Entrevista concedida ao jornal Estado de S. Paulo e publicada no dia 29 de setembro de 2016.
Em entrevista ao ‘Estado’, a assessora especial para Assuntos da Criança dos EUA disse que casos ficam pendentes por muito tempo
Lu Aiko Otta
Do ponto de vista do governo norte-americano, o Brasil não cumpre bem as normas internacionais sobre sequestro de crianças previstas na Convenção de Haia. O problema é a lentidão do sistema judiciário, disse ao Estado a assessora especial para Assuntos da Criança dos EUA, embaixadora Susan Jacobs. Casos ficam pendentes por dois, três anos – o que é um tempo muito longo para as crianças e para os pais que ficam separados delas.
A Convenção de Haia se aplica a casos de crianças levadas ilegalmente a outro país e lá mantidas por um dos genitores. Pela norma internacional, ela deve ser devolvida o mais rápido possível para seu local habitual de residência, onde então será discutida sua custódia. Abaixo, os principais trechos da entrevista.
Como está a cooperação entre o Brasil e os Estados Unidos em casos de sequestro de crianças?
Temos uma relação muito boa com a Autoridade Central brasileira. Trabalhamos em cooperação com eles desde que o Brasil aderiu à Convenção. O problema é que o sistema judiciário brasileiro é muito diferente do nosso. Há muitos recursos. Então, os casos demoram a ser resolvidos. Os casos com o Brasil já estão pendentes há três anos ou mais. Isso significa que os pais ficam separados das crianças por esse período de tempo. É muito triste.
Em 2011, Brasil e Estados Unidos criaram um grupo de trabalho para lidar com esse tema. Há resultados?
O grupo de trabalho é uma ferramenta muito útil para discutir os problemas que temos. Nesse sentido, é muito positivo. Infelizmente, não ajudou a acelerar a tramitação dos casos que estão no Judiciário. Como diplomata, acredito que é importante manter um diálogo entre os nossos países.
As autoridades brasileiras oferecem alguma perspectiva?
Já dialogamos sobre várias soluções. Por exemplo, treinamento judicial. Estamos discutindo um simpósio com a participação de juízes da América do Sul, com o escritório de Haia e também com os EUA para estudos de caso. Isso ajudará as pessoas a se sentirem mais confortáveis com as ideias contidas na convenção.
A senhora esteve na Argentina e agora no Brasil. Algum ponto específico a ser tratado?
Queremos ter mais cooperação para assegurar o retorno dessas crianças para sua residência definitiva. O sequestro de crianças é muito traumático. EUA, Brasil e Argentina são partes da convenção de Haia. Queremos assegurar conformidade com a convenção. Nosso Congresso é muito interessado nesse tema e aprovou uma lei há dois anos. Ela exige que o Departamento de Estado redija um relatório anual sobre o nível de conformidade com a convenção. O Brasil, no nosso ponto de vista, não está em conformidade por causa dos atrasos nos casos na Justiça.
Como é a situação do Brasil em comparação a outros países?
Cada país é diferente, tem seus próprios problemas. Há outros países que têm problema de atraso na tramitação dos processos.
A senhora mencionou o Congresso, e há um problema no momento que é o envio do novo embaixador americano para o Brasil. A nomeação estaria sendo bloqueada como pressão pelo caso Brann (um menino que vivia nos EUA, foi trazido ao País em 2013 pela mãe brasileira para participar de uma festa e não mais retornou).
Estou feliz em dizer que isso foi resolvido. Dialogamos no Congresso e explicamos nossos esforços no Brasil e a cooperação da embaixada aqui.
A senhora esteve com autoridades brasileiras?
Tivemos uma longa reunião com a Autoridade Central brasileira, estaremos no Itamaraty, na AGU com autoridades no Judiciário. Vamos continuar o diálogo sobre essa cooperação, porque há um interesse muito grande do Departamento de Estado e do Congresso.
Na conversa com autoridades judiciárias, a senhora sentiu disposição em promover reformas para acelerar a tramitação dos processos?
Estamos planejando essas reuniões justamente para saber que tipo de colaboração pode haver. Por exemplo: o treinamento para juízes é algo que fazemos com uma certa frequência. A convenção de Haia é bem simples. Onde a criança vivia quando foi sequestrada? Em geral, ela tem de ser devolvida para a jurisdição de residência para poder passar por uma audiência. Às vezes, parece que as cortes brasileiras tomam decisões mais sobre custódia do que sobre o local habitual de residência.
Tem uma confusão aí.
Sim. A convenção é um instrumento neutro. Não faz julgamento sobre etnia, gênero, qual o melhor país para a criação. Não julga quem seria o melhor genitor para ficar com a criança. Ela pensa no bem estar da criança e no local de residência dela quando foi sequestrada.
A senhora vai tratar de casos específicos como o caso Brann ou, do nosso lado, o caso Heaton?
Vamos tentar manter a conversa mais neutra sobre a convenção em si. Se conseguirmos uma boa interpretação da convenção, os casos se resolverão de maneira mais fácil.