Texto referente ao Brasil no Relatório sobre Tráfico de Pessoas (TIP) 2020

Brasil (Tier 2)

O governo brasileiro não atende totalmente às normas mínimas para a eliminação do tráfico, mas vem se empenhando significativamente. O governo demonstrou crescente empenho do ponto de vista global em comparação com o período do relatório anterior; portanto, o país permaneceu no Tier 2. Entre os esforços, estão um número cada vez maior de inquéritos e condenações contra traficantes, a identificação de mais vítimas, maior cooperação entre órgãos para melhorar o compartilhamento de dados e a criação de uma nova lista divulgando o nome de condenados por tráfico para trabalho forçado. Contudo, o governo não cumpriu as normas mínimas em várias áreas fundamentais, os mecanismos de proteção para vítimas de tráfico permaneceram desarticulados e inadequados, as autoridades não relataram o número total de condenações e as autoridades continuaram punindo a maioria dos traficantes de trabalho com penas administrativas ao invés do cárcere. O governo penalizou as vítimas de tráfico por crimes cometidos em virtude de sua situação de tráfico, e as autoridades em estados populosos não identificaram proativamente aquelas vítimas de tráfico sexual, inclusive entre populações altamente vulneráveis, como crianças e pessoas LGBTI.

Oferecer abrigo e assistência especializada às vítimas de tráfico sexual e trabalho forçado. Identificar proativamente e investigar vigorosamente os casos de tráfico sexual, inclusive turismo sexual infantil. Processar e condenar traficantes de trabalho forçado em varas criminais e acabar com o uso de remédios de baixo impacto para os crimes de tráfico de pessoas, em que se possa punir traficantes com penas de prisão significativas. Capacitar agentes de repressão ao crime na identificação de vítimas para impedir a penalização das mesmas por atos ilegais que os traficantes as obriguem a cometer. Aumentar o número de delegacias de combate ao tráfico, principalmente nos estados onde há maior vulnerabilidade e o tráfico é predominante ou crescente, como Mato Grosso do Sul, Piauí, Rondônia, Roraima e Santa Catarina. Processar e condenar autoridades cúmplices no tráfico. Melhorar os esforços de coordenação interinstitucional, federal e estadual para combater o tráfico, inclusive entre as forças policiais. Alterar a lei de combate ao tráfico de 2016 para tipificar como crime o tráfico sexual de crianças sem elementos de força, fraude ou coerção, de acordo com o Protocolo TIP da ONU do ano 2000. Alocar recursos aos conselhos tutelares locais para aumentar os serviços especializados para vítimas de tráfico de crianças, inclusive assistência para gestão dos casos. Desenvolver um protocolo de identificação de vítimas para a polícia sobre indicadores de tráfico e identificação proativa de vítimas e treiná-la sobre seu uso. Ampliar e financiar esforços para aumentar a conscientização sobre o tráfico em meios como a televisão, mídia social e impressa, bem como campanhas que incluam o turismo sexual infantil nas rodovias onde prevalece o tráfico de pessoas. Compilar dados abrangentes sobre a identificação de vítimas, a assistência prestada, investigações, processos e condenações nos níveis federal e estadual, desagregados entre os casos de sexo e tráfico de trabalho forçado. Implementar o terceiro plano de ação nacional. Fortalecer o mandato do Comitê Nacional de Combate ao Tráfico de Pessoas (CONATRAP) no sentido de auxiliar no desenvolvimento de delegacias de combate ao tráfico em todos os estados, inclusive aqueles com pouco orçamento e alta prevalência de tráfico. Atualizar as orientações do mecanismo de encaminhamento a fim de refletir as disposições cobertas pela lei de combate ao tráfico de pessoas de 2016.

O governo manteve esforços mistos de aplicação da lei. A lei 13.344 tipificou como crime algumas formas de tráfico para fins sexuais e todas as formas de tráfico para trabalho com penas de quatro a oito anos de detenção e multa, com aplicação suficientemente rigorosa e proporcional às prescritas para outros crimes graves, como o estupro. Diferentemente das leis internacionais, o artigo 149a da lei 13.344 exige que haja uso de força, fraude, ou coerção para casos de tráfico de crianças com fins sexuais e, portanto, não tipificou todas as formas de tráfico sexual de crianças. Contudo, o artigo 244a do Estatuto da Criança e do Adolescente criminalizou o fato de induzir uma criança a se envolver em exploração sexual sem a necessidade de provar o uso da força, fraude ou coerção e prescreveu penas de quatro a dez anos de detenção e multa, com aplicação suficientemente rigorosa e proporcional às prescritas para outros crimes graves, como o estupro. O artigo 149 da lei 13.344 prescreveu penas de dois a oito anos de detenção e multa. O artigo proibiu o trabalho escravo, ou seja, reduzir uma pessoa à condição análoga à escravidão, passando a definir trabalho forçado como aquele executado em condições degradantes de trabalho e horas de trabalho exaustivas, indo além das situações em que as pessoas são mantidas em serviço por meio da força, fraude ou coerção.

Os dados de aplicação da lei fornecidos pelo governo refletiram os esforços feitos sob jurisdição federal. As autoridades relataram abertura de 296 novos inquéritos (40 para tráfico sexual e 256 para trabalho escravo), em comparação aos 273 inquéritos em 2018 (32 para tráfico sexual e 241 para trabalho escravo). O governo levou 56 novos casos de suspeita de tráfico aos tribunais inferiores (quatro por tráfico sexual e 52 por trabalho escravo), em comparação aos 47 novos processos em 2018 (um por tráfico sexual e 46 por trabalho escravo). O governo não informou o número total de condenações nem forneceu detalhes sobre a duração das sentenças dadas aos traficantes. Muitos traficantes de sexo e trabalho condenados em tribunais inferiores recorreram de suas sentenças; as autoridades notificaram 320 casos em tribunais de 2a instância em 2019 (44 para tráfico sexual e 276 para trabalho escravo), em comparação com 212 em 2018 (12 para tráfico sexual e 200 para trabalho escravo). Os relatos da imprensa demonstraram que a adjudicação de casos pode levar de quatro a 10 anos. O Brasil permitiu longos processos recursais em casos criminais, inclusive para o tráfico, protelando a condenação e sentença finais. Os traficantes às vezes cumpriam sua sentença em prisão domiciliar ou em programas de trabalho na penitenciária, trabalhando durante o dia e passando a noite na prisão; penas que não foram proporcionais à gravidade do crime e provavelmente levaram à impunidade em casos de tráfico. Em um exemplo, um juiz federal expediu uma sentença em que os traficantes pagassem uma indenização a uma vítima de sete anos de idade em vez de receberem acusações criminais, apesar das evidências de que os traficantes exploravam a criança em serviço doméstico, forçando-a a trabalhar sem remuneração, proibindo-a de frequentar a escola, e fazê-la incorrer em dívidas. Enquanto em outro caso de trabalho escravo, os tribunais condenaram um traficante a cinco anos e seis meses de detenção por sujeitar as vítimas a dias de trabalho exaustivo, reter sua documentação, restringir sua liberdade, alojá-las em condições precárias e insalubres e não lhes proporcionar um salário adequado. Em um caso notável de tráfico sexual com transgêneros vulneráveis, os relatos da imprensa indicaram que os traficantes foram condenados a pagar multas e indenizações a 13 vítimas depois de forçá-los a fazer sexo em troca de pagamento por dívidas incorridas advindas de procedimentos cirúrgicos de baixa qualidade ou implantes injetados com silicone industrial não adequados para uso humano. As autoridades indicaram que as os ritos de acusação criminal estava avançando no final do período coberto pelo relatório.

O governo tratou o trabalho forçado como um crime distinto do tráfico de pessoas. Os fiscais e procuradores do trabalho poderiam aplicar penalidades civis, enquanto a polícia federal e o ministério público tinham autoridade para buscar condenações com base no direito penal. As autoridades de estados populosos, como o Rio de Janeiro, tinham um entendimento limitado do tráfico sexual e se concentravam principalmente nos casos transnacionais de tráfico de sexo. As autoridades policiais do estado não possuíam um protocolo para ajudar a identificar vítimas e não receberam nenhum treinamento sobre identificação proativa. Muitas autoridades governamentais do estado tiveram dificuldade em caracterizar os indivíduos que faziam sexo em troca de pagamento como possíveis vítimas de tráfico, um conceito que inibiu as ações policiais contra os traficantes e provavelmente levou as autoridades a negligenciar possíveis vítimas. Em alguns casos, quando as autoridades identificaram a exploração de indivíduos em sexo comercial, alguns que podem ter sido vítimas de tráfico sexual, às vezes os consideravam vítimas de trabalho escravo e os encaminhavam ao Ministério Público do Trabalho (MPT) ou à Secretaria Especial de Assistência Social e Trabalho. Os fiscais do trabalho lidaram com casos administrativos de trabalho escravo, e a Polícia Federal e o Ministério Público lidaram com a investigação e o condenação de casos com evidências de crimes graves. Segundo alguns representantes do governo, os juízes não identificaram alguns indivíduos como vítimas de tráfico que inicialmente consentiram em realizar um determinado trabalho ou serviço no qual foram posteriormente coagidos ou forçados a fornecer trabalho ou serviços contra sua vontade.

Em 2019, as autoridades realizaram 45 inspeções trabalhistas e identificaram 1.054 vítimas de trabalho escravo, inclusive 20 crianças vítimas de trabalho escravo, em comparação a 44 inspeções trabalhistas, a identificação de 1.745 vítimas de trabalho escravo, com 28 crianças vítimas de trabalho escravo em 2018. Os órgãos emitiram sanções administrativas a 106 empregadores culpados de trabalho escravo, em comparação com 100 empregadores em 2018. O governo não informou o número total de casos de trabalho forçado, conforme definido nas leis internacionais.

A coordenação entre órgãos e o empenho de coleta de dados foram inadequados. Os dados permaneceram espalhados por vários bancos de dados nos níveis federal e estadual, dificultando a obtenção e análise de dados abrangentes. O Departamento de Polícia Federal (DPF) do Brasil possui uma delegacia em todos os estados e estava envolvido na investigação da maioria dos crimes de tráfico; no entanto, em estados como o Rio de Janeiro, a cooperação e a comunicação entre a PF e as entidades estaduais e municipais eram geralmente insuficientes. Os observadores relataram que os casos de tráfico eram frequentemente subnotificados e, em alguns casos, mal classificados pela polícia como outros crimes. Os órgãos de repressão ao crime em todos os níveis tinham orçamento, experiência e pessoal insuficientes para investigar casos de tráfico. O governo não informou nos inquéritos, processos ou condenações de autoridades cúmplices; no entanto, a corrupção e a cumplicidade oficial nos crimes de tráfico continuaram sendo preocupações significativas, inibindo as ações policiais durante o ano. Casos de cumplicidade oficial de anos anteriores permaneceram em aberto, inclusive a investigação de um representante do povo que foi preso e removido de seu cargo no estado do Paraná em outubro de 2016, após alegações de seu envolvimento em uma rede de tráfico sexual infantil. Da mesma forma, não houve atualizações sobre o recurso da procuradoria quanto a uma sentença inadequada dada a um investigador da polícia civil em 2016 por seu envolvimento em uma rede de tráfico sexual de crianças. Durante o período coberto pelo relatório, 76 novos juízes do trabalho receberam treinamento sobre maneiras de identificar o trabalho escravo e o tráfico de pessoas. As autoridades participaram de uma reunião bilateral com a Bolívia para fortalecer a cooperação contra o tráfico e assinaram um acordo com o estado de Mato Grosso sobre cooperação policial, conscientização e proteção às vítimas.

O governo manteve o empenho na proteção. De acordo com o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), as autoridades continuaram a usar as orientações de identificação de vítimas criadas em 2013 para todos os governos federal, estaduais e municipais para auxiliar na identificação e assistência das vítimas. No entanto, as autoridades governamentais não receberam treinamento sobre o uso de tais orientações e não havia indicação de que as autoridades na maioria dos estados identificassem de forma proativa ou consistente as vítimas de tráfico sexual, de criminalidade forçada ou de turismo sexual infantil. Autoridades da procuradoria do trabalho identificaram vítimas de trabalho escravo enquanto realizavam inspeções de improviso em empresas ou empregadores suspeitos de usar trabalho escravo. O MJSP manteve nove postos nos aeroportos e rodoviárias onde as autoridades poderiam encontrar vítimas em potencial, uma redução em relação aos 12 postos avançados em 2019. Vários órgãos governamentais em vários níveis forneceram dados sobre identificação e assistência às vítimas; no entanto, a falta de um banco de dados centralizado e relatórios inconsistentes dificultavam as comparações ano a ano. Em 2019, autoridades em 10 estados relataram identificar 217 vítimas, das quais 105 foram vítimas de tráfico sexual, 85 foram vítimas de trabalho escravo, 12 foram vítimas de criminalidade forçada e 15 desconhecidas. Os esforços de identificação variaram muito de estado para estado. Quase 50% das vítimas relatadas em 2019 foram identificadas na tríplice fronteira junto ao Paraná, inclusive 89 das 105 vítimas de tráfico sexual, 20 das 85 vítimas de trabalho escravo e três das 12 vítimas de criminalidade forçada, enquanto estados mais populosos, como o Rio de Janeiro, identificaram apenas três vítimas – duas por tráfico sexual e uma por trabalho forçado. Os fiscais do trabalho no âmbito federal indicaram que todas as 1.054 vítimas de trabalho escravo receberam informações sobre os recursos básicos disponíveis e confirmaram que 787 possíveis vítimas receberam seguro-desemprego. O governo não informou quais outros serviços as vítimas receberam.

A Lei 13.344 determinou que o governo forneça às vítimas abrigo temporário, assistência legal, social e de saúde e proteção contra a revitimização; contudo, a implementação da lei não foi homogênea em todos os estados. As autoridades continuaram a atuar em 16 núcleos estaduais e um municipal de combate ao tráfico (NETPs). Os NETPs operavam redes interinstitucionais que poderiam servir como o primeiro ponto de contato para vítimas que foram identificadas por qualquer meio, inclusive ONGs. A maioria dos órgãos com participações atuou na rede e os NETPs poderiam encaminhar as vítimas de tráfico sexual de adultos aos Centros de Assistência Social Especializado (CREAS), vítimas de trabalho forçado à Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) e crianças vítimas de tráfico de pessoas aos Conselhos Tutelares. Em 2019, dez dos NETPs relataram assistência a 129 possíveis vítimas. As vítimas adultas encaminhadas ao CREAS poderiam receber assistência de psicólogos e assistentes sociais não especializados pelo terceiro ano consecutivo; as autoridades não informaram que tipo de assistência foi prestada ou quantas vítimas receberam assistência por meio desses centros. Um servidor indicou que os NETPs não eram distribuídos de maneira equilibrada em todo o país. Em estados mais ricos, como São Paulo, o NETP possuía equipes efetivas de assistência e coordenação, que incluíam policiais, promotores, inspetores do trabalho, promotores do trabalho e profissionais de saúde mental. Por outro lado, outros NETPs não eram tão bem financiados ou equipados para encaminhar e ajudar vítimas. Muitos estados onde o tráfico era predominante e as vulnerabilidades eram altas não possuíam NETPs ou CREAS, inclusive muitos localizados em estados fronteiriços, onde a necessidade era grande. Em 2019, as autoridades lançaram uma nova iniciativa para aumentar a proteção das vítimas de tráfico de transgêneros. Procuradores federais e trabalhistas do estado de São Paulo realizaram pelo menos duas operações acompanhadas por uma organização da sociedade civil em prol da proteção dos direitos dos transgêneros. Segundo relatos da imprensa, as autoridades identificaram 30 vítimas, das quais 10 receberam abrigo e assistência da mesma ONG que colaborou com a repressão do crime.

O governo federal não dedicou orçamento a abrigos especializados ou de longo prazo para vítimas de tráfico. Alguns estados colocaram vítimas em abrigos para imigrantes, desabrigados ou vítimas de violência doméstica. Os Estados não possuíam abrigos especializados para vítimas de tráfico sexual de crianças, e os conselhos tutelares muitas vezes careciam de conhecimentos e recursos para identificar, encaminhar e apoiar adequadamente as vítimas crianças. O estado de São Paulo tinha dois abrigos principais onde as vítimas de tráfico podiam receber assistência – um era um abrigo estadual financiado pelo governo, onde as vítimas e seus filhos podiam receber benefícios de saúde, educação, alimentação e moradia por três a seis meses; e o outro era um abrigo operado por ONG que prestava assistência temporária a refugiados e vítimas de tráfico. Ambos os abrigos foram ocupados por venezuelanos deslocados durante o período coberto pelo relatório, e as autoridades estaduais não informaram quantas vítimas de tráfico receberam assistência. Não havia abrigos especializados para vítimas de tráfico do sexo masculino. Além disso, as autoridades indicaram que havia 87 abrigos não especializados onde populações vulneráveis, inclusive pessoas LGBTI, pessoas sem-teto, vítimas de violência doméstica e vítimas de tráfico poderiam receber assistência. Não ficou claro quantas vítimas de tráfico foram assistidas nesses abrigos durante o período coberto pelo relatório. Apesar de ser a segunda cidade mais populosa do país, o Rio de Janeiro não possuía abrigos especializados para vítimas de tráfico sexual, e funcionários do MPT usavam bens apreendidos dos traficantes para prestar assistência às vítimas de trabalho escravo. Para aumentar e agilizar o acesso à assistência, alguns governos estaduais, por meio do MPT, adotaram uma abordagem integrada que buscava a restituição dos traficantes pelos danos causados, assistência com treinamento profissionalizante e colocação profissional. Em 2019, os governos estaduais da Bahia, Ceará, Mato Grosso e Rio de Janeiro procuraram complementar a assistência às vítimas de trabalho escravo por meio de tal programa. As autoridades do MPT no Estado do Rio de Janeiro assistiram 12 das vítimas identificadas por meio do programa, mas as autoridades federais não informaram quais serviços as 215 vítimas restantes receberam. As autoridades forneceram treinamento para 242 assistentes sociais do conselho tutelar sobre as piores formas de trabalho infantil, inclusive o tráfico.

As autoridades penalizaram as vítimas por ilícitos que traficantes as obrigaram a cometer. Devido à falta de identificação e triagem formais, as autoridades prenderam algumas mulheres estrangeiras por crimes de tráfico de drogas cometidos sob coerção e como resultado de sua situação de tráfico. O governo adotou medidas para incentivar as vítimas a testemunhar contra seus traficantes, inclusive permitindo testemunhos remotos via vídeo ao vivo. No entanto, as autoridades nunca relataram o uso dessas medidas para casos de tráfico. Os observadores continuaram expressando preocupação com a subnotificação de crimes de tráfico, atribuindo-a em parte à falta de conscientização das vítimas sobre os serviços de proteção e temem que a denúncia leve a mais exploração, deportação ou outros danos. As vítimas de tráfico internacional tinham direito ao status de visto permanente, mas pelo quarto ano consecutivo as autoridades não informaram quantas vítimas o receberam. O governo pode ajudar as vítimas de tráfico de pessoas com a repatriação, mas as autoridades não relatam ajudar nenhuma vítima desde 2017.

 

O governo se empenhou mais em impedir o tráfico. O MJSP continuou a supervisionar o grupo interministerial responsável pela implementação do Terceiro Plano de Ação Nacional 2016-2022, que recebeu R$639.250,00 (US$ 159,020) por suas operações. O MJSP também financiou o CONATRAP, que incluía representantes de órgãos do governo federal e ONGs. Em 2019, o CONATRAP continuou a atuar; no entanto, seguindo uma portaria presidencial, reduziu significativamente o número de representantes, de 26 para sete. A coordenação entre as agências nos níveis nacional e estadual permaneceu desigual e variou em eficácia. No âmbito do governo estadual, servidores de diferentes órgãos em 16 estados continuaram a se reunir e combater o tráfico de forma unilateral e descentralizada por meio dos NETPs estaduais. No âmbito nacional, o MOJPS fez esforços para aumentar a cooperação entre agências, assinando um acordo de cooperação técnica sobre compartilhamento de informações com o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos e outro com o MPT. Em julho, o MPT assinou um acordo de cooperação técnica de três anos com a PF, centrado no aumento do compartilhamento de informações sobre casos de trabalho infantil e trabalho escravo.

A maioria dos esforços de conscientização se concentrou no combate ao trabalho infantil ou escravo de maneira mais ampla, enquanto os esforços para aumentar a conscientização sobre o tráfico sexual e o turismo sexual infantil eram deficientes. Ao longo do ano e para comemorar o Dia Mundial contra o Tráfico, os governos municipais e estaduais organizaram oficinas, treinamento, instalações de arte, performances e discussões em mesas redondas. Em São Paulo, a Secretaria de Justiça e Cidadania sediou um evento anti-tráfico para educar os estudantes sobre a ameaça de falsas oportunidades de emprego, com a presença de 230 pessoas. No estado de Alagoas, oficiais da Polícia Rodoviária Federal (PRF) realizaram palestras educando 165 pessoas sobre maneiras de identificar o trabalho forçado e onde denunciá-lo. Juntamente com uma ONG, o SIT organizou um evento reunindo representantes dos setores bancário e financeiro, empresas e autoridades públicas para educar sobre o papel da comunidade financeira na luta contra o trabalho escravo. No Amazonas, várias agências estaduais iniciaram um projeto para mapear incidentes de trabalho infantil entre a população venezuelana deslocada para conectar essas comunidades vulneráveis ao tráfico de pessoas com serviços de assistência social. Os funcionários da PRF continuaram a operar um banco de dados para identificar locais críticos ao longo das rodovias onde a exploração sexual comercial de crianças era predominante. Em 2019, os agentes da Polícia Rodoviária aumentaram as inspeções em áreas onde havia uma alta incidência de exploração. Na primeira metade de 2019, a central telefônica de direitos humanos operadas pelo governo receberam 46 pedidos de tráfico de pessoas, 61 pedidos de trabalho escravo de adultos, 1.971 pedidos envolvendo menores vítimas de trabalho escravo e sete pedidos de denúncia de turismo sexual infantil, em comparação com 159 relatórios de tráfico de pessoas, 156 denúncias de trabalho escravo e oito ligações denunciando turismo sexual infantil em 2018. Os operadores das centrais telefônicas podem encaminhar as vítimas para recursos locais, incluindo, entre outros, polícia, promotoria estadual, assistentes sociais, conselhos tutelares, CRAS, CREAS e a procuradoria do trabalho. O governo não indicou se iniciou inquéritos a partir de ligações para as centrais telefônicas.

As autoridades não fizeram esforços para reduzir a demanda por atos sexuais com fins comerciais. Contudo, as autoridades se empenharam para reduzir a demanda por trabalho forçado. O SIT publicou a lista suja, que divulgou os nomes de pessoas e empresas condenados por trabalho escravo. Em 2019, a lista suja incluía 69 novos empregadores, em comparação com 78 em 2018. Enquanto pessoas físicas e jurídicas listadas são proibidas de ter acesso a crédito em instituições financeiras públicas ou privadas, em maio, o MPT entrou com ações civis contra sete bancos que continuaram concedendo crédito a empresas incluídas na lista suja. No final de 2019, a lista suja tinha 190 empregadores, incluindo dois listados em 2018. Embora a lista suja continue sendo uma das ferramentas mais eficazes do Brasil para reduzir a demanda por trabalho escravo, a criminalização inadequada desses crimes dificultou o progresso na luta contra o tráfico de trabalho. No final de junho, o MPT aprovou uma resolução para criar uma lista pública de empregadores condenados por trabalho escravo. Segundo a resolução, o MPT teve que liberar a lista pública 180 dias após sua aprovação; no entanto, o governo não havia divulgado a lista até o final do período coberto pelo relatório. As autoridades não relataram novas investigações, processos ou condenações de turistas sexuais infantis em 2019.

Conforme relatado nos últimos cinco anos, os traficantes de pessoas exploram vítimas nacionais e estrangeiras no Brasil, e os traficantes também exploram vítimas do Brasil no exterior. Os traficantes exploram mulheres e crianças brasileiras, no tráfico sexual dentro do país. Os traficantes exploram mulheres brasileiras no tráfico sexual no exterior, especialmente na Europa Ocidental e na China. Os traficantes exploram mulheres e meninas de outros países da América do Sul, especialmente do Paraguai, para tráfico sexual no Brasil. Os migrantes e as pessoas que vivem perto de qualquer uma das áreas de fronteira do Brasil são vulneráveis ao tráfico. Quadrilhas e grupos criminosos organizados submeteram mulheres e meninas ao tráfico sexual no Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Os imigrantes venezuelanos em cidades de fronteira no Brasil, e aqueles que se mudaram para outras partes do país, ficaram altamente vulneráveis ao tráfico sexual e ao trabalho forçado. Os traficantes recrutaram cidadãos venezuelanos que moram no Brasil e aqueles que ainda estão na Venezuela por meio de anúncios online e plataformas de redes sociais que oferecem oportunidades de trabalho fraudulento, explorando-os posteriormente em tráfico sexual nas principais cidades, como São Paulo ou Rio de Janeiro. As mulheres brasileiras transgênero são uma das populações mais vulneráveis do país. De acordo com um estudo realizado em 2019, 90% das mulheres trans no Brasil praticam sexo comercial e, no Rio de Janeiro, mais da metade está em situação de vulnerabilidade que pode resultar em tráfico. As mulheres transexuais costumam pagar aos traficantes por proteção e taxas diárias de moradia. Quando são incapazes de pagar, são espancadas, passam fome e são forçadas a fazer sexo comercial. Os traficantes exploram mulheres transgênero brasileiras, atraindo-as com ofertas de cirurgia de mudança de sexo e depois explorando-as no tráfico sexual quando não podem pagar o custo do procedimento. Os traficantes exploraram homens brasileiros e transgêneros brasileiros no tráfico sexual na Espanha e na Itália. O turismo sexual infantil continua a ser um problema, especialmente em resorts e áreas costeiras; muitos turistas sexuais infantis são da Europa e dos Estados Unidos. Os traficantes exploravam crianças no tráfico sexual nas rodovias do Brasil, incluindo as BR-386, BR-116 e BR-285. Os traficantes exploram homens brasileiros, principalmente afro-brasileiros e, em menor grau, mulheres e crianças, em situações que podem resultar em tráfico de trabalho, em áreas rurais (inclusive pecuária, agricultura, produção de carvão vegetal, indústrias de sal, exploração madeireira e mineração) e cidades (construção, fábricas, restaurantes e hospitalidade). Os traficantes exploram mulheres chinesas no tráfico sexual no Rio de Janeiro. Os traficantes exploram brasileiros em trabalho forçado para alguns produtores de açúcar, café e cera de carnaúba. Os traficantes exploram mulheres e crianças brasileiras, bem como meninas de outros países da região, em trabalho forçado de servidão doméstica. Os traficantes obrigam algumas vítimas brasileiras a se envolver em atividades criminosas, inclusive o tráfico de drogas, no Brasil e nos países vizinhos. Os traficantes exploraram vítimas sul-africanas, venezuelanas e bolivianas na criminalidade forçada, entre elas o tráfico de drogas. Os traficantes atraem mulheres brasileiras para a Coréia do Sul usando falsas promessas de se tornarem estrelas da música. Em 2018, o governo cubano encerrou sua missão médica no Brasil depois que as autoridades brasileiras levantaram preocupações significativas de exploração e trabalho forçado associados a essa missão. Médicos cubanos profissionais que participaram de missões médicas no Brasil podem ter sido explorados e forçados a trabalhar pelo governo cubano. Os traficantes exploram brasileiros em trabalho forçado em outros países, inclusive na Europa. Os traficantes exploram homens, mulheres e crianças de outros países – entre eles Bolívia, Paraguai, Haiti e China – em trabalho forçado e coerção baseada em dívidas em muitos setores, como a construção civil, indústria têxtil (particularmente em São Paulo) e pequenas empresas. As ONGs e representantes do governo relatam que alguns policiais ignoram a exploração de crianças para o tráfico sexual, patrocinam bordéis e roubam e agridem mulheres em situação de prostituição, impedindo a identificação de vítimas do tráfico sexual.