para 143 em março e abril de 2020.

O governo federal manteve uma linha direta nacional gratuita para mulheres denunciarem casos de violência praticada pelo parceiro íntimo. Os operadores de linha direta têm autoridade para mobilizar unidades da Polícia Militar para responder a essas denúncias e acompanhar o andamento do caso. O governo distribuiu mais monitores eletrônicos de tornozelo e dispositivos de botão de pânico como resultado de um acordo de cooperação técnica firmado entre o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos e o Ministério da Justiça em março de 2019. Após a implementação do acordo, o total de tornozeleiras (para monitorar agressores condenados à prisão domiciliar ou para alertar a polícia quando os agressores sob medida protetiva violam os requisitos de distância mínima) e dispositivos de botão de pânico (para facilitar a notificação à polícia de que uma vítima está sendo ameaçada ) aumentou de 12.727 para 14.786. O acordo também expandiu os serviços de treinamento e aconselhamento para abusadores de 22 grupos e 340 participantes para 61 grupos e 816 participantes em todo o país.

Em julho, o governador do Rio de Janeiro, Witzel, assinou um projeto de lei que autorizava temporariamente a suspensão e apreensão de armas em casos de violência doméstica e feminicídio durante a pandemia de COVID-19. As autoridades mencionaram preocupações de que a quarentena poderia levar a um aumento nos casos de violência doméstica com uso de armas. De acordo com o Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro, em junho, as chamadas de violência doméstica para a linha direta de ajuda da Polícia Militar aumentaram 12% quando comparado com o mesmo período do ano anterior. Em agosto, uma operação policial do Rio resultou na prisão de 57 suspeitos acusados de violência doméstica.

Representantes de ONGs e de segurança pública alegaram que a violência culturalmente doméstica era frequentemente vista como um assunto privado. Muitas vezes, os transeuntes não relataram casos de violência ou esperaram até que fosse tarde demais. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública relatou um aumento de 431% nos tweets entre fevereiro e abril durante o pico de pedidos de internação relacionados à pandemia, de vizinhos que testemunharam violência doméstica. Por exemplo, em julho, Fabricio David Jorge matou sua esposa Pollyana de Moura e depois se suicidou em seu apartamento no Distrito Federal. De acordo com relatos da imprensa, vários vizinhos ouviram gritos vindos de seu apartamento, mas não relataram a perturbação às autoridades.

Cada secretaria estadual de segurança pública opera delegacias de polícia dedicadas exclusivamente ao atendimento de crimes contra a mulher. Os governos estaduais e locais também operaram centros de referência e abrigos temporários para mulheres, e muitos estados mantiveram linhas diretas de violência doméstica. Apesar dessas proteções, as alegações de violência doméstica nem sempre foram tratadas com credibilidade pela polícia; um estudo realizado no estado do Rio Grande do Sul revelou que 40% das vítimas de feminicídio haviam procurado proteção policial anteriormente.

A lei exige que as unidades de saúde entrem em contato com a polícia sobre os casos em que uma mulher foi prejudicada fisicamente, sexualmente ou psicologicamente e coletem evidências e depoimentos caso a vítima decida fazer denúncia.

A agressão sexual e o estupro de menores foram generalizados. De 2017 a 2018, 64% dos estupros envolveram uma vítima “vulnerável”, definida como uma pessoa com menos de 14 anos, ou que é considerada fisicamente, mentalmente e, portanto, legalmente incapaz de consentir em relações sexuais.

Em março, a polícia prendeu um motorista de aplicativo de carona suspeito de estuprar um menino de 13 anos em fevereiro no bairro de Botafogo, na cidade do Rio de Janeiro.

Assédio sexual: O assédio sexual é crime, punível com até dois anos de detenção, mas raramente era aplicado. Uma lei em vigor em 2018 amplia a definição de assédio sexual para incluir ações realizadas fora do local de trabalho. As ONGs relataram que o assédio sexual era uma preocupação grave e os transgressores raramente eram responsabilizados. Um estudo de 2019 conduzido pelos institutos de pesquisa Patrícia Galvão e Locomotiva com o apoio do Uber descobriu que 97% das mulheres sofreram assédio sexual no transporte público, em táxis ou usando aplicativo de carona.

Em agosto, um juiz do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais ordenou que um supervisor pagasse uma indenização de R$5.000 (US$900) a um empregado que havia assediado sexualmente e, em seguida, demitido após trabalhar por três meses na empresa.

O assédio sexual também prevaleceu em eventos públicos, como shows e blocos de carnaval de rua. Departamentos de polícia em todo o país distribuíram apitos de estupro e informaram os frequentadores do carnaval sobre as delegacias de polícia exclusivas para mulheres e a linha direta de abuso sexual durante as comemorações anuais. De acordo com uma pesquisa de fevereiro do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística, 48% das mulheres que participaram dos eventos de carnaval disseram ter sofrido algum tipo de assédio sexual durante as comemorações. De acordo com funcionários públicos e ONGs, o aumento da conscientização e do sucesso de campanhas nacionais como “Não é Não” levou a um aumento nas denúncias de assédio sexual durante os festivais.

Coerção no controle da população: Não houve relatos de aborto provocado ou esterilização involuntária por parte das autoridades governamentais.

Discriminação: A lei prevê o mesmo estatuto jurídico e direitos para as mulheres e para os homens em todas as circunstâncias. O governo não cumpriu a lei de forma eficaz. De acordo com estatísticas do governo, as mulheres ganhavam em média 79,5% dos salários dos homens. De acordo com o Observatório sobre Igualdade no Trabalho, as mulheres negras ganhavam 55% dos salários dos homens brancos.

CRIANÇAS

Registro de Nascimento: É cidadão aquele que nasce no país ou tem mãe/pai cidadã(o) brasileira(o). Os pais são obrigados a registrar seus recém-nascidos dentro de 15 dias do nascimento ou dentro de três meses se eles morarem a mais de aproximadamente 50 km do cartório mais próximo. No entanto, muitas crianças não tinham certidão de nascimento.

Abuso infantil: A lei proíbe o abuso infantil e a negligência, mas a fiscalização era frequentemente ineficaz e o abuso era generalizado. A linha direta nacional de direitos humanos recebeu 86.800 denúncias de violações dos direitos de crianças e adolescentes em 2019, um aumento de quase 14% quando comparado com 2018.

Casamento Infantil, Precoce e Forçado: A idade mínima legal para o casamento é 18 (ou 16 anos com o consentimento dos pais ou do representante legal). A prática do casamento precoce foi comum. Um estudo sobre casamento infantil nos estados nordestinos da Bahia e do Maranhão descobriu que a gravidez foi a principal motivação para o casamento infantil em 15 dos 44 casos. De acordo com um relatório do UNICEF de 2020, 26% das mulheres entre 20 e 24 anos se casaram antes dos 18 anos.

Exploração Sexual de Crianças: A exploração sexual de crianças, adolescentes e outras pessoas vulneráveis é punível com pena de quatro a 10 anos de prisão. A lei define a exploração sexual como tráfico sexual infantil, atividade sexual, produção de pornografia infantil e programas sexuais públicos ou privados. O governo aplicou a lei de forma desigual. A lei estabelece a idade mínima de 14 anos para o sexo consensual, com a pena para o estupro estatutário variando de oito a 15 anos de prisão.

Embora nenhuma lei específica trate do turismo sexual infantil, ele é punível sob outros crimes. O país foi um destino de turismo sexual infantil. Além disso, meninas de outras nações sul-americanas foram exploradas no tráfico sexual no país.

A lei criminaliza a pornografia infantil. Criar pornografia infantil tem pena de detenção de até oito anos e multa. A pena por posse de pornografia infantil é de até quatro anos de detenção e multa. Em 18 de fevereiro, uma operação de abrangência nacional coordenada pelo Ministério da Justiça e realizada pelas polícias civis estaduais resultou na prisão de 41 pessoas por porte e distribuição de material retratando a exploração sexual infantil.

Crianças Deslocadas: De acordo com um relatório de 2019 da Human Rights Watch, 529 crianças e adolescentes venezuelanos desacompanhados cruzaram a fronteira com o Brasil entre maio e novembro de 2019. Outros 2.133 chegaram sem os pais, acompanhados por outro adulto, geralmente um parente. De acordo com contatos da sociedade civil, alguns desses menores corriam o risco de ser traficados ou explorados sexualmente. Em um caso, um adolescente chegou com um homem muito mais velho que ela alegou ser seu namorado, mas questionamentos posteriores revelaram que ela o conheceu em sua jornada. As autoridades alertaram os serviços de proteção à criança para que tomem a guarda do menor.

Os escritórios locais de serviços de proteção à criança atuam como tutores legais para que os adolescentes desacompanhados possam ir à escola e obter documentos de identificação para ter acesso ao sistema público de saúde. Em algumas áreas, no entanto, eles não puderam acomodar o fluxo de crianças. Os abrigos estaduais em Roraima, o estado onde a maior parte dos migrantes entraram no país, podiam abrigar no máximo 15 meninos e 13 meninas adolescentes. De acordo com um relatório da Human Rights Watch de 2019, algumas crianças desacompanhadas acabaram vivendo nas ruas, onde podem ficar especialmente vulneráveis a abusos ou recrutamento por gangues criminosas.

Raptos Internacionais de Crianças: O país é signatário da Convenção de Haia de 1980 sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças. Vide o Relatório Anual do Departamento de Estado sobre Sequestro Parental Internacional  disponível em https://travel.state.gov/content/travel/en/International-Parental-Child-Abduction/for-providers/legal-reports-and-data/reported-cases.html.

ANTISSEMITISMO

De acordo com a Federação Judaica, havia aproximadamente 125.000 cidadãos judeus, dos quais aproximadamente 65.000 viviam no estado de São Paulo e 29.000 no estado do Rio de Janeiro.

Em fevereiro, três homens agrediram um judeu na rua no interior do Estado de São Paulo. Os homens gritaram ofensas antissemitas durante o ataque e cortaram o quipá (cobertura para a cabeça) da vítima com um canivete. Em agosto, a polícia estava investigando o caso, mas não havia identificado os agressores.

Organizações judaicas proeminentes notaram publicamente sua indignação com o que consideravam comentários antissemitas feitos por altos funcionários do governo. Em maio, o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, de ascendência judaica, comparou à Kristallnacht uma operação da Polícia Federal contra notícias falsas. Múltiplas organizações judaicas condenaram a comparação, e a embaixada de Israel em Brasília postou no Twitter: “Tem havido um aumento no uso do Holocausto em discursos públicos, de forma que menospreza sua memória e a tragédia que acometeu o povo judeu. ”

Uma pesquisa global divulgada em junho pela Liga Antidifamação indicou que a porcentagem de brasileiros que nutriam algum sentimento antijudaico cresceu de 19% em 2019 para 26% em 2020. Uma pesquisa do Observatório de Direitos Humanos Henry Sobel descobriu que atos de intolerância e atitudes antissemitas eram cada vez mais comuns na sociedade e na política. A organização registrou 30 desses atos durante os primeiros seis meses do ano, quando comparado com 26 em todo o ano de 2019. Havia 349 organizações neonazistas ativas, segundo a antropóloga Adriana Magalhães Dias, da Universidade Estadual Paulista de Campinas. As maiores concentrações foram nos estados de São Paulo, com 102 grupos; Paraná, com 74; e Santa Catarina, com 69.

Grupos neonazistas mantiveram uma presença online ativa. Em maio, a Safernet, uma ONG que promove os direitos humanos nas redes sociais e monitora sites radicais, relatou a criação de 204 novas páginas de conteúdo neonazista no país, quando comparado com 42 novas páginas em maio de 2019.

TRÁFICO DE PESSOAS

Consulte o Relatório sobre Tráfico de Pessoas do Departamento de Estado em https://www.state.gov/trafficking-in-persons-report/.

PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

A lei proíbe a discriminação contra pessoas com deficiências físicas e mentais, e o governo federal geralmente faz cumprir essas disposições. Embora as leis federais e estaduais determinem o acesso a edifícios para pessoas com deficiência, os estados não as aplicaram de forma eficaz. A lei exige que empresas privadas com mais de 100 funcionários contratem de 2 a 5% de sua força de trabalho de pessoas com deficiência. De acordo com o censo de 2010, apenas 1% das pessoas com deficiência estavam empregadas.

A Lei de Inclusão de Pessoas com Deficiência, uma estrutura legal sobre os direitos das pessoas com deficiência, busca promover maior acessibilidade por meio da supervisão federal ampliada do Estatuto da Cidade (uma lei que visa promover a segurança e o bem-estar dos cidadãos urbanos, entre outros Objetivos). A lei também inclui penas criminais mais duras para condenação por discriminação com base na deficiência e serviços de saúde inclusivos com prestação de serviços perto de residências e áreas rurais. Em outubro, o Conselho Nacional de Justiça relatou 3.834 novos casos de discriminação com base na deficiência e 1.918 outros casos em alguma fase do processo de apelação.

O Conselho Nacional para os Direitos das Pessoas com Deficiência e o Conselho Nacional para os Direitos das Pessoas Idosas são os principais responsáveis pela promoção dos direitos das pessoas com deficiência. A falta de infraestrutura acessível e de recursos escolares limitou significativamente a capacidade das pessoas com deficiência de participarem da força de trabalho. Em setembro, o presidente Bolsonaro assinou um decreto criando a Política Nacional de Educação Especial para facilitar que os pais coloquem seus filhos com deficiência em escolas especializadas sem ter que experimentar primeiro as escolas não especializadas. Alguns críticos afirmam que a política pode resultar em menos opções de escolaridade para crianças com deficiência.

Organizações da sociedade civil reconheceram que o monitoramento e a aplicação das políticas de deficiência continuaram fracos e criticaram a falta de acesso ao transporte público, a aplicação fraca de cotas de emprego e uma definição médica limitada de deficiência que frequentemente exclui dificuldades de aprendizagem.

MEMBROS DE GRUPOS MINORITÁRIOS NACIONAIS/RACIAIS/ÉTNICOS

A lei proíbe a discriminação racial, especificamente a negação de instalações públicas ou privadas, emprego ou moradia a qualquer pessoa com base na raça. A lei também proíbe o incitamento à discriminação ou preconceito racial e a disseminação de símbolos e epítetos racialmente ofensivos, e estipula pena de prisão para tais atos.

Aproximadamente 52% da população se identificou como pertencente a outras categorias além de brancos. Apesar dessa alta representação na população em geral, os cidadãos de pele mais escura, principalmente os afro-brasileiros, enfrentam discriminação. Eles experimentaram uma taxa mais elevada de desemprego e ganharam salários médios inferiores aos dos brancos em cargos semelhantes. Havia também uma lacuna educacional considerável. Os afro-brasileiros foram desproporcionalmente afetados pelo crime e pela violência.

Em uma decisão de 19 de junho, a juíza Inês Zarpelon repetiu três vezes em sua decisão escrita que o réu Natan Paz certamente era membro de um grupo criminoso devido à sua raça afro-brasileira. A juíza o condenou a 14 anos e dois meses de prisão por furto, roubo e crime organizado, o que segue outras sentenças por crimes semelhantes. O advogado de Paz afirmou que apelará da decisão, e o Conselho Nacional de Justiça e a Ordem dos Advogados do estado solicitaram uma investigação da juíza pela Justiça de Curitiba e pelo Ministério Público estadual. Em 28 de setembro, a Corregedoria da Justiça do Estado do Paraná indeferiu a denúncia, observando que a referência da juíza à raça do réu havia sido tirada de contexto e que a sentença do réu era decorrente de seus crimes, e não da cor de sua pele. Depois do assassinato de George Floyd nos Estados Unidos, o país viu o ativismo Black Lives Matter difundido com o objetivo não apenas de acabar com a violência policial contra os afro-brasileiros, mas também de aumentar a conscientização sobre o racismo sistêmico generalizado em muitos aspectos da sociedade, inclusive o sistema de justiça criminal.

Polêmicas mortes de afro-brasileiros em Recife e no Rio de Janeiro, embora não nas mãos da polícia, indicaram que os protestos nessas cidades incluíam uma mensagem mais ampla contra o racismo estrutural na sociedade, de acordo com observadores de ONGs. Em Recife, uma mulher branca rica e bem relacionada exigiu que sua governanta afro-brasileira se apresentasse ao trabalho, apesar de a governanta não ter conseguido encontrar creche para seu filho de cinco anos devido ao fechamento por causa da COVID-19. A empregadora branca supostamente se ofereceu para tomar conta da criança, mas depois permitiu que ela entrasse no elevador sozinha e subisse até um andar alto, de onde caiu para a morte. A empregadora enfrentou uma acusação de homicídio culposo, mas estava em liberdade sob fiança. Alguns acreditam que ela foi tratada com tolerância por causa de suas ligações políticas com as autoridades locais, criando protestos com encenações de morte (die-ins) e manifestações de rua na região nordeste do país. No Rio de Janeiro, os protestos começaram depois que a cidade informou que sua primeira morte de COVID-19 foi uma governanta afro-brasileira que trabalhava na casa de um empregador branco que havia retornado recentemente de uma viagem ao exterior, portadora do vírus sem saber, e havia exigido a presença da governanta ao trabalho. Ambos os casos produziram debates nas redes sociais sobre o racismo estrutural generalizado no país e a falha do sistema de justiça criminal em tratar todos os cidadãos com igualdade.

A lei prevê políticas de ação afirmativa com base em cotas no ensino superior, empregos públicos e militares. No entanto, os afro-brasileiros estavam sub-representados no governo, em cargos profissionais e nas classes socioeconômicas média e alta.

Muitos escritórios do governo criaram comitês internos para validar as alegações de etnia autodeclaradas de candidatos a empregos públicos usando critérios fenotípicos, avaliando a “negritude” na tentativa de reduzir o abuso de políticas de ação afirmativa e leis relacionadas. Os administradores da universidade regularmente conduziam investigações e expulsavam estudantes por alegarem fraudulentamente ser pretos ou pardos para reivindicar vagas de cota racial nas universidades. Em julho, a Universidade de Brasília revogou os diplomas de dois alunos e expulsou outros 15 por suspeita de fraude no acesso às cotas raciais. As estatísticas mostraram que as políticas de cotas raciais nas universidades estavam começam a ter um impacto positivo nos resultados educacionais dos afro-brasileiros. Por exemplo, a Universidade de Brasília informou em agosto que quase 49% de seus alunos eram pretos ou pardos, contra 10% em 2003.

No Rio Grande do Sul, muitas aulas e apresentações virtuais com temas envolvendo negritude, mulheres e direitos LGBTI foram vítimas de “bombardeiro no Zoom” por grupos de ódio. Os agressores geralmente se juntavam às videochamadas em grupo e interrompiam as apresentações com mensagens de natureza sexual, racista ou homofóbica. A Polícia Federal investigava quatro casos em Santa Maria, Santo Ângelo e Porto Alegre, todos no Rio Grande do Sul.

Seguidores de religiões afro-brasileiras como o candomblé e a umbanda enfrentaram mais discriminação e violência do que qualquer outro grupo religioso. Embora menos de 2% da população siga as religiões afro-brasileiras, 30% dos casos registrados pela central telefônica de direitos humanos envolveram vítimas praticantes de religiões afro-brasileiras.

Em 31 de julho, um tribunal de São Paulo concedeu a guarda de uma menina de 12 anos para sua avó materna cristã, afastando a menina de sua mãe, que havia apoiado a escolha de sua filha de praticar a religião afro-brasileira do Candomblé. A avó entrou com pedido de guarda alegando que a criança enfrentou danos físicos e psicológicos depois que ela raspou a cabeça para uma cerimônia religiosa de candomblé. Embora os documentos judiciais não estivessem disponíveis publicamente devido ao status menor da criança, a imprensa relatou que as autoridades não encontraram evidências de danos físicos ou psicológicos e que a menina disse que o candomblé era sua religião de escolha. Em 14 de agosto, o tribunal devolveu a guarda da menina à mãe e solicitou uma investigação policial mais aprofundada.

Seguidores de religiões afro-brasileiras enfrentaram ataques físicos a seus locais de culto. De acordo com um líder religioso, esses ataques resultaram de uma mistura de intolerância religiosa e racismo, discriminação social sistêmica, perpetuação de estereótipos prejudiciais pela imprensa e ataques por funcionários públicos e religiosos contra essas comunidades. Em 9 de junho, homens armados invadiram um dos templos de candomblé mais antigos do estado da Bahia e destruíram vários objetos sagrados. A imprensa identificou os invasores como funcionários da empresa de embalagens do Grupo Penha. Representantes da empresa negaram qualquer irregularidade, mas alegaram que o templo estava localizado em um terreno de propriedade da empresa.

POVOS INDÍGENAS

Segundo dados da Fundação Nacional do Indígena (FUNAI) e do censo de 2010, havia aproximadamente 897 mil indígenas, representando 305 etnias indígenas distintas que falavam 274 línguas distintas.

A constituição concede à população indígena ampla proteção de seu patrimônio cultural e uso de seu território; no entanto, todos os minerais acima do solo e subterrâneos, bem como o potencial de energia hidrelétrica, pertencem ao governo. O Congresso deve consultar os povos envolvidos ao considerar solicitações de exploração de recursos minerais e hídricos, inclusive aqueles com potencial energético, em terras indígenas. Apesar de várias propostas, o Congresso não aprovou regulamentos específicos sobre como desenvolver os recursos naturais em território indígena, tornando qualquer desenvolvimento de recursos naturais em território indígena tecnicamente ilegal.

Em maio, o governo lançou a segunda fase da Operação Brasil Verde para erradicar os incêndios florestais e deter a atividade criminosa, fazendo prisões, multas e confiscando madeira extraída ilegalmente. No entanto, as ONGs alegaram que a falta de regulamentação e a impunidade em casos de invasões ilegais de terras resultaram na exploração ilegal de recursos naturais. A ONG Instituto Socioambiental (ISA) informou que havia mais de 20 mil garimpeiros extraindo ouro ilegalmente das terras indígenas Yanomami no Estado de Roraima. De acordo com relatório divulgado pela ONG Conselho Indígena Missionário (CIMI) em 2020, ocorreram 256 casos de invasões ilegais e exploração de recursos naturais em 151 territórios indígenas em 23 estados em 2019. Um relatório de 2019 da Human Rights Watch detalhou especificamente o desmatamento ilegal na Amazônia. O relatório concluiu que o desmatamento ilegal na região amazônica brasileira foi impulsionado em grande parte por redes criminosas que tinham capacidade logística para coordenar a extração em grande escala, processamento e venda de madeira, ao mesmo tempo que destacavam homens armados para proteger seus interesses. O relatório documentou 28 assassinatos – a maior parte deles desde 2015 – em que as evidências indicaram que os infratores estavam envolvidos no desmatamento ilegal e as vítimas eram alvos porque se opunham a essas atividades criminosas. As vítimas incluíam autoridades ambientais, membros de comunidades indígenas ou outros que denunciaram a extração ilegal de madeira às autoridades.

As invasões ilegais de terras frequentemente resultavam em violência e até mesmo em morte. De acordo com o relatório do CIMI, houve 113 assassinatos de indígenas em 2019, quando comparado com 135 casos em 2018. O assassinato do líder indígena e defensor ambiental e dos direitos humanos Zezico Rodrigues em março em Arame, Maranhão, foi o quinto assassinato de um indígena Guajajara em três meses. Rodrigues trabalhou como diretor do Centro de Educação Escolar indígena e combateu crimes ambientais. Segundo lideranças indígenas da região, ele teria recebido ameaças de morte e denunciado formalmente à FUNAI e à Polícia Federal.

De acordo com a FUNAI, o governo federal estabeleceu regras para fornecer compensação financeira nos casos de empresas que ganharam contratos de incorporação que afetam terras indígenas. A extração ilegal de madeira, o tráfico de drogas e a mineração, bem como as mudanças no meio ambiente causadas por grandes projetos de infraestrutura, obrigaram os povos indígenas a se mudarem para novas áreas ou tornar seus territórios indígenas demarcados menores do que o estabelecido por lei. Vários grupos indígenas protestaram contra o ritmo lento das demarcações de terras. Em um caso que durou mais de 30 anos, em 2018 um tribunal ordenou a devolução de 20 mil hectares de terra para a comunidade indígena Pankararu nos municípios de Tacaratu, Petrolândia e Jatobá, no estado de Pernambuco. Como resultado, o Ministério Público Federal instituiu um procedimento administrativo para coordenar as ações federais e prevenir conflitos. Recebeu relatos de invasores cortando árvores, quebrando cercas, destruindo jardins e ameaçando membros da comunidade Pankararu.

ONGs e organizações de povos indígenas relataram taxas de mortalidade mais altas entre membros de grupos indígenas devido à COVID-19 do que o Ministério da Saúde relatou. De acordo com o Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia e a Coordenação de ONGs das Organizações Indígenas na Amazônia Brasileira, a taxa de mortalidade por COVID-19 entre indígenas em 24 de junho na Amazônia era de 6,8%. Quando comparado, em 27 de junho, o ministério informou que as taxas de mortalidade devido à COVID-19 eram em média de 4,3%, e na região norte, onde vivia a maior parte dos grupos indígenas, apenas 3,7%. Parte dessa discrepância pode ter ocorrido devido a diferenças em como a mortalidade foi calculada com base em todos os indígenas ou apenas naqueles que vivem em territórios indígenas. Muitos indígenas expressaram preocupação de que o vírus, com seu maior risco para as populações mais velhas e vulneráveis, pudesse apagar sua herança cultural dizimando uma geração inteira de idosos. O povo Munduruku, com terras nos estados do Amazonas e Pará, relatou a perda de sete idosos entre 60 e 86 anos para a COVID-19. De acordo com vários relatos da imprensa, os líderes indígenas acreditavam que a exposição de fora, especificamente mineiros e madeireiros, e o aumento da poluição do ar (devido a máquinas e queima de terras desmatadas) causaram agravamento da saúde respiratória e colocaram uma população já vulnerável em maior risco de contrair COVID-19.

Em julho, um tribunal federal ordenou que o governo federal expulsasse os cerca de 20 mil garimpeiros ilegais do território indígena Yanomami para protegê-los da propagação da COVID-19. O Ministério da Saúde, a FUNAI e o Ministério da Defesa enviaram missões médicas e mais de 350 toneladas de suprimentos de saúde aos territórios indígenas, inclusive mais de US$40 milhões em suprimentos médicos para o estado do Amazonas, onde vivia a maior parte dos grupos indígenas. Além disso, o Ministério da Saúde, em conjunto com os governos estaduais e a FUNAI, inaugurou cinco novas alas hospitalares nos estados do Pará, Amapá e Amazonas exclusivamente para o tratamento de pacientes indígenas para COVID-19. Em 8 de julho, o presidente Bolsonaro aprovou uma lei criando um plano de ação emergencial para apoiar a prevenção e tratamento da COVID-19 para populações indígenas e outras populações tradicionais. O plano aborda as necessidades básicas de higiene e médicas. Os líderes indígenas fizeram declarações públicas enfatizando que muito poucos desses recursos foram entregues às suas comunidades e argumentaram que a escassez de recursos resultante da crise da COVID-19 continuava sendo uma preocupação.

A população quilombola – descendentes de escravos africanos fugitivos – foi estimada em 6.000 comunidades e cinco milhões de indivíduos, embora o governo não tivesse estatísticas oficiais. A constituição reconhece os direitos de propriedade de terras Quilombolas. Quase 3.000 comunidades foram registradas, mas menos de 140 receberam escrituras pelo governo.

Representantes quilombolas e organizações parceiras relataram que os membros dessas comunidades sofreram taxas de mortalidade mais altas devido à COVID-19 do que o resto da população do país. De acordo com uma parceria entre as ONGs ISA e a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Quilombolas (CONAQ), a taxa de mortalidade por COVID-19 em comunidades quilombolas até junho era de 7,6%. Quando comparado, em 27 de junho, o ministério informou que as taxas de mortalidade devido à COVID-19 eram em média de 4,3%, e na região norte, onde vivia a maior parte dos grupos indígenas, apenas 3,7%.

As comunidades quilombolas enfrentaram desafios sistêmicos como pobreza endêmica, racismo, violência e ameaças contra líderes e mulheres, bem como acesso limitado a recursos essenciais e políticas públicas. Segundo a CONAQ, as populações negras apresentam maior índice de doenças que agravam ainda mais os efeitos da COVID-19, como diabetes e hipertensão. O acesso precário à água em muitos territórios era preocupante, pois também dificultava as condições de higiene necessárias para evitar a propagação do vírus. Os líderes da sociedade civil também citaram preocupações sobre a insegurança alimentar nas comunidades Quilombolas. As comunidades alegaram que as autoridades de saúde não estavam realizando rastreamento ou teste de contato suficiente lá, quando comparado com a população em geral.

ATOS DE VIOLÊNCIA, CRIMINALIZAÇÃO E OUTROS ABUSOS COM BASE NA ORIENTAÇÃO SEXUAL E IDENTIDADE DE GÊNERO

A violência contra pessoas LGBTI foi uma preocupação séria. O Ministério Público Federal é responsável por registrar denúncias de crimes cometidos com base no gênero ou orientação sexual, mas, segundo consta, demorou a responder. Os indivíduos transgêneros correm um risco especial de serem vítimas de crimes ou de cometer suicídio. Segundo a ONG Grupo Gay da Bahia, o risco de uma pessoa transsexual ser morta era 17 vezes maior que um homossexual. De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil, em parceria com o Instituto Brasileiro de Educação Trans, 124 homens e mulheres transexuais foram mortos em 2019, contra 163 em 2018. A polícia prendeu suspeitos em apenas 9% dos casos. De acordo com alguns líderes da sociedade civil, a subnotificação de crimes era galopante, porque muitas pessoas LGBTI temiam sofrer discriminação ou violência ao procurar os serviços das autoridades responsáveis pela repressão.

Em maio, a transexual Vick Santos foi encontrada morta por estrangulamento e queimada em Itu, São Paulo. Em julho, Douglas José Gonçalves e sua esposa, Natasha Oliveira, confessaram o crime. Gonçalves disse à polícia que estrangulou Santos em legítima defesa durante uma altercação. Ele e Oliveira queimaram o corpo de Santos na intenção de destruir provas forenses. Ambos foram presos e aguardavam julgamento.

No dia 26 de julho, dois adolescentes baianos apedrejaram Guilherme de Souza e levaram seu corpo inconsciente para uma casa abandonada, que incendiaram. Poucas horas depois de cometido o crime, a polícia prendeu os suspeitos, um dos quais confessou ter premeditado o crime porque se ofendeu quando a vítima, que era homossexual, flertou com ele.

Nenhuma lei específica proíbe a discriminação contra pessoas LGBTI em bens e serviços essenciais, como cuidados de saúde. Em junho de 2019, no entanto, a Suprema Corte criminalizou a discriminação com base na orientação sexual e identidade de gênero. Os infratores podem ser sentenciados a penas de um a três anos de prisão e multa, ou de dois a cinco anos de prisão e multa, se houver ampla cobertura da imprensa sobre o incidente.

As ONGs citaram a falta de oportunidade econômica para pessoas LGBTI como uma preocupação. De acordo com a ONG Grupo Gay da Bahia, 33% das empresas evitaram contratar funcionários LGBTI e 90% das mulheres trans sobreviveram à prostituição porque não encontraram alternativa de emprego. As mulheres transexuais costumam pagar aos traficantes por proteção e taxas diárias de moradia. Quando não puderam pagar, foram espancadas, passaram fome e foram forçadas a fazer sexo comercial. Os traficantes exploram mulheres transgênero brasileiras, atraindo-as com ofertas de cirurgia de mudança de sexo e depois explorando-as no tráfico sexual quando não podem pagar o custo do procedimento.

De acordo com alguns líderes LGBTI, a pandemia COVID-19 limitou severamente o acesso da população LGBTI aos recursos de saúde pública e saúde mental, e muitos estavam em situações domésticas abusivas com famílias que não os apoiavam. De acordo com algumas fontes da sociedade civil, os trabalhadores LGBTI, que tinham maior probabilidade de trabalhar na economia informal, perderam seus empregos a uma taxa muito maior do que a população em geral durante a pandemia.

ESTIGMA SOCIAL DO HIV E AIDS

A lei de discriminação contra pessoas com HIV ou AIDS prevê penalidade de até quatro anos de detenção e multa. Em 8 de maio, o Supremo Tribunal Federal derrubou uma regulamentação do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária que proibia homens que faziam sexo com outros homens de dar sangue por 12 meses, encerrando o tempo de espera.

Organizações da sociedade civil e a imprensa relataram discriminação contra pessoas com HIV ou AIDS. De acordo com um ativista LGBTI, embora o governo fornecesse tratamento acessível para o HIV por meio do Instituto Nacional de Doenças Infecciosas, muitas pessoas soropositivas não acessaram o serviço porque não sabiam de sua existência ou não entendiam a burocracia necessária para participar do programa.

OUTRAS VIOLÊNCIAS OU DISCRIMINAÇÃO CONTRA A SOCIEDADE

Organizações de tráfico de drogas e outros grupos contribuíram para a violência ou discriminação social. Houve evidências de que essas organizações participaram da justiça vigilante, realizando “julgamentos” e executando pessoas acusadas de delitos. Normalmente, a vítima era sequestrada sob a mira de uma arma e levada a um tribunal de membros de gangues, que então a torturavam e executavam.

No dia 16 de julho, a polícia de São Paulo prendeu seis homens suspeitos de fazerem parte da chamada Vara Criminal do PCC. Eles eram suspeitos de cometer execuções em série a mando da facção na região sul da capital. De acordo com relatos da imprensa, a polícia acredita que os suspeitos mataram quatro pessoas e as enterraram em sepulturas não identificadas.

Nas comunidades do Rio de Janeiro, os chamados grupos de milícias, muitas vezes compostos de policiais fora de serviço e ex-policiais, supostamente fizeram o policiamento com as próprias mãos. Muitos grupos de milícias intimidaram residentes e conduziram atividades ilegais, como extorquir dinheiro de proteção e fornecimento de serviços públicos pirateados. Os grupos também exploravam atividades relacionadas ao mercado imobiliário e à venda de drogas e armas.

Em março, membros de uma quadrilha do narcotráfico que controlava a comunidade Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, ordenaram que os moradores permanecessem em casa após as 20h, na tentativa de impedir a disseminação da COVID-19. Eles postaram um vídeo na rede social dizendo: “qualquer pessoa encontrada andando na rua será punida”. A quadrilha disse aos moradores que haviam imposto o toque de recolher “porque ninguém estava levando [o coronavírus] a sério”. Em áreas controladas por grupos de milícias, como a Praça Seca, na parte oeste da cidade, os milicianos também proibiram o funcionamento de pequenos bares na área e informaram aos moradores que eles deveriam permanecer dentro de casa.

A. LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO E DIREITO À NEGOCIAÇÃO COLETIVA

A lei prevê a liberdade de associação para todos os trabalhadores (exceto militares, policiais militares e bombeiros); o direito de negociar coletivamente com algumas restrições; e o direito de greve. A lei limita a organização no nível empresarial. Por lei, as forças armadas, a polícia militar e os bombeiros não podem usar a força. A lei proíbe a discriminação antissindical, inclusive a demissão de funcionários que são candidatos ou titulares de cargos de liderança sindical, e exige que os empregadores reintegrem os trabalhadores despedidos por atividades sindicais.

Os novos sindicatos devem se cadastrar no Ministério da Economia, que aceita o registro, a menos que objeções sejam apresentadas por outros sindicatos. A lei estipula certas restrições, como a unicidade (em essência, um sindicato por categoria ocupacional por cidade), que limita a liberdade de associação ao proibir múltiplos sindicatos concorrentes da mesma categoria profissional em uma única área geográfica. Sindicatos que representam trabalhadores na mesma área geográfica e categoria profissional podem contestar o registro.

A lei estipula que uma greve pode ser considerada “perturbadora” pela justiça do trabalho, e o sindicato pode estar sujeito a penalidades legais se a greve violar certas condições, como se o sindicato deixar de manter serviços essenciais durante uma greve, notifique os empregadores pelo menos 48 horas antes do início de uma greve, ou encerrar uma greve após uma decisão da justiça do trabalho. Os empregadores não podem contratar substitutos durante uma greve legal ou demitir trabalhadores por atividades relacionadas à greve, desde que a greve não seja considerada abusiva.

A lei obriga o sindicato a negociar em nome de todos os trabalhadores registrados na categoria profissional e área geográfica que representa, independentemente de o trabalhador pagar ou não uma quota de filiação voluntária. A lei permite que o governo rejeite cláusulas de acordos de negociação coletiva que entrem em conflito com a política governamental. Uma lei de 2017 inclui novos direitos de negociação coletiva, como a capacidade de negociar um horário flexível e trabalhar remotamente.

A liberdade de associação e o direito à negociação coletiva foram respeitados no geral. A negociação coletiva foi generalizada nos estabelecimentos do setor privado. As organizações de trabalhadores eram independentes do governo e dos partidos políticos. Na opinião de ONGs especializadas que trabalham neste campo, o governo geralmente aplica as leis vigentes de forma eficaz e as penalidades são proporcionais às de outras leis que envolvem negações de direitos civis, como a discriminação.

B. PROIBIÇÃO DE TRABALHO FORÇADO OU OBRIGATÓRIO

A lei proíbe o “trabalho escravo”, definido como “reduzir alguém a uma condição análoga à escravidão”, inclusive sujeitar alguém a trabalho forçado, servidão por dívida, jornada exaustiva de trabalho e trabalho realizado em condições degradantes de trabalho.

Muitos indivíduos com trabalho escravo, conforme definido pela legislação do país, foram vítimas de tráfico de pessoas para fins de exploração laboral. O governo tomou medidas para cumprir a lei, embora o trabalho forçado tenha ocorrido em vários estados. As violações das leis de trabalho forçado são puníveis com até oito anos de prisão, mas muitas vezes não era suficiente para deter as violações. A lei também prevê penalidades para vários crimes relacionados ao trabalho forçado, como recrutamento ou transporte ilegal de trabalhadores ou imposição de dívidas onerosas como condição de emprego. A cada seis meses, o Ministério da Economia publica uma “lista suja” de empresas que empregaram trabalho forçado. Em abril, a lista atualizada incluiu 41 novas empresas e proprietários de diversos setores, como café, mineração e barcos de pesca. A lista é usada por bancos públicos e privados para realizar avaliações de risco e a inclusão na lista impede que as empresas recebam empréstimos de instituições financeiras estatais. O Ministério Público do Trabalho, em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), mantinha uma plataforma online que identificava os focos de trabalho forçado. Em julho, o Ministério Público do Trabalho anunciou que começaria a publicar uma lista separada de pessoas físicas e jurídicas condenadas por tráfico de pessoas e trabalho escravo.

As equipes da Unidade Móvel de Inspeção do Trabalho do Ministério da Economia realizaram inspeções improvisadas em propriedades onde havia suspeita ou denúncia de trabalho forçado, utilizando equipes compostas por fiscais do trabalho, procuradores do Ministério Público do Trabalho e policiais federais. As equipes móveis impuseram multas aos proprietários de terras que usaram trabalho forçado e exigiram que os empregadores pagassem em atraso e benefícios aos trabalhadores antes de devolvê-los aos seus municípios de origem. Os inspetores do trabalho e promotores, no entanto, só podiam aplicar penalidades civis; consequentemente, muitos casos não foram processados criminalmente.

Trabalho forçado, inclusive trabalho infantil forçado, foi relatado em empregos como desmatamento para fornecer pastagens para gado, extração de madeira, produção de carvão, criação de gado e outras atividades agrícolas. O trabalho forçado muitas vezes envolvia homens jovens oriundos de estados menos desenvolvidos do Nordeste – Maranhão, Piauí, Tocantins e Ceará – e do estado de Goiás para trabalhar nas regiões norte e centro-oeste do país. Além disso, houve relatos de trabalho forçado na indústria da construção. Os meios de comunicação relataram casos que representaram trabalho forçado na produção de cera de carnaúba. Casos de trabalho forçado também foram relatados na indústria de confecções da cidade de São Paulo; as vítimas geralmente eram de países vizinhos, especialmente Bolívia, Peru e Paraguai, enquanto outras vinham do Haiti, Coreia do Sul e China.

A imprensa também relatou casos de trabalho forçado de trabalhadores domésticos em famílias urbanas ricas. Em junho, as autoridades descobriram uma mulher de 61 anos trabalhando como empregada doméstica em condições de trabalho forçado para uma família rica em um bairro rico de São Paulo. De acordo com relatos da imprensa, ela trabalhava sem o salário adequado, e às vezes sem salário, para a família desde 1998. Depois que vários meios de comunicação informaram que a empregadora era uma executiva da Avon, a empresa de cosméticos a demitiu e postou nas redes sociais que forneceriam moradia para a vítima, que também receberia seguro-desemprego do governo. O casal acusado foi preso e depois libertado sob fiança. Todas as suas contas bancárias e ativos foram congelados.

Em 2019, as autoridades realizaram 45 inspeções trabalhistas e identificaram 1.054 vítimas de trabalho escravo, inclusive 20 crianças vítimas de trabalho escravo, quando comparado a 44 inspeções trabalhistas, a identificação de 1.745 vítimas de trabalho escravo, com 28 crianças vítimas de trabalho escravo em 2018. Os órgãos emitiram sanções administrativas a 106 empregadores culpados de trabalho escravo, quando comparado com 100 empregadores em 2018. Entre janeiro e junho, os fiscais do trabalho do estado do Ceará receberam 26 denúncias de trabalho infantil, um aumento de 62% em relação ao mesmo período de 2019. Na visão de ONGs especializadas que trabalham nessa área, as penas para o trabalho escravo não eram proporcionais às de outros crimes graves análogos, como sequestro.

Consulte o Relatório sobre Tráfico de Pessoas do Departamento de Estado em https://www.state.gov/trafficking-in-persons-report/.

C. PROIBIÇÃO DE TRABALHO INFANTIL E IDADE MÍNIMA DE EMPREGO

A lei proíbe todas as piores formas de trabalho infantil. As proibições contra o tráfico sexual infantil exigem o uso de ameaças, violência, coerção, fraude ou abuso, o que não atende aos padrões internacionais. A idade mínima para trabalhar é 16 anos, mas os estágios podem começar aos 14 anos. A lei proíbe todos os menores de 18 anos de trabalhar que constitua um desgaste físico ou ocorra em condições insalubres, perigosas ou moralmente prejudiciais. O trabalho perigoso inclui uma longa lista de atividades em 13 categorias ocupacionais, entre elas o serviço doméstico, coleta de lixo e produção de fertilizantes. A lei exige a permissão dos pais para que os menores trabalhem como aprendizes.

Em 28 de junho, um tribunal superior decidiu que os anos trabalhados com trabalho infantil na área rural seriam computados para o mínimo necessário para o recebimento do benefício de aposentadoria. O tribunal destacou que, embora o trabalho infantil seja ilegal, seria injusto não contar os anos trabalhados em condições tão prejudiciais.

O Grupo de Inspeção Móvel Especial do Ministério da Economia é responsável por inspecionar os locais de trabalho para aplicar as leis contra o trabalho infantil. As penalidades foram insuficientes para deter as violações. A maior parte das inspeções de crianças no local de trabalho foi motivada por queixas apresentadas por trabalhadores, professores, sindicatos, ONGs e imprensa. Devido a restrições legais, os inspetores do trabalho permaneceram impedidos de entrar em residências e fazendas, onde grande parte do trabalho infantil supostamente ocorria. O governo não cumpriu a lei de forma eficaz. Na visão de ONGs especializadas que trabalham nessa área, as penas para o trabalho escravo não eram proporcionais às de outros crimes graves análogos, como sequestro. Entre março e maio, quando a maior parte dos estados estava sob medidas obrigatórias de distanciamento social, os inspetores do trabalho descobriram 63 casos de trabalho infantil, quando comparado com 176 no mesmo período de 2019. Em 3 de junho, as autoridades trabalhistas usaram a música hip-hop para aumentar a conscientização sobre o trabalho infantil durante uma campanha nacional para abordar a preocupação de que a pandemia da COVID-19 e as consequências econômicas poderiam empurrar mais adolescentes para situações de trabalho exploradoras. Os rappers Emicida e Drik Barbosa apresentaram a música-tema da campanha, que foi compartilhada em um podcast semanal e em 12 vídeos nas redes sociais sobre escravidão infantil.

Consulte também as conclusões do Departamento de Trabalho sobre as Piores Formas de Trabalho Infantil em https://www.dol.gov/agencies/ilab/resources/reports/child-labor/findings.

D. DISCRIMINAÇÃO COM RESPEITO AO EMPREGO E OCUPAÇÃO

As leis e regulamentos trabalhistas proíbem a discriminação com base em raça, sexo, gênero, deficiência, religião, opinião política, origem natural ou cidadania, idade, idioma e orientação sexual ou identidade de gênero. As penas eram proporcionais às aplicadas a outros crimes graves análogos, como o sequestro. A discriminação contra indivíduos que são HIV-positivos ou sofrem de outras doenças transmissíveis também é proibida. O governo em geral aplicou as leis e regulamentos, embora a discriminação no emprego tenha ocorrido com relação a afro-brasileiros, mulheres, pessoas com deficiência, indígenas e pessoas trans. O Ministério da Economia implementou regras para integrar a promoção da igualdade racial em seus programas, inclusive a exigência de que a raça seja incluída nos dados dos programas financiados pelo ministério. De acordo com a OIT, as mulheres não só ganhavam menos que os homens, mas também tinham dificuldades para entrar no mercado de trabalho: 78% dos homens tinham empregos remunerados, quando comparado com 56% das mulheres. Embora a lei proíba a discriminação de gênero no pagamento, treinamento profissional, jornada de trabalho, ocupações, tarefas e progressão na carreira, de acordo com representantes de ONGs, a lei raramente era aplicada e havia discriminação.

E. CONDIÇÕES DE TRABALHO ACEITÁVEIS

A lei prevê um salário mínimo. O salário mínimo era maior que o nível oficial de renda de pobreza. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, porém, em 2018 a renda per capita de aproximadamente 60% dos trabalhadores era inferior a um salário mínimo. O Ministério da Economia verificou a aplicação das leis do salário mínimo como parte das inspeções regulares do trabalho. As penalidades foram insuficientes para deter as violações.

A lei limita a jornada de trabalho a 44 horas e especifica um período de descanso semanal de 24 horas consecutivas, preferencialmente aos domingos. A lei também prevê férias anuais remuneradas, proíbe horas extras compulsórias excessivas, limita as horas extras a duas horas por dia de trabalho e estipula que as horas trabalhadas acima do limite mensal devem ser compensadas com, no mínimo, hora e meia; essas disposições geralmente eram aplicadas a todos os grupos de trabalhadores do setor formal. A constituição também prevê o direito dos empregados domésticos de trabalhar, no máximo, oito horas por dia e 44 horas por semana, com salário mínimo, intervalo para almoço, previdência social e verbas rescisórias.

O Ministério da Economia estabelece padrões ocupacionais, de saúde e segurança que são consistentes com as normas internacionalmente reconhecidas, embora condições de trabalho inseguras prevalecessem em todo o país, especialmente na construção. A lei prevê que os empregadores estabeleçam comitês internos de prevenção de acidentes nos locais de trabalho. Prevê, ainda, a proteção de funcionários contra demissão por atividades no comitê. Os trabalhadores podiam sair de situações que colocavam em risco sua saúde ou segurança sem prejudicar seu emprego, embora aqueles em situação de trabalho forçado sem acesso a transporte fossem especialmente vulneráveis a situações que colocavam em risco sua saúde e segurança. Na opinião de ONGs especializadas que trabalham neste campo, os funcionários aplicaram as leis de segurança e saúde do trabalho (SST). As penalidades por transgressão da lei de SST foram proporcionais às de outros tipos penais, como a negligência. Os fiscais têm autoridade para fazer inspeções sem aviso prévio e aplicar sanções.

O Ministério da Economia abordou os problemas relacionados às condições aceitáveis de trabalho, como longos dias de trabalho e condições de trabalho inseguras ou anti-higiênicas. As penalidades por transgressões incluem multas que variam muito, dependendo da natureza da violação. As multas eram geralmente aplicadas e às vezes suficientes para impedir as violações. Ao longo do ano, a Escola Nacional de Inspeção do Trabalho realizou várias ações de formação virtual para inspetores do trabalho. O número de fiscais do trabalho foi insuficiente para deter as violações.