Pronunciamento de boas-vindas do secretário John Kerry na Conferência Nosso Oceano

Departamento de Estado dos EUA
Escritório do Porta-Voz

Para divulgação imediata

Auditório Loy Henderson
Washington, DC
SECRETÁRIO KERRY: Bom dia a todos. E, Cathy, muitíssimo obrigado. Espero que todos aqui se juntem a mim para expressar nossa gratidão à Cathy e à sua equipe, que fizeram um trabalho absolutamente incrível na preparação e organização deste evento. Cathy, muito, muito obrigado. Obrigado. (Aplausos.)

Também quero expressar a minha profunda gratidão a todos os ministros de Relações Exteriores, ministros de Meio Ambiente, embaixadores, suas excelências todas, ministros de Meio Ambiente e Oceanos, todas as ONGs, todos vocês que vieram aqui para juntos representar mais de 90 países em cargos oficiais. E quero agradecer em particular ao ministro das Relações Exteriores do Chile, Heraldo Muñoz, por seu trabalho maravilhoso no ano passado. Acho que todos devemos agradecer ao Chile por sua liderança. Obrigado. (Aplausos.)

Também quero saudar os especialistas das universidades, a comunidade de ONGs, os líderes do setor público, do setor privado e de instituições filantrópicas, os jovens, os cidadãos interessados de todos os lugares que estão assistindo a este evento ao vivo pela internet. Obrigado por virem de perto e de longe e obrigado por nos ajudar a chamar a atenção do mundo para o enorme desafio de proteger nosso oceano.

Começo confessando a todos vocês que esse tema é profundamente pessoal para mim, como sei que é para a maioria de vocês aqui presentes. E como poderia não ser? O poder absoluto do oceano, sua grandeza pungente e incomparável, é algo que o ser humano sentiu visceralmente desde os primórdios. Nossa reverência pelo poder do oceano de gerar vida e por sua beleza foi captada pelos textos religiosos mais sagrados, pelas grandes filosofias, pela arte e pela literatura. Aquiles declarou em a Ilíada: “O oceano é a fonte de tudo”. Isaac Newton buscava, como descreveu, “o grande oceano da verdade”. Walt Whitman chamou o mar de “milagre contínuo”. Sarojini Naidu descreveu o oceano como “nossa mãe” e as ondas como “nossas companheiras”. E o presidente John F. Kennedy comentou: “Estamos ligados ao oceano. E quando voltamos ao mar, seja para navegar ou para olhar, estamos voltando ao lugar de onde viemos.”

Esses sentimentos ecoaram um milhão de vezes de um milhão de maneiras – na poesia e na literatura, em romances, vídeos, filmes. Acho que esses sentimentos estão enraizados nas nossas entranhas. E eu herdei o amor pelo oceano da minha mãe e do meu pai. Meu pai adorava velejar e, quando se aposentou, cruzou o oceano três vezes em um pequeno barco – uma vez levando minha mãe como primeiro imediato. E me lembro do quanto ele adorava a experiência de sair em mar aberto, os testes mentais, as incertezas, como Dona Bertarelli vai lhes contar. A vida marinha que ele observava ao seu redor, a força do vento e das ondas, a mudança de humor do céu e do mar.

E quando eu tinha 7 ou 8 anos, ele me recrutou como vigia em seu barco de pesca de 15 pés quando cruzamos esse encantador corpo d’água com nome não muito atraente – Baía do Urubu – no meu estado natal de Massachusetts. Meu pai se sentava debaixo de um toldo com uma bússola e um cronômetro e me fazia de vigia para que pudesse navegar apenas pela bússola e pelo cronômetro. E de vez em quando eu me divertia como uma criança travessa, avisando-o de uma colisão iminente ou, ao contrário, dizendo a ele que estávamos indo muito bem quando estávamos saindo do curso. (Risos.) Muitos anos depois, pouco antes de ele falecer, eu o lembrei desse extraordinário treinamento. E ele disse: “Não acredito que fui tolo a ponto de deixá-lo fazer isso.” (Risos.)
Quaisquer que fossem suas razões à época, sempre serei grato pelos dias que passamos na água, e até hoje o mar me traz uma sensação especial de tranquilidade e paz, como estou certo que traz a todos vocês.

Portanto, para mim, e sei que para vocês também, para literalmente bilhões de pessoas do mundo todo, essa conexão com o oceano não é apenas emocional, não é apenas uma questão de admirar algo glorioso e único, mas é também existencial. Em outras palavras, o oceano é essencial para toda a vida na Terra. Ele é responsável por quase 50% do oxigênio que respiramos, pelo alimento que comemos, pelo clima em que vivemos, pelo emprego de centenas de milhões de pessoas em todo o planeta. A origem da vida no nosso planeta remonta ao mar, e hoje o oceano também é a força econômica vital de comunidades grandes e pequenas em todos os cantos do mundo, empregando cerca de 12% da população mundial. A receita global da pesca marinha e das indústrias afins é de centenas de bilhões de dólares todos os anos.

Mas apesar do nosso conhecimento e da valorização da importância dos oceanos, apesar da ligação inexorável entre o oceano e a nossa variabilidade para existir, nós – seres humanos – temos comprometido sistematicamente a capacidade do meio ambiente marítimo de produzir alimentos, talvez até mesmo de sobreviver e manter a vida. Há décadas, séculos até, estamos poluindo e pilhando os recursos do mar, com consequências devastadoras para nossas comunidades costeiras e nossos ecossistemas marinhos.

Por que, contra nosso próprio interesse, isso está ocorrendo? Bem, provavelmente há muitas razões, mas grande parte está relacionada com a simples enormidade do oceano. A massa terrestre de todos os continentes juntos é menor do que apenas o Oceano Pacífico. Confrontados com um recurso tão vasto, é difícil entender a noção, a ideia de que nós, como seres humanos, podemos realmente fazer algo que ameace o futuro dos oceanos. Quando pedimos frutos do mar em um restaurante, não costuma estar escrito no cardápio que um terço das áreas pesqueiras e dos estoques de pesca foi afetado pela sobrepesca, ou que praticamente todo o resto está sendo pescado no máximo absoluto. Não é de surpreender que a maioria das pessoas não perceba que a pesca ilegal, clandestina e não regulamentada custe ao mundo dezenas de bilhões de dólares por ano e esteja ligada ao crime organizado, ao tráfico de drogas e a graves violações dos direitos humanos.

A maioria dos nossos cidadãos não está ciente de que as embarcações pesqueiras que operam fora da lei minam o nosso oceano todos os dias e às vezes recorrem a trabalho escravo para pescar mais e lucrar mais. Quando andamos na praia ou perto de uma praia ou quando uma família vai à praia no fim de semana ou de férias, quando nadamos ao longo de uma costa, não fica imediatamente claro que hoje existem mais de 500 zonas mortas no oceano – áreas em que a vida simplesmente não pode existir devido ao nível de poluição – ou que a poluição atingiu um nível tão extremo que, a menos que mudemos nossas práticas, veremos mais plástico no oceano do que peixe até meados deste século. Quando praticamos snorkeling ou mergulho autônomo, se alguém tiver a sorte de poder fazer isso, nosso olho destreinado não pode perceber que, por causa das mudanças climáticas, a química básica do nosso oceano está agora mudando mais rapidamente do que em qualquer outro momento da história do nosso planeta – mais acidez do que os cientistas podem medir, e eles podem medir mais de 50 milhões de anos de tempo. E se isso continuar por muito mais tempo, uma parte significativa da vida marinha poderá simplesmente desaparecer por não poder mais sobreviver nas águas que a nutriram desde o início dos tempos.

Para a maioria de nós, o oceano tem sido um símbolo de permanência, um recurso infinito do qual pensávamos que poderíamos depender para sempre. E a verdade é que o mar nunca cessará, mas o mesmo não se pode dizer necessariamente de nós ou da vida nele. Já em 1951, a escritora e ambientalista americana Rachel Carson reconheceu esse fato. Ela escreveu: “É uma situação curiosa que o mar, de onde a vida surgiu, possa agora ser ameaçado pelas atividades de uma forma dessa vida. Mas o mar, embora alterado de maneira sinistra, continuará a existir. A ameaça é, antes, à própria vida.” Pensem sobre isso. Rachel Carson fez essa observação há 65 anos. E todos estamos aqui hoje porque entendemos claramente que nós – seres humanos – não respondemos satisfatoriamente a essa ameaça ou a outras advertências. Estamos aqui porque temos de fazer mais e mais rápido. Estamos aqui porque não vamos ser prisioneiros da história; vamos mudar o curso da história, e é esse compromisso que nos traz aqui.

Nos últimos anos, depois de décadas de negação e negligência, começamos de fato a traçar um novo rumo. A comunidade mundial começou a demonstrar disposição de honrar a responsabilidade que temos para com as gerações futuras. Considerem, por exemplo, as duas primeiras conferências Nosso Oceano realizadas aqui no distrito de Washington, Valparaiso, a que Cathy se referiu há pouco. Como Cathy mencionou, aqueles eventos resultaram em um compromisso de mais de US$ 4 bilhões com conservação e outros tipos de iniciativas e projetos piloto para lidar com as comunidades costeiras, com a pesca etc., além de mais de 6 milhões de quilômetros quadrados de oceano recém-protegido. Mas isso ainda é uma pequena parte do tamanho dos oceanos – na casa de um dígito e suas frações.

Os progressos que fizemos em iniciativas de Estado de Direito, tais como o Acordo sobre Medidas para Estados Portuários, são animadores. O PSMA, como é conhecido, foi o primeiro tratado internacional destinado a impedir que o produto da pesca ilegal chegue ao mercado. Esse acordo foi redigido há quase dez anos, em 2007. E foi finalizado por partes internacionais bem aqui, no Departamento de Estado dos EUA, mas adivinhem? Ele ficou parado, parado e parado.

Quando convocamos a primeira dessas conferências em 2014, somente dez nações haviam ratificado o PSMA, muito menos que os 25 Estados necessários para fazer o acordo entrar em vigor. Bem, todos nós juntos decidimos que podíamos fazer mais, e fizemos, em parte por causa do foco internacional motivado pelas conferências Nosso Oceano. Hoje, posso dizer a vocês que mais de 60 nações, inclusive os Estados Unidos, já ratificaram o Acordo sobre Medidas para Estados Portuários, e isso é crucial. (Aplausos.)
O resultado é que de agora em diante vai ficar muito mais difícil para os pescadores ilegais chegar ao porto e conseguir vender seus peixes. Criamos a obrigação de prestar contas, o que é fundamental.

As conferências Nosso Oceano também chamaram a atenção para a conexão entre mudança climática, acidificação e aquecimento do nosso oceano. Muitos dos governos e organizações representados nesta sala patrocinam esforços científicos imprescindíveis para ampliar nosso conhecimento sobre o impacto dos gases de efeito estufa e suas emissões em nossos ecossistemas marinhos. E muitos de vocês têm trabalhado arduamente para acelerar a transição essencial para uma economia de baixo carbono no mundo todo, que, como sabemos, é de longe a maneira mais eficaz de lidar com as mudanças climáticas.

Em Paris, em dezembro passado, batemos o martelo para o mais ambicioso, o mais abrangente e, esperamos, duradouro acordo global sobre mudanças climáticas da história – acordo que foi elaborado com o apoio e a contribuição não apenas dos 200 países – quase 200 países – que o adotaram, mas também da sociedade civil, do setor privado, da comunidade religiosa, de líderes subnacionais e outros. E agora estamos trabalhando juntos para fazê-lo entrar em vigor o mais rápido possível. Já na próxima semana, em Nova York, as nações terão a oportunidade de fazê-lo, e esperamos que ele passe a vigorar nos próximos dois meses, antes do fim deste ano.

Gosto de pensar que com a união dos dois maiores emissores – lamentavelmente, China e Estados Unidos – em particular começamos a estabelecer um marco que pode, de fato, indicar a seriedade de propósito dos emissores mais importantes e, é obvio, daqueles responsáveis por prestar assistência às nações menos desenvolvidas que não têm os meios necessários. E acho que o fundo é forte e está crescendo e que isso vai acontecer.

Então, encerro dizendo a todos vocês: não se enganem sobre o que nos traz aqui hoje ou sobre o compromisso que acredito existir nestas cadeiras e ao redor deste palco. Ano após ano, estamos fazendo cada vez mais. Mas a razão por que estamos aqui em Washington hoje é que sabemos que precisamos continuar ganhando impulso. Não podemos simplesmente adotar algumas medidas e depois descansar e ir para casa. Eu vi isso. Em 1970, participei do movimento pelo meio ambiente em nosso país e pelo primeiro Dia da Terra. E lembro que aprovamos a Lei do Ar Limpo, a Lei da Água Limpa, a Lei da Água Potável Segura, a Lei de Proteção dos Mamíferos Marinhos, a Lei de Gestão das Zonas Costeiras. Fizemos todas essas coisas e todo mundo disse: ah, que ótimo, está terminado. Bem, não está terminado. Não há vitória final nesse negócio quando se trata de proteger o meio ambiente, mas pode haver uma derrota final.

Portanto, temos de fazer o nosso trabalho. Temos de assumir e manter o compromisso universal de continuar avançando de todas as maneiras possíveis enquanto tivermos poder para isso. E como ocorreu nas conferências Nosso Oceano nos anos anteriores, este encontro não é apenas para falar. É para catalisar medidas específicas que vamos adotar. Não estamos aqui apenas para falar. Estamos aqui para discutir ações reais, concretas, que podem fazer a diferença.
No começo deste mês, o presidente Obama deu o pontapé inicial quando expandiu a proteção na costa do Havaí, criando a maior área marinha protegida do mundo. Em breve ele estará aqui para falar de outra área que está designando esta manhã na Nova Inglaterra, o primeiro monumento marinho permanentemente fechado para a pesca (no-take) no Oceano Atlântico. E eu acredito – (aplausos) – firmemente que vamos ouvir falar sobre mais algumas dessas áreas por parte de muitos de vocês que estão aqui esta manhã.
Também vamos discutir novas maneiras de monitorar a mudança climática em nosso oceano e de lidar com ela. Vamos buscar meios inovadores de mitigar o fluxo de poluição da terra para o mar. E vamos continuar a traçar novos planos para que a comunidade global se una a fim de preservar nossos estoques de peixes e impedir a pesca ilegal. E precisamos nos certificar, todos nós, de que nenhuma parte do oceano esteja além do alcance da lei. Como vocês ouvirão ainda hoje e amanhã, isso é exatamente o que a Rede Oceano Seguro e tantos de nós aqui reunidos estamos querendo definir e tentar realizar.

O essencial é que nada do que estamos buscando, como eu disse antes, está além da nossa capacidade. Não é uma questão do que nós fazemos, é uma questão de força de vontade para fazer o que sabemos que podemos fazer. E se fizermos as escolhas certas, se estabelecermos as prioridades certas, se tivermos o mesmo entendimento de que salvar o nosso oceano não é apenas uma opção ou uma prioridade, mas sim uma necessidade absoluta, então chegaremos lá. Temos de pensar grande e temos de pensar pequeno ao mesmo tempo.

Mais de 300 anos atrás, o escritor francês Blaise Pascal observou que o mínimo movimento é de importância para toda a natureza; o oceano inteiro é afetado por uma pedrinha. Certamente é verdade que as ações da humanidade, as escolhas que fizemos como sociedade, são em grande parte responsáveis pelo estado calamitoso do oceano hoje em dia. Mas também é verdade que somos os únicos que podem reparar os problemas que criamos.

Com cada medida positiva que adotamos, cada área marinha protegida que criamos, as redes que formamos e as salvaguardas que implementamos para proteger o oceano contra a pesca ilegal, com a cooperação que buscamos para combater as mudanças climáticas e aprofundar a pesquisa científica – com cada uma dessas medidas, deixamos cair uma pedrinha no lado da restauração e da preservação da saúde do oceano. E, ao fazer isso, criamos uma corrente abastecida pela energia de literalmente milhões de defensores e ativistas, uma corrente que pode corrigir o curso da história, preservar comunidades e ecossistemas costeiros, fortalecer a pesca e alimentar os bilhões de pessoas que vão habitar este planeta, e isso nos permitirá manter para as futuras gerações a majestade do oceano que cobre três quartos do nosso planeta e sustenta a vida em torno do equador e de polo a polo.
Essa é a razão que nos traz aqui por esses dois dias e depois deles. Essa é a tarefa que estabelecemos para nós mesmos e a causa que vamos fazer avançar hoje, amanhã e no futuro. Ao fazer isso, nós, como avós, pais, pessoas públicas e cidadãos, vamos cumprir as responsabilidades que cada um desses papéis exige.

Acho que todos concordam que não existe um objetivo muito mais importante a perseguir, portanto agradeço muito, muito mesmo, a todos vocês por se unirem a nós nesse esforço. E mãos à obra. Obrigado. (Aplausos.)