CASA BRANCA
Escritório do Secretário de Imprensa
Para divulgação imediata
Nações Unidas
Nova York, Nova York
10h29 (horário de verão da Costa Leste dos EUA)
PRESIDENTE OBAMA: Senhor presidente, senhor secretário-geral, colegas delegados, senhoras e senhores, ao discursar neste recinto pela última vez como presidente, permitam-me recapitular os progressos que fizemos nestes últimos oito anos.
Das profundezas da maior crise financeira do nosso tempo, coordenamos nossa resposta para evitar uma catástrofe ainda maior e fazer a economia global retomar o crescimento. Eliminamos refúgios seguros para terroristas, fortalecemos o regime de não proliferação, resolvemos a questão nuclear iraniana por meio da diplomacia. Iniciamos relações com Cuba, ajudamos a Colômbia a pôr fim à guerra mais longa da América Latina e recebemos nesta assembleia um líder de Mianmar eleito democraticamente. Nossa assistência está ajudando pessoas a se alimentar, cuidar de doentes, iluminar comunidades por toda a África e promover modelos de desenvolvimento e não de dependência. Tornamos instituições internacionais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional mais representativas e criamos uma estrutura para proteger nosso planeta das devastações das mudanças climáticas.
É um trabalho importante. Fez diferença real na vida das pessoas. E não teria ocorrido se não tivéssemos trabalhado juntos. No entanto, em todo o planeta estamos vendo as mesmas forças de integração global que nos tornaram interdependentes também expor profundas fissuras na ordem internacional existente.
Vemos isso nas manchetes todos os dias. Em todo o mundo, refugiados cruzam fronteiras fugindo de conflitos brutais. Problemas financeiros continuam a pesar sobre nossos trabalhadores e comunidades inteiras. Em vastas faixas do Oriente Médio, a segurança básica, a ordem básica estão comprometidas. Vemos um número demasiado de governos amordaçar jornalistas, reprimir dissentes e censurar o fluxo de informações. As redes terroristas utilizam as mídias sociais para dominar a mente de nossos jovens, colocando em risco sociedades abertas e incitando a raiva contra imigrantes e muçulmanos inocentes. Nações poderosas contestam as medidas restritivas impostas sobre elas pelo Direito Internacional.
Esse é o paradoxo que define o nosso mundo hoje. Um quarto de século depois do fim da Guerra Fria, o mundo é por muitos parâmetros menos violento e mais próspero do que jamais foi e, no entanto, nossas sociedades estão repletas de incerteza, inquietude e conflitos. Apesar de enormes progressos, à medida que as pessoas deixam de confiar nas instituições, torna-se mais difícil governar e as tensões entre as nações vêm à tona mais rápido.
E assim acredito que neste momento todos nos deparamos com uma escolha. Podemos optar por avançar com um modelo melhor de cooperação e integração. Ou podemos recuar para um mundo fortemente dividido e, em última instância, em conflito, junto com antigos limites de nação e tribo, raça e religião.
Quero sugerir a vocês hoje que temos de avançar, não recuar. Por mais imperfeitos que sejam, acredito que os princípios de mercados abertos e governança responsável, de democracia, direitos humanos e Direito Internacional que criamos continuam a base mais firme para o progresso humano neste século. Faço essa afirmação baseado não em teorias ou ideologias, mas em fatos – fatos dos quais com muita frequência nos esquecemos na urgência dos eventos atuais.
Eis o fato mais importante: a integração da nossa economia global tornou a vida melhor para bilhões de homens, mulheres e crianças. Nos últimos 25 anos, o número de pessoas vivendo em pobreza extrema foi reduzido de quase 40% da humanidade para menos de 10%. Isso não tem precedentes. E não é uma abstração. Significa que as crianças têm o suficiente para comer; as mães não morrem no parto.
Enquanto isso, a decifração do código genético promete a cura de doenças que nos atormentam há séculos. A internet pode disponibilizar em um único dispositivo portátil todo o conhecimento humano para uma menina em um vilarejo remoto. Na medicina e na manufatura, na educação e nas comunicações, estamos passando por uma transformação na vida dos seres humanos em uma escala que lembra as revoluções na agricultura e na indústria. E, como resultado, uma pessoa nascida hoje tem mais probabilidade de ser saudável, viver mais e ter acesso a oportunidades do que em qualquer outra época da história da humanidade.
Além disso, o colapso do colonialismo e do comunismo possibilitou que mais pessoas do que jamais antes tenham liberdade para escolher seus líderes. Apesar das áreas reais e preocupantes onde a liberdade parece estar retrocedendo, o fato permanece que o número de democracias do mundo quase dobrou nos últimos 25 anos.
Nos cantos mais remotos do mundo, os cidadãos estão exigindo respeito pela dignidade de todas as pessoas, independentemente de gênero, raça, religião, deficiência ou orientação sexual, e aqueles que negam aos outros dignidade estão sujeitos à reprovação pública. Uma explosão de mídias sociais deu às pessoas comuns mais maneiras de se expressar e aumentou as expectativas das pessoas com relação àqueles de nós no poder. Na verdade, a nossa ordem internacional tem tido tanto sucesso que damos como certo que as grandes potências não travam mais guerras mundiais; que o fim da Guerra Fria dissipou a sombra do Armageddon nuclear; que os campos de batalha da Europa foram substituídos por uma união pacífica; que a China e a Índia continuam em um caminho de notável crescimento.
Digo tudo isso não para encobrir os desafios que enfrentamos nem para sugerir complacência. Pelo contrário. Acredito que precisamos reconhecer essas conquistas a fim de reunir a confiança para levar adiante esses progressos e nos certificar de que não abandonaremos exatamente as coisas que propiciaram esses progressos.
Para avançar, no entanto, realmente precisamos reconhecer que o caminho existente para a integração global requer uma correção de curso. Com muita frequência, aqueles que alardeiam os benefícios da globalização ignoraram a desigualdade nas nações e entre elas; ignoraram o apelo duradouro de identidades étnicas e sectárias; deixaram as instituições internacionais mal equipadas, subfinanciadas e com poucos recursos para lidar com os desafios transnacionais.
E enquanto esses problemas reais têm sido negligenciados, visões alternativas do mundo pressionam tanto os países mais ricos quanto os mais pobres: fundamentalismo religioso; a política de etnias, tribos ou seitas; nacionalismo agressivo; populismo grosseiro – às vezes da extrema esquerda, mas mais frequentemente da extrema direita – que procura restaurar o que se acredita ter sido uma época melhor e mais simples, livre da contaminação externa.
Não podemos ignorar essas visões. Elas são poderosas. Elas refletem a insatisfação de um número demasiadamente elevado de cidadãos. Não acredito que essas visões possam proporcionar segurança ou prosperidade no longo prazo, mas realmente acredito que essas visões não conseguem reconhecer, em um nível muito básico, nossa humanidade comum. Além disso, acredito que a aceleração das viagens, da tecnologia e das telecomunicações – junto com uma economia global que depende de uma cadeia de fornecimento global – acaba sendo contraproducente para aqueles que procuram reverter esses progressos. Uma nação cercada por muros hoje iria apenas se aprisionar.
Portanto, a resposta não pode ser a simples rejeição da integração global. Pelo contrário. Precisamos trabalhar juntos para garantir que os benefícios dessa integração sejam amplamente compartilhados e que os problemas – econômicos, políticos e culturais – causados pela integração sejam devidamente tratados. Este não é o lugar para um plano detalhado de políticas, mas permitam-me indicar em linhas gerais as áreas que acredito que precisamos fazer melhor juntos.
Começa por fazer com que a economia global funcione melhor para todas as pessoas e não apenas para os que estão no topo. Embora os mercados abertos e o capitalismo tenham elevado os padrões de vida em todo o mundo, a globalização combinada com avanços rápidos e tecnologia também enfraqueceu a posição dos trabalhadores e sua capacidade de garantir um salário digno. Em economias avançadas como a do meu país, os sindicatos têm sido enfraquecidos, e muitos empregos na indústria desapareceram. Muitas vezes, aqueles que mais se beneficiam da globalização fazem uso de seu poder político para enfraquecer ainda mais a posição dos trabalhadores.
Nos países em desenvolvimento, as organizações sindicais têm sido subjugadas com frequência, e o crescimento da classe média tem sido contido pela corrupção e pela falta de investimentos. Políticas mercantilistas defendidas por governos com modelos voltados para as exportações ameaçam enfraquecer o consenso que respalda o comércio global. E, enquanto isso, o capital global muito frequentemente não é responsabilizado – quase US$ 8 trilhões escondidos em paraísos fiscais, um sistema bancário obscuro que cresce fora do alcance da supervisão eficaz.
Um mundo no qual 1% da humanidade controla o mesmo tanto de riqueza que os outros 99% nunca será estável. Entendo que as disparidades entre ricos e pobres não sejam novas, mas assim como uma criança em uma favela hoje pode ver um arranha-céu próximo, a tecnologia agora permite que qualquer pessoa com um smartphone veja como vivem os mais privilegiados e o contraste entre a sua vida e a dos outros. As expectativas aumentam, portanto, mais rápido do que os governos podem responder, e um sentimento generalizado de injustiça enfraquece a crença das pessoas no sistema.
Como corrigimos esse desequilíbrio? A integração não pode ser desfeita assim como não podemos colocar a tecnologia de volta em uma caixa. Nem podemos levar em conta os modelos fracassados do passado. Se começarmos a recorrer a guerras comerciais, subsídios que distorcem o mercado, políticas de empobrecimento das nações vizinhas, dependência excessiva dos recursos naturais em vez de inovação – essas abordagens nos tornarão mais pobres, coletivamente, e têm mais probabilidade de levar a conflitos. E o contraste gritante entre, digamos, o sucesso da República da Coreia e a improdutividade da Coreia do Norte mostra que o controle centralizado e planejado da economia é um beco sem saída.
Mas realmente acredito que existe um outro caminho – que alimenta o crescimento e a inovação e oferece a rota mais clara para oportunidades individuais e sucesso nacional. Ele não requer sucumbir a um capitalismo desalmado que beneficia somente a poucos, mas ao contrário reconhece que as economias têm mais sucesso quando diminuímos as disparidades entre ricos e pobres e o crescimento tem base ampla. E isso significa respeitar os direitos dos trabalhadores, para que eles possam se organizar em sindicatos independentes e ganhar um salário digno. Significa investir em nossa gente – em suas habilidades, sua educação, sua capacidade de transformar uma ideia em um negócio. Significa fortalecer a rede de segurança que protege nosso povo das dificuldades e permite que as pessoas assumam mais riscos – para procurar um novo emprego ou começar um novo empreendimento.
Essas são as políticas que busquei aqui nos Estados Unidos, com resultados claros. As empresas americanas criaram até agora 15 milhões de novos empregos. Depois da recessão, o 1% de americanos no topo estava recebendo mais de 90% de crescimento de renda. Mas hoje isso caiu para cerca de metade. No ano passado, a pobreza neste país caiu no ritmo mais rápido em quase 50 anos. E com mais investimentos em infraestrutura, educação infantil e pesquisa básica, estou certo de que esses progressos terão continuidade.
Portanto, assim como busquei essas medidas aqui internamente, os Estados Unidos trabalharam com muitas nações para conter os excessos do capitalismo – não para punir a riqueza, mas para evitar a repetição de crises que possam destruí-lo. É por isso que trabalhamos com outras nações para criar normas mais rigorosas e mais claras para operações bancárias e tributação – porque uma sociedade que pede menos de seus oligarcas do que dos cidadãos comuns apodrecerá por dentro. É por isso que pressionamos por transparência e cooperação na erradicação da corrupção e no rastreamento de dinheiro ilícito, porque os mercados criam mais empregos quando são movidos por trabalho árduo e não pela capacidade de extorquir subornos. É por isso que trabalhei para fechar acordos comerciais que elevam as normas trabalhistas e elevam as normas ambientais, como fizemos com a Parceria Transpacífica, para que os benefícios sejam mais amplamente compartilhados.
E assim como nos beneficiamos por combater a desigualdade nos nossos países, acredito que as economias avançadas ainda precisam fazer mais para diminuir as disparidades entre nações ricas e pobres. Isso é difícil politicamente. É difícil gastar em assistência externa. Mas não acredito que isso seja caridade. Por uma pequena fração do que gastamos na guerra no Iraque poderíamos apoiar instituições de modo que os Estados frágeis não entrem em colapso e investir em economias emergentes que se tornam mercados para os nossos produtos. Não é apenas a coisa certa a ser feita, é a coisa inteligente a ser feita.
E é por isso que precisamos dar prosseguimento aos nossos esforços para combater as mudanças climáticas. Se não agirmos com coragem, a conta poderá ser migrações em massa, cidades submersas, nações deslocadas, suprimentos de alimentos dizimados e conflitos surgidos do desespero. O Acordo de Paris nos dá uma base para agir, mas somente se aumentarmos nossa ambição. E deve haver um senso de urgência com relação a colocar o acordo em vigor e ajudar os países mais pobres a ultrapassar as formas destrutivas de energia.
Portanto, para os países mais ricos, o Fundo Verde para o Clima deve ser apenas o começo. Precisamos investir em pesquisa e fornecer incentivos de mercado para o desenvolvimento de novas tecnologias e depois tornar essas tecnologias acessíveis e financeiramente viáveis aos países mais pobres. E só então podemos continuar a tirar todas as pessoas da pobreza sem condenar nossos filhos a um planeta além de sua capacidade de repará-lo.
Portanto, precisamos de novos modelos para o mercado global, modelos que sejam inclusivos e sustentáveis. E, da mesma forma, precisamos de modelos de governança que sejam inclusivos e prestem contas às pessoas comuns.
Reconheço que nem todo país neste recinto vai seguir o mesmo modelo de governança. Não acho que os Estados Unidos possam – ou devam – impor seu sistema de governo a outros países. Mas parece haver uma disputa crescente entre autoritarismo e liberalismo neste momento. E quero que todos entendam que não sou neutro nessa disputa. Acredito em uma ordem política liberal – uma ordem construída não apenas por meio de eleições e governo representativo, mas também por meio do respeito pelos direitos humanos e pela sociedade civil, por judiciários independentes e pelo Estado de Direito.
Sei que alguns países, que hoje reconhecem o poder dos livres mercados, ainda rejeitam o modelo de sociedades livres. E talvez aqueles de nós que têm promovido a democracia se sintam de certa forma desencorajados desde o fim da Guerra Fria, porque aprendemos que a democracia liberal não vai simplesmente inundar o planeta com uma única onda. Acontece que a construção de instituições transparentes é um trabalho difícil – trabalho de gerações. Os ganhos muitas vezes são frágeis. Às vezes damos um passo para frente e depois dois para trás. Em países configurados por fronteiras definidas por potências coloniais, com enclaves étnicos e divisões tribais, a política e as eleições às vezes parecem ser um jogo de soma zero. E, assim, dada a dificuldade de forjar uma democracia verdadeira em face dessas pressões, não é de surpreender que alguns argumentem que o futuro favorece o homem forte, um modelo de cima para baixo, em vez de instituições fortes e democráticas.
Mas acredito que esse modo de pensar está errado. Acredito que a estrada da verdadeira democracia continua sendo o melhor caminho. Acredito que no século 21 as economias só conseguem crescer até um certo ponto até precisarem se abrir – porque os empreendedores necessitam ter acesso a informações para poderem inventar; os jovens precisam de uma educação global para poderem prosperar; a mídia independente precisa fiscalizar os abusos de poder. Sem essa evolução, em última instância as expectativas das pessoas não serão atendidas; repressão e estagnação se estabelecerão. E a história mostra que os homens fortes depois se veem entre dois caminhos: repressão permanente, que desencadeia conflitos internos, ou inimigos no exterior como bodes expiatórios, o que pode levar a guerras.
Agora, admito, minha crença de que os governos servem às pessoas, e não o contrário, é moldada pela história dos Estados Unidos. Nossa nação começou com uma promessa de liberdade que se aplicava apenas a poucos. Mas por causa da nossa Constituição democrática, por causa da nossa Declaração de Direitos, por causa dos nossos ideais, as pessoas comuns puderam se organizar, marchar, protestar e, finalmente, esses ideais venceram – abriram portas para mulheres, minorias e trabalhadores de uma maneira que tornou a nossa economia mais produtiva e a nossa diversidade em força; que deu aos inovadores a chance de transformar todas as áreas da atividade humana; que possibilitou a alguém como eu ser eleito presidente dos Estados Unidos.
Portanto, sim, minhas visões são moldadas pelas experiências específicas dos Estados Unidos, mas não acho que essa história seja única dos Estados Unidos. Vejam a transformação que está se dando em países tão diferentes quanto Japão, Chile, Indonésia e Botsuana. Os países que tiveram sucesso são aqueles que as pessoas sentem que têm participação.
Na Europa, os progressos dos países do antigo bloco soviético que abraçaram a democracia contrastam claramente com aqueles que não o fizeram. Afinal, o povo da Ucrânia não tomou as ruas por conta de alguma conspiração imposta de fora. Eles tomaram as ruas porque sua liderança estava à venda e não tiveram outra alternativa. Eles exigiram mudanças porque viram a vida melhorar para as pessoas dos Países Bálticos e da Polônia, sociedades que eram mais liberais, democráticas e abertas do que as suas.
Portanto, aqueles de nós que acreditam na democracia, precisam se manifestar com veemência, porque tanto os fatos quanto a história, acredito, estão do nosso lado. Isso não significa que as democracias não tenham defeitos. Isso significa que a cura para o que aflige nossas democracias é mais participação dos cidadãos – não menos.
Sim, nos Estados Unidos, há muito dinheiro na política; muito partidarismo entrincheirado; pouca participação dos cidadãos, em parte devido a uma colcha de retalhos de leis que faz com que seja mais difícil votar. Na Europa, uma bem-intencionada Bruxelas quase sempre ficou muito isolada do embate normal da política nacional. Muito frequentemente, nas capitais, os tomadores de decisão se esquecem que a democracia precisa ser impulsionada pela participação cívica, de baixo para cima, não pela governança de especialistas, de cima para baixo. E, portanto, esses são problemas reais, e à medida que os líderes de governos democráticos defendem a democracia no exterior, podemos nos esforçar mais e com mais afinco para estabelecer um exemplo melhor em âmbito interno.
Além disso, cada país vai organizar seu governo embasado por séculos de história, pelas circunstâncias da geografia e pelas crenças profundamente arraigadas de seu povo. Portanto, reconheço que uma sociedade tradicional possa valorizar a unidade e a coesão mais do que um país diversificado como o meu, que foi fundado com base no que, à época, era uma ideia radical – a ideia da liberdade dos seres humanos dotados de determinados direitos concedidos por Deus. Mas isso não significa que as pessoas comuns na Ásia, na África ou no Oriente Médio prefiram de alguma forma a regra arbitrária que lhes nega voz nas decisões que podem moldar sua vida. Acredito que esse espírito seja universal. E se algum de vocês duvida da universalidade desse desejo, ouça a voz dos jovens de todos os lugares que clamam por liberdade, dignidade e oportunidades para controlar a própria vida.
Isso me leva à terceira coisa que precisamos fazer: temos de rejeitar qualquer forma de fundamentalismo, de racismo ou de crença na superioridade étnica que torna nossa identidade tradicional irreconciliável com a modernidade. Em vez disso, precisamos abraçar a tolerância que resulta do respeito de todos os seres humanos.
É uma obviedade dizer que a integração global levou à colisão de culturas; que o comércio, a migração, a internet, todas essas coisas, podem desafiar e desestabilizar nossa identidade mais prezada. Vemos sociedades liberais manifestarem oposição quando mulheres optam por se cobrir. Vemos protestos em resposta a charges de jornais ocidentais que ridicularizam o profeta Maomé. Em um mundo que deixou a época dos impérios para trás, vemos a Rússia tentar recuperar a glória perdida por meio da força. Potências asiáticas disputam interpretações antagônicas da história. E na Europa e nos Estados Unidos, vemos pessoas preocupadas com imigração e mudanças demográficas e sugerindo que de alguma maneira as pessoas com aparência diferente estão corrompendo o caráter dos nossos países.
Não há resposta fácil para resolver todas essas forças sociais, e temos de respeitar o significado que as pessoas conferem às suas tradições – à sua religião, à sua etnia, ao seu sentido de nacionalidade. Mas não acredito que progressos sejam possíveis se o nosso desejo de preservar nossa identidade der lugar ao impulso de desumanizar ou dominar outro grupo. Se a nossa religião nos levar a perseguir pessoas de outra fé, se prendermos ou espancarmos os gays, se nossas tradições nos levarem a impedir as meninas de frequentar a escola, se discriminarmos com base em raça ou tribo ou etnia, então os frágeis laços de civilização vão se desfazer. O mundo é muito pequeno, estamos muito próximos uns dos outros, para podermos recorrer a essas velhas formas de pensar.
Vemos essa mentalidade em muitas partes do Oriente Médio. Lá, grande parte do colapso da ordem tem sido alimentado porque líderes buscaram legitimidade não por conta de políticas ou programas, mas perseguindo a oposição política ou demonizando outras seitas religiosas, reduzindo o espaço público à mesquita, onde em muitos lugares deturpações de uma grande religião foram toleradas. Essas forças se formaram durante anos e agora estão ajudando a alimentar tanto a trágica guerra civil na Síria quanto a ameaça irracional e medieval do Estado Islâmico.
A mentalidade de sectarismo, extremismo, derramamento de sangue e retaliação que está existindo não será revertida rapidamente. E, se formos honestos, sabemos que nenhuma potência externa será capaz de forçar diferentes comunidades religiosas ou comunidades étnicas a coexistir por muito tempo. Mas realmente acredito que temos de ser honestos sobre a natureza desses conflitos, e nossa comunidade internacional tem de continuar a trabalhar com aqueles que procuram construir e não destruir.
E há um componente militar nisso. Significa estarmos unidos e sermos implacáveis na destruição de redes como o Estado Islâmico, que não mostram nenhum respeito pela vida humana. Mas isso também significa que em um lugar como a Síria, onde não há vitória militar definitiva a ser conquistada, vamos ter de perseguir o trabalho árduo da diplomacia que visa pôr fim à violência, entregar ajuda àqueles que precisam e apoiar aqueles que buscam uma solução política e podem considerar aqueles que não são como eles merecedores de dignidade e respeito.
Nos conflitos da região, temos de insistir que todas as partes reconheçam uma humanidade comum e que as nações ponham fim a guerras por procuração que alimentam a desordem. Porque até que perguntas básicas sejam respondidas sobre como as comunidades coexistem, as brasas do extremismo continuarão a queimar, incontáveis seres humanos sofrerão – principalmente nessa região – mas o extremismo continuará a ser exportado para o exterior. E o mundo é pequeno demais para simplesmente conseguirmos construir um muro e impedi-lo de afetar a nossa sociedade.
E o que vale para o Oriente Médio vale para todos nós. Certamente as tradições religiosas podem ser honradas e mantidas ao mesmo tempo que ensinamos aos jovens ciência e matemática, em vez de intolerância. Certamente podemos manter nossas tradições ao mesmo tempo que conferimos às mulheres seu papel pleno e legítimo na política e na economia de uma nação. Certamente podemos convocar nossas nações à solidariedade ao mesmo tempo que reconhecemos igualdade de tratamento a todas as comunidades – quer se trate de uma minoria religiosa em Mianmar, ou uma minoria étnica em Burundi, ou uma minoria racial bem aqui nos Estados Unidos. E certamente israelenses e palestinos estarão melhores se os palestinos rejeitarem o incitamento e reconhecerem a legitimidade de Israel, mas se Israel reconhecer que não pode ocupar e assentar permanentemente em território palestino. Todos nós temos de fazer melhor como líderes para conter, em vez de estimular, uma noção de identidade que nos leve a diminuir os outros.
E isso me leva à quarta e última coisa que precisamos fazer, que é manter nosso compromisso com a cooperação internacional enraizada nos direitos e nas responsabilidades das nações.
Como presidente dos Estados Unidos, sei que na maior parte da história da humanidade o poder não foi unipolar. O fim da Guerra Fria pode ter levado muitas pessoas a se esquecer dessa verdade. Como presidente, percebi que, às vezes, tanto os adversários dos Estados Unidos quanto alguns de seus aliados acreditam que todos os problemas ou foram causados por Washington ou poderiam ser resolvidos por Washington – e talvez sejam muitos os que também acreditam nisso em Washington. (Risos.) Mas creio que os Estados Unidos têm sido uma superpotência rara na história da humanidade, na medida em que têm se mostrado dispostos a olhar para além de seus próprios interesses; apesar de termos cometido nossa parcela de erros ao longo destes últimos 25 anos – e reconheço alguns deles – nós nos esforçamos, às vezes com grande sacrifício, para alinhar melhor nossas ações com nossos ideais. E, como consequência, creio que temos sido uma força para o bem.
Temos proporcionado segurança aos nossos aliados. Temos agido para proteger os vulneráveis. Apoiamos os direitos humanos e fomos favoráveis ao escrutínio das nossas próprias ações. Nosso poder tem estado atrelado às leis e às instituições internacionais. Quando erramos, tentamos reconhecer os erros. Trabalhamos para reverter a pobreza, a fome e a doença além das nossas fronteiras, não apenas dentro delas.
Eu me orgulho disso. Mas também sei que não podemos fazer isso sozinhos. E acredito que, se quisermos vencer os desafios deste século, todos nós teremos de fazer mais para intensificar a capacidade internacional. Não podemos escapar da perspectiva de guerra nuclear a não ser pelo compromisso de todos com o fim da disseminação das armas nucleares e a busca de um mundo sem elas.
Quando o Irã concorda em aceitar restrições ao seu programa nuclear, isso reforça a segurança global e a capacidade do país de trabalhar com outras nações. Por outro lado, quando a Coreia do Norte testa uma bomba, isso coloca todos nós em perigo. E qualquer país que quebre esse acordo básico precisa sofrer as consequências. E as nações que possuem essas armas, como os Estados Unidos, têm a responsabilidade única de buscar o caminho para a redução dos seus estoques, reafirmando normas básicas como o compromisso de nunca mais testá-las.
Não podemos combater uma doença como a zika, que não reconhece fronteiras – mosquitos não respeitam muros – a não ser tornando permanente a mesma urgência que determinamos para enfrentar o ebola – reforçando nossos próprios sistemas de saúde pública, investindo em curas e revertendo as causas subjacentes da doença, além de ajudar os países mais pobres a desenvolver uma infraestrutura de saúde pública.
Só poderemos eliminar a pobreza extrema se as metas do desenvolvimento sustentável que estabelecemos deixarem de ser apenas palavras no papel. A engenhosidade humana nos dá agora capacidade para alimentar os famintos e dar a todas as nossas crianças – inclusive às meninas – a educação que é a base da oportunidade em nosso mundo. Mas precisamos transformar nossas palavras em ação.
E só poderemos realizar a promessa da fundação desta instituição – substituir as devastações da guerra por cooperação – se nações poderosas como a minha aceitarem restrições. Às vezes sou criticado em meu próprio país por professar a crença nas normas internacionais e nas instituições multilaterais. Mas estou convencido de que, no longo prazo, abrir mão de alguma liberdade de ação – não da nossa habilidade para nos proteger ou ir atrás dos nossos interesses essenciais, mas obedecendo regras internacionais a longo prazo – reforça a nossa segurança. E acho que isso não é verdadeiro apenas para nós.
Se a Rússia continuar a interferir nos assuntos dos seus vizinhos, isso pode ser popular na Rússia, pode fomentar fervor nacionalista por um tempo, mas com o passar do tempo isso também vai minguar a estatura do país e tornar suas fronteiras menos seguras. No Mar do Sul da China, uma resolução de disputa pacífica oferecida pela lei significará muito mais estabilidade do que a militarização de alguns rochedos e recifes.
Todos nós temos interesse nesse sistema internacional, e cabe a todos nós investir no sucesso das instituições às quais pertencemos. E a boa notícia é que muitos países têm mostrado o tipo de progresso possível quando assumimos esses compromissos. Pensem no que conseguimos realizar aqui nos últimos anos.
Juntos, mobilizamos cerca de 50 mil soldados a mais para os esforços de manutenção da paz da ONU, tornando esse contingente mais ágil, mais bem equipado e mais preparado para enfrentar situações de emergência. Juntos, criamos a Parceria para Governo Aberto, para que a transparência empodere um número cada vez maior de pessoas em todo o mundo. E juntos precisamos agora abrir o coração e fazer mais para ajudar os refugiados que buscam desesperadamente um lar.
Devemos saudar as promessas de mais assistência feitas nesta reunião da Assembleia Geral. Falarei mais sobre isso esta tarde. Mas temos de cumpri-las, mesmo quando a política é difícil. Porque temos de ter a empatia de ver a nós mesmos nos olhos de homens, mulheres e crianças inocentes que, não por sua culpa, tiveram de deixar tudo o que conheciam, tudo o que amavam. Temos de imaginar como seria para a nossa família, os nossos filhos, se o indescritível acontecesse para nós. E devemos todos entender que, no final das contas, nosso mundo ficará mais seguro se estivermos preparados para ajudar os necessitados e as nações que estão suportando o ônus maior com relação à acomodação desses refugiados.
Existem muitos países no momento fazendo o que é certo. Mas muitos outros – em particular aqueles abençoados com riqueza e os benefícios da geografia – que podem fazer mais para ajudar, ainda que também insistam que os refugiados que vão para o seu país devem se esforçar mais para se adaptar aos costumes e às convenções das comunidades que estão agora lhes proporcionando um lar.
Permitam-me terminar dizendo que sei que a história diz algo diferente do que eu disse aqui hoje. Existe uma visão muito mais sombria e cética da história que podemos adotar. Os seres humanos costumam ser motivados por ganância e poder. Na maior parte da história os grandes países dominaram os menores. Tribos e grupos étnicos e Estados-nação têm normalmente achado mais conveniente definir a si mesmos segundo o que odeiam e não segundo as ideias que os unem.
Por diversas vezes os seres humanos acreditaram ter finalmente chegado a um período de iluminação, apenas para repetir em seguida ciclos de conflito e sofrimento. Talvez seja esse o nosso destino. Temos de nos lembrar de que as escolhas de seres humanos individuais levaram a uma segunda guerra mundial. Mas precisamos também nos lembrar de que as escolhas de seres humanos individuais criaram as Nações Unidas, para que uma guerra como aquela jamais se repetisse. Cada um de nós, como líder, cada país pode decidir rejeitar aqueles que despertam em nós o que temos de pior e abraçar aqueles que despertam em nós o que temos de melhor. Porque mostramos que podemos escolher uma história melhor.
Em uma cela de prisão, o jovem Martin Luther King Jr. escreveu: “O progresso da humanidade nunca avança sobre as rodas da inevitabilidade; é fruto dos esforços incansáveis dos homens dispostos a colaborar na obra de Deus”. E durante o período destes oito anos, como viajei para muitos países, vi esse espírito em nossos jovens, que são mais instruídos e mais tolerantes, mais inclusivos, mais diversificados e mais criativos do que a nossa geração; que têm mais empatia e compaixão pelos outros seres humanos do que as gerações anteriores. E, sim, parte disso vem com o idealismo da juventude. Mas vem também com o acesso dos jovens à informação sobre outros povos e lugares – de um entendimento singular da história da humanidade no sentido de que o seu futuro está atrelado ao destino de outros seres humanos do outro lado do mundo.
Penso nos milhares de profissionais de saúde do mundo inteiro que foram voluntários no combate ao ebola. Lembro-me dos jovens empreendedores que conheci e que agora estão abrindo novas empresas em Cuba, dos parlamentares que há apenas poucos anos eram presos políticos em Mianmar. Penso nas meninas que enfrentaram insultos ou violência só para frequentar a escola no Afeganistão e nos universitários que começaram cursos on-line para rejeitar o extremismo de organizações como o Estado Islâmico. Retiro forças dos jovens americanos – empreendedores, ativistas, soldados, novos cidadãos – que estão refazendo nossa nação mais uma vez, que não estão limitados por velhos hábitos e velhas convenções e estão livres daquilo que é; ao contrário, estão prontos para ir atrás daquilo que deve ser.
A minha própria família é formada do sangue e da carne, de tradições, culturas e religiões de uma grande diversidade de lugares do mundo – exatamente como os Estados Unidos, que foram construídos por imigrantes de toda parte. E na minha própria vida, neste país, e como presidente, aprendi que a identidade das pessoas não tem de ser definida pelo desprezo por outra pessoa, mas pode ser reforçada com o enaltecimento de outra pessoa. As identidades não têm de ser definidas em oposição a outras, mas, pelo contrário, pela crença na liberdade e na igualdade, na justiça e na imparcialidade.
E a adoção desses princípios como universais não enfraquece o meu orgulho particular, meu amor particular pelos Estados Unidos – na verdade, fortalece. Minha crença de que esses ideais se aplicam a todos os lugares não diminui meu compromisso em ajudar aqueles que se parecem comigo ou rezam como eu ou juram fidelidade à minha bandeira. Mas minha fé nesses princípios me obriga a expandir minha imaginação moral e reconhecer que posso servir melhor ao meu povo e posso cuidar melhor das minhas filhas ao garantir que as minhas ações busquem aquilo que é certo para todas as pessoas e todas as crianças, as filhas de vocês e os filhos de vocês.
Acredito nisto: que todos nós podemos colaborar na obra de Deus. E a liderança de cada um de nós e o governo de cada um de nós e estas Nações Unidas devem refletir essa verdade irredutível.
Muito obrigado. (Aplausos.)
FIM
11h17 (horário de verão da Costa Leste dos EUA)