Texto referente ao Brasil no Relatório sobre Tráfico de Pessoas (TIP) 2015

Brasil – Nível 2

O Brasil é um país de origem, trânsito e destino de homens, mulheres e crianças submetidos ao tráfico sexual e ao trabalho forçado. Mulheres e crianças brasileiras são exploradas pelo tráfico sexual no país, e a Polícia Federal relata índices mais altos de prostituição infantil nas regiões Norte e Nordeste. Mulheres brasileiras são traficadas para o exterior para serem exploradas sexualmente, quase sempre na Europa Ocidental. Mulheres e meninas de outros países sul-americanos, como o Paraguai, são exploradas pelo tráfico sexual no Brasil. Transgêneros brasileiros são forçados à prostituição no Brasil. Homens e transgêneros brasileiros tem sido explorados pelo tráfico sexual na Espanha e na Itália. O turismo sexual infantil continua sendo um problema, em especial nas áreas costeiras e em complexos turísticos; muitos turistas em busca de sexo com crianças são provenientes da Europa. A lei brasileira define trabalho escravo como trabalho forçado ou trabalho realizado em jornadas exaustivas ou condições degradantes. Embora nem todas as pessoas em situação de trabalho escravo sejam vítimas de trabalho forçado, muitas delas são. Alguns homens brasileiros, e em menor grau mulheres e crianças, são submetidos a trabalho escravo e servidão por dívida em áreas rurais – na pecuária, agricultura, produção de carvão, extração de madeira e mineração. A exploração de trabalhadores às vezes está ligada a danos ambientais e desmatamento, em particular na Região Amazônica. Brasileiros também são encontrados em situação de trabalho escravo em áreas urbanas – na construção civil, em fábricas, restaurantes e no setor de hospitalidade. Fiscais do Trabalho identificaram a utilização de trabalho escravo por subempreiteiros na construção de habitações subsidiadas por um programa governamental. O Brasil é destino de homens, mulheres e crianças de outros países – como Bolívia, Paraguai, Haiti e China – submetidos a trabalho forçado e servidão por dívida em vários setores, como construção civil, indústria têxtil, em especial em São Paulo, e pequenas empresas. Mulheres e crianças brasileiras – 250 mil crianças são empregadas no serviço doméstico no Brasil – e meninas de outros países da região são exploradas na servidão doméstica. Alguns brasileiros vítimas do tráfico são forçados a participar de atividades criminosas no Brasil e em países vizinhos, inclusive tráfico de drogas. Vítimas brasileiras de trabalho forçado foram identificadas em outros países, inclusive na Europa. ONGs e autoridades informam que alguns policiais toleram a prostituição infantil, frequentam bordéis e roubam e agridem prostitutas, dificultando a identificação proativa das vítimas de tráfico sexual. Autoridades e ex-autoridades governamentais foram investigadas e processadas por trabalho escravo.

O governo brasileiro não está em total conformidade com os padrões mínimos para a eliminação do tráfico, embora esteja envidando esforços significativos para tanto. O governo melhorou a coleta de dados sobre identificação de vítimas, reforçou as penas de traficantes de crianças para exploração sexual e deu continuidade aos esforços de conscientização. As leis brasileiras que proíbem o tráfico não estão alinhadas com o Direito Internacional, o que dificulta a avaliação precisa dos esforços do governo. A maioria dos casos leva muitos anos para chegar às condenações finais, e o número de condenações relatadas foi baixo dada a dimensão do problema do tráfico. O financiamento e a prestação de serviços especializados do governo para as vítimas foi insuficiente; as autoridades confirmaram ter fornecido serviços apenas para uma pequena parcela das possíveis vítimas identificadas.

Recomendações sobre o Brasil:

Aumentar os esforços para investigar e processar crimes de tráfico e condenar e sentenciar traficantes, inclusive aqueles que praticam tráfico sexual dentro do país não envolvendo deslocamento, e também autoridades cúmplices; em parceria com a sociedade civil, destinar mais verbas para serviços especializados e abrigos às vítimas de tráfico sexual e trabalho forçado; investigar, processar e sentenciar com rigor pessoas envolvidas com prostituição de crianças, inclusive com turismo sexual infantil; alterar a legislação para harmonizar a definição de tráfico com o Protocolo TIP da ONU de 2000 e estabelecer penas suficientemente rigorosas para os traficantes; verificar por meio de supervisão constante se as vítimas de tráfico sexual e de mão de obra são encaminhadas para serviços abrangentes e se os profissionais que trabalham em centros de serviços sociais têm recursos e capacitação para prestar atendimento especializado, como assistência ao emprego; aumentar a supervisão dos conselhos tutelares municipais para que crianças vítimas de tráfico recebam serviços especializados e acompanhamento de caso; melhorar a coleta oportuna de dados sobre processos, condenações e identificação e atendimento de vítimas; aumentar a equipe encarregada de identificar de forma proativa vítimas de tráfico sexual e servidão doméstica; financiar a reprodução em outros estados do programa de capacitação profissional de Mato Grosso para trabalhadores libertados; e aumentar a colaboração entre entidades governamentais envolvidas no combate às diferentes formas de tráfico.

As autoridades brasileiras mantiveram os esforços de aplicação da lei contra o tráfico, embora a falta de uma lei unificada contra o tráfico de pessoas e de dados abrangentes tenha dificultado a avaliação desses esforços. As leis brasileiras proíbem a maioria das formas de tráfico de pessoas. Os Artigos 231 e 231-A do Código Penal proíbem respectivamente o tráfico internacional e interno de pessoas para fins de exploração sexual, mas somente se envolver deslocamento, sendo que violência, ameaça ou fraude constituem elementos agravantes do crime e não elementos necessários do crime. Esses artigos estabelecem penas de dois a oito anos de reclusão, penas suficientemente severas, mas não proporcionais àquelas previstas para outros crimes graves, como estupro. As leis são incompatíveis com o Direito Internacional porque o crime do tráfico inclui o deslocamento como elemento necessário e também proíbe fazer o deslocamento de uma pessoa para fins de prostituição. Foram investigados e abertos processos de tráfico sexual que não envolveram deslocamento com base em outras leis, como as relacionadas com lenocínio ou exploração sexual. As autoridades aumentaram as penas para exploração sexual comercial de crianças em 2014. O Artigo 149 do Código Penal proíbe o trabalho escravo ou reduzir alguém a condição análoga à de escravo, estabelecendo penas de dois a oito anos de reclusão. O Artigo 149 vai além das situações em que as pessoas são mantidas no serviço com o uso de força, fraude ou coerção para criminalizar outros tratamentos, como submeter trabalhadores a jornada exaustiva ou condições degradantes de trabalho. O Artigo 149 não criminaliza de maneira adequada a coerção não física, como a prática de ameaçar vítimas estrangeiras de deportação a menos que continuem a trabalhar. Foi enviado ao Congresso um projeto de lei para harmonizar a definição de tráfico com o Protocolo TIP da ONU de 2000.

Como as leis brasileiras que tratam do tráfico também criminalizam crimes não relacionados com o tráfico e outras leis podem ter sido usadas para processar e condenar traficantes, não se teve informações sobre o total de investigações, processos e condenações de tráfico. Em 2014, as autoridades informaram investigações policiais de 75 casos e 5 novos processos nos termos do Artigo 231; 9 investigações e 2 novos processos nos termos do Artigo 231-A; e 290 investigações novas ou existentes nos termos do Artigo 149, mas não informaram o número de processos iniciados nos termos do Artigo 149. Para efeito de comparação, em 2013 as autoridades informaram investigações policiais de 77 casos e 16 processos nos termos do Artigo 231; 12 investigações e 8 processos nos termos do Artigo 231-A; e 185 investigações e 101 processos nos termos do Artigo 149. A maioria dos criminosos de tráfico sexual e de mão de obra condenada por tribunais de primeira instância recorreu das condenações e aguardou em liberdade. Esses processos judiciais duram anos, e os atrasos dificultam a responsabilização dos traficantes. As sentenças emitidas de acordo as leis do tráfico foram cumpridas sem rigor. Com base em dados incompletos, em 2014 os tribunais federais de recursos mantiveram as condenações de nove traficantes internacionais de sexo em dois casos e quatro traficantes de mão de obra, em comparação com sete traficantes de sexo e cinco traficantes de mão de obra em 2013. As autoridades não relataram nenhuma condenação definitiva para casos envolvendo vítimas crianças. Os traficantes de sexo condenados em 2014 receberam penas de prisão variando de um ano a oito anos e dez meses; no entanto, a maioria dos traficantes condenados cumpriu essas penas em prisão domiciliar ou passando apenas a noite na prisão e livre durante o dia. As penas impostas para traficantes de mão de obra condenados não foram informadas. Pesquisa realizada no estado de São Paulo constatou apenas três condenações por trabalho escravo determinadas por tribunal de instância inferior e nenhuma por tráfico sexual entre os 171 casos de tráfico registrados com promotores criminais até setembro de 2014. Em 87% dos casos, as acusações criminais foram retiradas.

Os esforços de aplicação da legislação contra o tráfico de pessoas foram desarticulados devido às diferentes leis e entidades governamentais envolvidas. As unidades responsáveis pela aplicação da lei demandaram mais recursos, especialistas e pessoal para investigar o tráfico, e a conscientização do tráfico entre os agentes da lei foi baixa. As autoridades relataram obstáculos burocráticos, como a impossibilidade de investigar empresas por tráfico sexual sem denúncias oficiais. As autoridades criaram comissões judiciais nacionais e estaduais para melhorar a resposta do Judiciário ao tráfico. A capacitação dos agentes da lei continuou irregular, em especial para policiais estaduais, embora as autoridades tenham relatado a introdução de capacitação obrigatória em combate ao tráfico para novos policiais federais. As unidades móveis de combate ao trabalho escravo do Ministério do Trabalho libertaram trabalhadores e exigiram que os responsáveis pela exploração pagassem multas. Fiscais e procuradores do Trabalho só podem aplicar penalidades civis, e muitos casos de trabalho escravo não foram processados criminalmente. Pressões políticas locais, ameaças de proprietários de terra, falta de fiscais do Trabalho ou policiais e a distância das propriedades prejudicaram algumas investigações. As autoridades consideraram a servidão doméstica particularmente difícil de ser identificada e investigada.

Não foi informada nenhuma nova investigação de autoridades cúmplices em 2014. Um ex-prefeito de uma cidade do estado do Amazonas foi condenado por um tribunal de instância inferior por promover a prostituição infantil e preso enquanto recorria da condenação. As autoridades não informaram ter tomado medidas contra os juízes que intencionalmente retardaram a investigação desse ex-prefeito em 2013. O governo não informou progressos nos casos de 2013 sobre um juiz do estado da Bahia supostamente envolvido em tráfico sexual e policiais do Rio de Janeiro supostamente envolvidos na operação de um bordel. O Tribunal Superior do Trabalho considerou um deputado culpado de trabalho escravo e o multou por dano moral coletivo, mas absolveu outro congressista do mesmo crime. O Supremo Tribunal Federal arquivou os inquéritos referentes a trabalho escravo contra sete membros do Congresso depois de não terem sido reeleitos.

O governo fez progressos desiguais nos esforços de proteção às vítimas. Uma publicação do governo forneceu orientação sobre como identificar e assistir possíveis vítimas de tráfico, mas muitas autoridades não possuíam ou não implementaram essa orientação e não tiveram diretrizes para classificar as populações vulneráveis segundo indicadores de tráfico. As entidades governamentais usaram diferentes definições para o tráfico, dificultando a avaliação da identificação das vítimas e os esforços de assistência. Os governos estaduais operaram 16 escritórios de combate ao tráfico, com níveis variados de eficácia. Esses escritórios melhoraram os esforços de coleta de dados, embora a existência de dados não confiáveis tenha continuado um problema. Os escritórios de combate ao tráfico e três escritórios que ajudam imigrantes em aeroportos informaram a existência de 85 possíveis vítimas de tráfico sexual e 844 possíveis vítimas de tráfico de mão de obra no primeiro semestre de 2014, além de 81 possíveis vítimas de tráfico sexual e 1.185 possíveis vítimas de tráfico de mão de obra no segundo semestre; em alguns casos as mesmas vítimas foram contadas duas vezes. Muitas das possíveis vítimas de tráfico de mão de obra foram identificadas por unidades móveis de inspeção do Ministério do Trabalho, que identificaram e libertaram 1.509 trabalhadores em situação de trabalho escravo em 2014. As autoridades não informaram o número total de vítimas de servidão doméstica nem de exploração sexual comercial de crianças identificadas em 2014.

O governo federal não financiou abrigos nem serviços especializados para vítimas de tráfico. Os serviços e abrigos para as vítimas variaram de qualidade de estado para estado e em geral continuaram inadequados e recebendo recursos insuficientes. Os escritórios de combate ao tráfico foram responsáveis pelo encaminhamento das vítimas aos serviços, mas as autoridades não informaram quantas vítimas esses escritórios encaminharam para os serviços. O governo operou centros especializados de serviços sociais em todo o país, onde psicólogos e assistentes sociais prestaram assistência a pessoas vulneráveis. Somente 557 centros (23%) tinham certificação para prestar assistência às vítimas de tráfico, e muitos centros não receberam recursos suficientes. As autoridades em geral não encaminharam pessoas em situação de trabalho escravo para esses centros. Em 2013, o último ano para o qual havia números disponíveis, esses centros informaram ter atendido 292 vítimas de tráfico; as autoridades não informaram a idade ou o sexo de 228 dessas vítimas, mas informaram ter prestado assistência a 12 meninas, 10 mulheres, 10 meninos e 32 homens. Não foram prestados serviços especializados para vítimas de tráfico sexual do sexo masculino e transgêneros. O governo não financiou abrigos de longo prazo para vítimas de tráfico. O estado de São Paulo inaugurou um abrigo temporário para refugiados e vítimas de tráfico em outubro de 2014, mas não informou quantas vítimas ficaram no abrigo. As autoridades não informaram quantas vítimas crianças foram encaminhadas para centros de serviço social em 2014, e faltaram abrigos especializados para crianças vítimas de tráfico sexual. ONGs e autoridades informaram que os conselhos tutelares municipais em geral não contaram com especialistas nem com recursos para identificar corretamente crianças vítimas de tráfico e encaminhá-las para os serviços.

O governo pagou às pessoas resgatadas do trabalho escravo os salários atrasados mais três meses de salário mínimo e forneceu transporte para casa, benefício que as vítimas de tráfico sexual não receberam. Embora os procuradores do Trabalho tenham concedido a alguns trabalhadores compensação com as multas aplicadas contra os empregadores, em alguns casos as autoridades não protocolaram essas indenizações, e em outros as vítimas não receberam porque os empregadores não pagaram as multas. As autoridades não informaram o valor dos salários atrasados devidos aos trabalhadores resgatados em 2014. Mato Grosso foi o único estado a financiar um programa de capacitação profissional para trabalhadores escravos libertados. A maioria dos trabalhadores escravos resgatados continuou vulnerável para ser traficada novamente devido às poucas alternativas de emprego e à falta de assistência adequada. Algumas vítimas relutaram em prestar depoimento por temer represálias dos traficantes. As vítimas de tráfico sexual puderam receber proteção de curto prazo pelo programa de proteção a testemunhas, mas as autoridades não informaram quantas vítimas receberam proteção em 2014. Não houve relatos de que as vítimas tenham sido penalizadas por atos ilegais que tenham cometido como resultado da situação de tráfico a que foram submetidas, embora em anos anteriores policiais tenham deportado cidadãos estrangeiros encontrados em situação de trabalho escravo. A ouvidoria do governo recomendou que vítimas estrangeiras recebessem status de refugiado, embora as autoridades não tenham informado quantas vítimas receberam esse status em 2014.

 

O governo deu continuidade aos esforços de prevenção, mas a coordenação entre as iniciativas voltadas para as diferentes formas de tráfico foi irregular. O Comitê Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas contou com a participação de ONGs e autoridades e manteve uma comissão separada para erradicar o trabalho escravo. As autoridades divulgaram dois relatórios em 2014 sobre os esforços para implementar o plano 2013-2016 para o tráfico com deslocamento. A maioria dos ministérios federais informou que os orçamentos reduzidos limitaram sua capacidade de implementar o plano. Os escritórios estaduais de combate ao trafico muitas vezes não contaram com recursos humanos e orçamentos suficientes, e a coordenação entre os órgãos foi fraca em vários estados. Entidades federais, estaduais e municipais realizaram iniciativas de combate ao tráfico e esforços de conscientização. O Ministério do Trabalho publicou uma lista identificando pessoas físicas e jurídicas responsáveis por situações de trabalho escravo; algumas empresas entraram com processos para serem retiradas da lista. A lista de julho de 2014 citou 609 empregadores que tiveram acesso negado a linhas crédito por instituições financeiras públicas e privadas devido a essa designação. O Supremo Tribunal Federal determinou, em caráter temporário, a proibição da publicação da lista em dezembro de 2014, e reportagens do início de 2015 indicaram que grandes bancos e outras instituições que anteriormente não concediam crédito a empresas com base nessa lista começaram a fazê-lo. A legislação do estado de São Paulo penaliza empresas que fazem uso de trabalho escravo em sua cadeia de fornecimento. As autoridades deram continuidade a campanhas de conscientização no esforço para reduzir a demanda pela exploração sexual comercial de crianças. As autoridades não informaram novos processos, investigações ou condenações de turistas em busca de sexo com crianças em 2014. Não houve informações sobre progressos no processo em andamento de um caso investigado inicialmente em 2007 envolvendo uma empresa de turismo de pesca que levou cidadãos americanos para participar de turismo sexual infantil com meninas indígenas no estado do Amazonas. As tropas militares brasileiras receberam treinamento em combate ao tráfico antes de serem destacadas para o exterior em missões internacionais de manutenção da paz. O governo forneceu treinamento ou orientação antitráfico para seu corpo diplomático.