Entrevista concedida a Sergio Lamucci, do jornal Valor Econômico, e publicada no dia 23/03/2015.
Para a embaixadora americana no Brasil, Liliana Ayalde, as relações entre os dois países mudaram de nível de fato a partir de janeiro deste ano, depois do encontro entre a presidente Dilma Rousseff e o vice-presidente Joe Biden. No dia da sua posse, a brasileira indicou a Biden que voltaria a dar prioridade à parceria com os EUA, deixando para trás os motivos que causaram tensão no relacionamento, disse ontem Ayalde, falando com otimismo sobre as conversas mais recentes entre os dois governos, que devem culminar na visita de Estado de Dilma a Washington em algum momento de 2015, possivelmente no terceiro trimestre.
“Essa foi a mensagem que a presidente deu. Os dois governos estão trabalhando para construir uma agenda de uma parceria estratégica, em que o tema comercial vai ser ainda mais importante, assim como o tema de tecnologia, ciência e inovação”, resumiu ontem a embaixadora, em entrevista ao Valor. As áreas de energia, defesa e mudança climática também são muito relevantes para a pauta de discussões entre os dois governos, segundo Ayalde.
A embaixadora está nos EUA liderando uma delegação de cerca de 25 empresas e 25 associações do Brasil para participar da Cúpula SelectUSA, evento que visa atrair investimentos estrangeiros diretos para a economia americana. Embraer, Braskem, Coteminas, Câmara Americana de Comércio (Amcham) e Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) são algumas das companhias e instituições brasileiras que participarão do seminário hoje e amanhã no National Harbor em Maryland, próximo a Washington.
Ayalde assumiu o cargo em setembro de 2013, sucedendo Thomas Shannon, num momento especialmente delicado para as relações entre Brasil e EUA. Em 2013, Dilma adiou uma visita de Estado aos EUA, marcada para outubro daquele ano, devido as denúncias de que havia sido espionada pelo governo americano. O episódio causou um distanciamento entre os dois países, que voltaram a se aproximar gradualmente no ano passado. Além de comparecer à posse de Dilma, Biden havia se encontrado com a presidente brasileira em junho do ano passado, durante a Copa do Mundo.
Segundo ela, a situação política entre Brasil e EUA ficou difícil, mas o relacionamento entre os setores privados e no fluxo de pessoas seguiu forte. O número de vistos para brasileiros concedidos pelos EUA supera 1 milhão por ano e o fluxo de comércio entre os dos países está na casa de US$ 100 bilhões anuais. “Os negócios e investimentos continuaram.”
Com o sinal emitido por Dilma a partir de janeiro, Ayalde notou uma mudança significativa na atitude do Brasil. “A estrutura do governo se sentiu mais confortável para atuar na direção de ampliar essa parceria.” Para ela, isso ficou claro na decisão do ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), Armando Monteiro, de ir aos EUA em sua primeira visita ao exterior. “Foi uma mensagem importante.”
Em fevereiro, Monteiro se reuniu com a secretária de Comércio americana, Penny Pritzker, definindo a facilitação de comércio e a convergência como temas prioritários para a relação comercial, por serem áreas em que é possível obter resultados concretos no curto prazo. Na semana passada, funcionários do Mdic e do Departamento de Comércio realizaram em Washington uma rodada Diálogo Comercial, fechando acordos sobre esses dois assuntos.
E qual a expectativa para a data da visita de Dilma a Washington? “Nós estamos trabalhando numa agenda. A presidente pediu que nós fizéssemos uma agenda de trabalho, e os altos funcionários dos governo estão se reunindo para formalizá-la”, disse Ayalde, lembrando que Dilma já afirmou que gostaria de reprogramar a visita.
Em 10 a e 11 de abril, durante a Cúpula das Américas, na Cidade do Panamá, a presidente deve se reunir com o presidente Barack Obama, e tende a tratar desse e de outros assuntos. Na semana passada, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, tratou do tema com a conselheira de Segurança Nacional americana, Susan Rice, em Washington.
Para Ayalde, um acordo para evitar a bitributação entre os dois países é difícil de ser anunciado, por ser um tema complexo. “Mas as empresas americanas e cada vez mais as brasileiras têm falado sobre o assunto”, disse ela.
Ao comentar a situação atual do Brasil, Ayalde afirmou que o país passa realmente por um ano difícil, devido à combinação de dificuldades na economia e na política e da crise da Petrobras, mas ressaltou que as perspectivas de longo prazo continuam positivas. Ela citou a decisão da General Electric de investir US$ 250 milhões num centro de pesquisa e desenvolvimento no Rio de Janeiro. “O país tem 200 milhões de habitantes e conta com uma classe média grande e robusta. As instituições são fortes e o país é uma democracia”, afirmou Ayalde, observando que o fato de pessoas saírem às ruas faz parte do processo democrático.
Para a embaixadora, a delegação de 50 pessoas do Brasil na Cúpula SelectUSA, uma das dez maiores que irão ao evento, também é sinal do momento mais favorável das relações entre os países. Investir nos EUA, segundo ela, é uma maneira das companhias brasileiras se globalizarem. Obama falará hoje na cúpula, destacando as vantagens dos EUA como destino de investimento estrangeiro no momento em que o crescimento do país mostra o maior fôlego entre as economias desenvolvidas.