Brasil (Tier 2)
O governo brasileiro não atende totalmente às normas mínimas para a eliminação do tráfico, mas vem se empenhando significativamente. O governo demonstrou crescente empenho na sua capacidade de combate ao tráfico em comparação com o período do relatório anterior, levando em conta o impacto da pandemia de COVID-19; portanto, o país permaneceu no Tier 2. Entre seus esforços estão condenações transitadas em julgado contra três traficantes de sexo e sentenças condenatórias de 1ª instância contra seis traficantes de trabalho. Além disso, há o desenvolvimento de uma nova orientação abrangente para identificar e fornecer assistência às vítimas de trabalho escravo, inclusive vítimas de tráfico de mão-de-obra. No entanto, o governo não cumpriu com os padrões mínimos em várias áreas centrais. Não informou sobre o início de novos casos contra o trabalho forçado, e as autoridades continuaram a punir a maioria dos traficantes de trabalho com penas administrativas em vez de penas preventivas de liberdade, que não serviram como um dissuasor eficaz nem proporcionaram justiça às vítimas. Os mecanismos de identificação e proteção das vítimas, inclusive serviços de abrigo, permaneceram inadequados e variaram bastante por estado. O governo abriu inquérito e processou menos traficantes e não ofereceu capacitação suficiente para policiais, promotores e juízes para aumentar sua capacidade de responder ao tráfico. O governo penalizou as vítimas de tráfico por crimes cometidos em virtude de sua situação de tráfico, e as autoridades em estados populosos não identificaram proativamente aquelas vítimas de tráfico sexual, inclusive entre populações altamente vulneráveis, como crianças e pessoas LGBTQIAP+.
Recomendações Priorizadas:
- Oferecer abrigo e assistência especializada às vítimas de tráfico sexual e trabalho forçado.
- Identificar proativamente e investigar vigorosamente os casos de tráfico sexual, inclusive turismo sexual infantil.
- Processar e condenar traficantes de trabalho forçado em varas criminais e punir traficantes com penas de prisão significativas.
- Capacitar agentes de repressão ao crime na identificação de vítimas para impedir a penalização das mesmas por atos ilegais que os traficantes as obrigam a cometer.
- Aumentar o número de delegacias de combate ao tráfico, principalmente nos estados onde há maior vulnerabilidade e o tráfico é predominante ou crescente, como Mato Grosso do Sul, Piauí, Rondônia, Roraima e Santa Catarina.
- Processar e condenar autoridades cúmplices do tráfico.
- Desenvolver um protocolo de identificação para as autoridades a respeito dos indicadores de tráfico e identificação proativa das vítimas e capacitá-las quanto ao seu uso.
- Alterar a lei de combate ao tráfico de 2016 para tipificar como crime o tráfico sexual de crianças sem elementos de força, fraude ou coerção, de acordo com o Protocolo TIP da ONU do ano 2000.
- Alocar recursos aos conselhos tutelares locais para aumentar os serviços especializados para vítimas de tráfico de crianças, inclusive assistência para gestão dos casos.
- Ampliar e financiar esforços para aumentar a conscientização sobre o tráfico em meios como a televisão, rede social e impressa, bem como campanhas que incluam o turismo sexual infantil nas rodovias onde prevalece o tráfico de pessoas.
- Compilar dados abrangentes sobre a identificação de vítimas, a assistência prestada, investigações, processos e condenações nos níveis federal e estadual, desagregados entre os casos de sexo e tráfico de trabalho forçado.
- Implementar o terceiro plano de ação nacional.
- Fortalecer o mandato do Comitê Nacional de Combate ao Tráfico de Pessoas (CONATRAP) no sentido de auxiliar no desenvolvimento de delegacias de combate ao tráfico em todos os estados, inclusive aqueles com pouco orçamento e alta prevalência de tráfico.
- Atualizar as orientações do mecanismo de encaminhamento a fim de refletir as disposições cobertas pela lei antitráfico de 2016.
PROCESSOS DE ACUSAÇÃO
O governo diminuiu os esforços de repressão. O artigo 149-A do Código Penal tipificou como crime algumas formas de tráfico para fins sexuais e todos as formas de tráfico de trabalho com penas de quatro a oito anos de detenção e multa, que foram suficientemente restritas e, quanto ao tráfico sexual, as penas foram proporcionais às de outros crimes, tais como estupro. Diferentemente das leis internacionais, o artigo 149a da Lei no. 13.344 exige uso de força, fraude, ou coerção para casos de tráfico de crianças para fins sexuais e, portanto, não tipificou todas as formas de tráfico sexual de crianças. Contudo, o artigo 244a do Estatuto da Criança e do Adolescente criminalizou o ato de induzir uma criança a se envolver em exploração sexual sem a necessidade de provar o uso da força, fraude ou coerção e prescreveu penas de quatro a dez anos de detenção e multa, com aplicação suficientemente rigorosa e proporcional às prescritas para outros crimes graves, como o estupro. Além disso, o artigo 149 do código penal previa penas de dois a oito anos de reclusão e multa. O artigo proibiu o trabalho escravo, ou seja, reduzir uma pessoa à condição análoga à escravidão, passando a definir trabalho forçado como aquele executado em condições degradantes de trabalho e horas de trabalho exaustivas, indo além das situações em que as pessoas são mantidas em serviço por meio da força, fraude ou coerção.
Os dados da repressão ao crime fornecidos pelo governo refletiram o empenho no âmbito federal. As autoridades relataram o início de 206 novos inquéritos sobre trabalho escravo, mas não informaram o número de novas investigações de tráfico sexual em 2020, em comparação com as 296 novas de 2019 (40 para tráfico sexual e 256 para trabalho escravo). Havia 237 investigações de trabalho escravo em andamento iniciadas em anos anteriores, algumas iniciadas em 2003. O governo levou 14 novos casos de suspeita de tráfico aos tribunais inferiores (quatro por tráfico sexual e 2020 por trabalho escravo), em comparação aos 56 novos processos em 2019 (um por tráfico sexual e 52 por trabalho escravo). As autoridades não relataram nenhum novo processo criminal por trabalho escravo em 2020. O governo relatou 512 processos de tráfico em andamento (seis por tráfico sexual e 506 por trabalho escravo) em tribunais de primeira e segunda instância. Em 2020, o governo relatou três condenações transitadas em julgado por tráfico de acordo com um estatuto relacionado que criminaliza a facilitação do tráfico de pessoas; não confirmou se se tratava de condenações por tráfico de sexo ou de trabalho, nem forneceu detalhes sobre a duração das penas que os traficantes receberam. Os tribunais condenaram pelo menos seis traficantes de mão-de-obra em outros casos em 2020, mas esses traficantes poderiam recorrer de seus veredictos e, portanto, as condenações não foram finais. Em um caso em que as condenações cabiam recurso, os tribunais condenaram três traficantes de trabalho por explorar uma mulher venezuelana com trabalhos forçados. O Brasil permitiu longos processos recursais em casos criminais, inclusive para o tráfico, protelando a condenação e sentenças transitadas em julgado. Muitos traficantes de sexo e trabalho com sentenças condenatórias recorreram de seus vereditos várias vezes, tanto em tribunais inferiores quanto em tribunais de 2ª instância. Os relatos da imprensa demonstraram que o julgamento de casos pode levar de quatro a 10 anos. Os traficantes às vezes cumpriam sua sentença em prisão domiciliar ou em programas de trabalho na prisão, trabalhando durante o dia e passando a noite na prisão; penas que não foram proporcionais à gravidade do crime e provavelmente levaram à impunidade em casos de tráfico de pessoas. O governo relatou que atrasos relacionados à pandemia no sistema judicial retardaram o julgamento de processos e recursos, inclusive tráfico de pessoas e processos de trabalho escravo.
Em um caso notável, as autoridades prenderam um suposto traficante acusado de fingir ser um caçador de talentos para times de futebol profissional a fim de explorar jovens atletas. O suspeito teria recrutado meninos de Mato Grosso para viajar ao Paraná para jogar futebol, onde restringiu sua movimentação e os obrigou a pagar uma mensalidade, supostamente para manter sua elegibilidade para o recrutamento. Em outro caso muito comentado, policiais prenderam uma executiva da indústria da beleza sob acusações de trabalho escravo depois que uma denúncia à central telefônica revelou que havia explorado sua empregada doméstica de 61 anos por 23 anos, oferecendo baixos salários, retendo regularmente salários e alimentos, e fornecendo habitação inadequada. Em um terceiro caso, as autoridades prenderam um casal venezuelano sob a acusação de tráfico humano e extorsão; os supostos traficantes fizeram falsas ofertas de emprego a venezuelanos com deficiência auditiva, oferecendo-se para pagar suas despesas de viagem ao Brasil para saldar uma dívida. Assim que chegaram, o casal confiscou os passaportes das vítimas e as obrigou a mendigar na rua para pagar a dívida. Em 2020, as autoridades relataram diminuições em suas interações com o público, relacionadas à pandemia, inclusive potenciais vítimas de tráfico, redução de pessoal e treinamento inadequado na realização de tarefas de rotina sob tais condições; esses fatores podem ter limitado a eficácia dos esforços de repressão ao crime para investigar crimes e vítimas de tráfico.
O governo tratou o trabalho forçado como um crime distinto do tráfico de pessoas. Os fiscais do trabalho e promotores do trabalho tinham autoridade primordial sobre os casos de trabalho escravo e podiam aplicar penalidades civis. A Polícia Federal e o Ministério Público administravam a investigação e o julgamento de casos graves de trabalho escravo e tinham autoridade para processar traficantes de mão-de-obra. As autoridades de estados populosos, como o Rio de Janeiro, tinham um entendimento limitado do tráfico sexual e se concentravam principalmente nos casos transnacionais de tráfico de sexo. As autoridades policiais do estado não possuíam um protocolo para ajudar a identificar vítimas e não receberam nenhum treinamento sobre identificação proativa. Muitas autoridades governamentais do estado tiveram dificuldade em caracterizar os indivíduos que faziam sexo em troca de pagamento como possíveis vítimas de tráfico, um conceito que inibiu as ações policiais contra os traficantes e provavelmente levou as autoridades a negligenciar possíveis vítimas. Quando as autoridades identificaram a exploração de indivíduos em sexo comercial, inclusive vítimas de tráfico sexual, às vezes os consideravam vítimas de trabalho escravo e os encaminhavam ao Ministério Público do Trabalho (MPT) ou à Secretaria Especial de Assistência Social e Trabalho.
A coordenação entre órgãos e o empenho de coleta de dados foram inadequados. Os dados permaneceram difusos por vários bancos de dados nos níveis federal e estadual, dificultando a obtenção e análise de dados abrangentes. O Departamento de Polícia Federal (DPF) do Brasil possui uma delegacia em todos os estados e estava envolvido na investigação da maioria dos crimes de tráfico; no entanto, em estados como o Rio de Janeiro, a cooperação e a comunicação entre a PF e as entidades estaduais e municipais eram geralmente insuficientes. Os observadores relataram que a polícia ocasionalmente classifica erroneamente os casos de tráfico, sugerindo que tais casos foram subnotificados. Os órgãos de repressão ao crime em todos os níveis tinham orçamento, experiência e pessoal insuficientes para investigar casos de tráfico.
O governo não informou a cerca de inquéritos, processos ou condenações de autoridades que tenham sido cúmplices em crimes de tráfico de pessoas; no entanto, a corrupção e a cumplicidade por parte de autoridades nos crimes de tráfico continuaram sendo preocupações significativas, inibindo as ações policiais durante o ano. Casos de cumplicidade por parte de autoridades de anos anteriores permaneceram em aberto, inclusive a investigação de um político que foi preso e removido de seu cargo no estado do Paraná em outubro de 2016, após alegações de seu envolvimento em uma rede de tráfico sexual infantil. Da mesma forma, não houve atualizações sobre o recurso da procuradoria quanto a uma sentença inadequada dada a um investigador da polícia civil em 2016 por seu envolvimento em uma rede de tráfico sexual de crianças.
Durante o período do relatório, o governo ofereceu oportunidades limitadas de treinamento; não relatou treinamento antitráfico dirigido a promotores, juízes ou autoridade de repressão ao crime. Os observadores da sociedade civil relataram que as autoridades policiais e do setor judiciário demonstraram uma compreensão limitada dos crimes de tráfico; esses observadores também relataram que funcionários estaduais e municipais eram significativamente menos proficientes do que seus homólogos federais. O governo exigiu que novos juízes do trabalho recebessem treinamento sobre trabalho escravo e tráfico de pessoas, mas não recrutou novos juízes durante o período do relatório devido à pandemia; no entanto, 76 novos juízes concluíram o treinamento em 2019. As autoridades continuaram a coordenar com as autoridades dos Estados Unidos para evitar que supostos turistas sexuais infantis entrem no país. O governo sediou uma investigação multinacional em grande escala sobre tráfico e contrabando de pessoas, coordenada por uma agência internacional de repressão ao crime; por meio da investigação, as forças da PF contribuíram para a prisão de aproximadamente 30 traficantes suspeitos e a identificação de quase 100 potenciais vítimas de tráfico em 32 países.
PROTEÇÃO
O governo manteve o empenho na proteção. Em 2020, o governo afirmou identificar e fornecer serviços de proteção a 494 potenciais vítimas de tráfico. O governo forneceu dados parciais de identificação das vítimas de um subconjunto de registros de órgãos federais; nos últimos anos, o governo também relatou estatísticas parciais de identificação das vítimas, mas coletou esses dados de um subconjunto de órgãos de proteção em nível estadual. Diversos órgãos governamentais em vários níveis coletaram dados sobre a identificação e assistência às vítimas; por exemplo, em 2020, o Ministério da Saúde informou que seus funcionários identificaram 61 adultos e 36 crianças vítimas de tráfico, mais da metade das quais eram negras ou mestiças. No entanto, a falta de um banco de dados centralizado e de relatórios consistentes dificultaram as comparações ano a ano. O empenho na identificação variou muito de estado para estado; estados rurais selecionados, como o estado do Paraná, identificaram um grande número de vítimas relatadas, enquanto estados mais populosos, como Rio de Janeiro, identificaram relativamente poucos. Em 2020, as autoridades de fiscalização do trabalho realizaram fiscalizações em 266 empresas e identificaram 942 vítimas de exploração do trabalho; no entanto, o governo não especificou quantas dessas vítimas experimentaram trabalho forçado ou escravo, ao contrário de outras formas de exploração. O governo não informou o número total de casos de trabalho forçado, conforme definido nas leis internacionais. Em comparação, as autoridades inspecionaram 280 empresas e identificaram 1.130 vítimas de exploração do trabalho em 2019. Segundo consta, os fiscais do trabalho do governo federal compartilharam com as vítimas de trabalho escravo informações sobre os recursos básicos de que dispunham. O governo não informou quantas vítimas de trabalho escravo receberam tais informações em 2020. No entanto, todas as 942 vítimas identificadas tiveram acesso a três meses de seguro-desemprego, em comparação com as 713 possíveis vítimas que receberam seguro-desemprego em 2019. O governo não informou quais outros serviços as vítimas receberam. De acordo com o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), as autoridades continuaram a usar as orientações de identificação de vítimas criadas em 2013 para todos os governos federal, estaduais e municipais para auxiliar na identificação e assistência das vítimas. No entanto, as autoridades governamentais não receberam treinamento sobre o uso de tais orientações e não havia indicação de que as autoridades na maioria dos estados identificassem de forma proativa ou consistente as vítimas de tráfico sexual, de criminalidade forçada ou de turismo sexual infantil. Autoridades da procuradoria do trabalho identificaram vítimas de trabalho escravo enquanto realizavam inspeções de improviso em empresas ou empregadores suspeitos de usar trabalho escravo. Segundo alguns representantes do governo, os juízes não identificaram alguns indivíduos como vítimas de tráfico que inicialmente consentiram em realizar um determinado trabalho ou serviço no qual foram posteriormente coagidos ou forçados a fornecer trabalho ou serviços contra sua vontade. Em 2020, o governo produziu novos procedimentos operacionais padrão (POPs) para identificar e prestar assistência às vítimas de trabalho escravo; a nova orientação não incluiu financiamento adicional para assistência às vítimas e o governo não relatou treinamentos relacionados aos novos POPs. O MJSP manteve oito “postos avançados” em locais, como aeroportos e rodoviárias, onde as autoridades puderam rastrear os indicadores de tráfico, uma redução de nove postos avançados em 2020 e 12 em 2019.
A Lei 13.344 determinou que o governo forneça às vítimas abrigo temporário, assistência legal, social e de saúde e proteção contra a revitimização; contudo, a implementação da lei não foi homogênea em todos os estados. As autoridades continuaram a atuar em 16 núcleos estaduais e um municipal de combate ao tráfico (NETPs). Os NETPs operavam redes interagências que podiam servir como o primeiro ponto de contato para as vítimas que haviam sido identificadas por qualquer meio, inclusive ONGs; entretanto, a maioria dos NETPs não prestava serviços às vítimas diretamente e funcionava apenas durante o dia. A maioria dos órgãos interessados participaram da rede, e os NETPs poderiam encaminhar vítimas de tráfico sexual de adultos para Centros de Serviço Social Especializado (CREAS) que atendem populações vulneráveis, vítimas de trabalhos forçados para a Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) e crianças vítimas de tráfico para conselhos tutelares. Em 2020, um número desconhecido de NETPs atendeu 156 vítimas em potencial, em comparação com 10 NETPs atendendo 129 possíveis vítimas em 2019. As vítimas adultas encaminhadas ao CREAS poderiam receber atendimento de psicólogos não especializados e assistentes sociais; o governo relatou que todas as 494 vítimas potenciais de tráfico receberam serviços do CREAS, mas não divulgou as formas de assistência prestadas. Um servidor indicou que os NETPs não eram distribuídos de maneira equilibrada em todo o país. Em estados mais ricos, como São Paulo, o NETP possuía equipes efetivas de assistência e coordenação, que incluíam policiais, promotores, inspetores do trabalho, promotores do trabalho e profissionais de saúde mental. Em contraposição, o governo não financiou ou equipou adequadamente outros NETPs para encaminhar e assistir as vítimas. Muitos estados não tinham NETPs, inclusive estados fronteiriços onde o tráfico era predominante. Ao longo de 2020, o governo manteve uma parceria com uma organização brasileira de LGBTQIAP+ para aumentar a proteção às vítimas do tráfico transgênero, mas não relatou nenhum projeto ativo envolvendo o grupo.
Alguns NETPs e CREAS podiam fornecer abrigo de curto prazo limitado; o governo federal não financiou abrigos especializados ou de longa duração para vítimas de tráfico. Alguns estados colocaram vítimas em abrigos para imigrantes, desabrigados ou vítimas de violência doméstica. O estado de São Paulo tinha dois abrigos principais onde as vítimas de tráfico podiam receber assistência – um era um abrigo estadual financiado pelo governo, onde as vítimas mulheres e seus filhos podiam receber benefícios de saúde, educação, alimentação e moradia por três a seis meses; e o outro era um abrigo operado por ONG que prestava assistência temporária a refugiados e vítimas de tráfico. Quando não havia espaço disponível nesses abrigos, as autoridades de São Paulo alojavam as vítimas de tráfico em outros abrigos não especializados e, ocasionalmente, em hotéis. Os Estados não possuíam abrigos especializados para vítimas de tráfico sexual de crianças, e os conselhos tutelares muitas vezes careciam de conhecimentos e recursos para identificar, encaminhar e apoiar adequadamente as vítimas crianças. Não havia abrigos especializados para vítimas de tráfico do sexo masculino. O governo tinha uma rede de abrigos não especializados do governo e da sociedade civil que atendia a populações vulneráveis, como pessoas em situação de rua, vítimas de violência doméstica e idosos. Desses abrigos, o governo informou que mais de 3.700 poderiam receber vítimas de tráfico, embora muito menos atendesse vítimas de tráfico na prática. Em 2019, o ano mais recente para o qual havia dados disponíveis, 32 desses abrigos relataram fornecer serviços a pelo menos uma vítima de tráfico. O governo não informou quantas vítimas de tráfico esses abrigos ajudaram durante o período do relatório. Apesar de ser a segunda cidade mais populosa do país, o Rio de Janeiro não possuía abrigos especializados para vítimas de tráfico sexual. Funcionários do MPT usaram bens confiscados dos traficantes para atender vítimas de trabalho escravo. Para aumentar e agilizar o acesso ao atendimento para vítimas de trabalho forçado, os governos estaduais poderiam participar do Programa de Ação Integrada por meio do MPT, que coordenava o treinamento vocacional, buscava indenização dos traficantes e arranjava empregos. As autoridades não relataram o fornecimento de treinamento a nenhum assistente social do conselho tutelar sobre as piores formas de trabalho infantil, inclusive o tráfico, em 2020, em comparação com o treinamento de 242 assistentes sociais em 2019.
As autoridades penalizaram as vítimas por ilícitos que traficantes as obrigaram a cometer. Devido à falta de identificação e triagem formais, as autoridades prenderam algumas mulheres estrangeiras por crimes de tráfico de drogas cometidos sob coerção e como resultado de sua situação de tráfico. O governo adotou medidas para incentivar as vítimas a testemunhar no caso contra seus traficantes, inclusive permitindo testemunhos remotos via vídeo ao vivo. No entanto, as autoridades nunca relataram o uso dessas medidas para casos de tráfico. Os observadores continuaram expressando preocupação com a subnotificação de crimes de tráfico, atribuindo-a em parte à falta de conscientização das vítimas sobre os serviços de proteção e temem que a denúncia leve a mais exploração, deportação ou outros danos. A lei conferia às vítimas de tráfico estrangeiro uma autorização de residência; o governo atualizou o processo de pedido de licença para esclarecer as etapas necessárias em março de 2020. O governo informou ter emitido 12 dessas autorizações de residência em 2020, mas não informou quantas dessas autorizações emitiu para vítimas de tráfico. O governo poderia ajudar as vítimas de tráfico de pessoas com a repatriação, mas as autoridades não relatam ajudar nenhuma vítima desde 2017.
PREVENÇÃO
O governo se empenhou menos em impedir o tráfico. O MJSP continuou a supervisionar o grupo interministerial responsável pela implementação do Terceiro Plano de Ação Nacional 2016-2022, que recebeu orçamento operacional de
R$443.840 ($ 85.450), uma diminuição de R$639.250 ($123.070) em 2019. O MJSP também financiou o comitê consultivo CONATRAP, que incluía representantes de órgãos do governo federal e ONGs. O CONATRAP funcionou com um quadro reduzido de sete representantes, resultado de um decreto de 2019; em 2020, o CONATRAP se reuniu virtualmente para eleger novos participantes da sociedade civil. A coordenação entre os órgãos nos níveis nacional e estadual permaneceu desigual e variou em eficácia. No nível do governo estadual, servidores de diferentes órgãos em 16 estados continuaram a se reunir e combater o tráfico de forma unilateral e descentralizada por meio dos NETPs estaduais. O MPT deu continuidade ao acordo de cooperação técnica de três anos com a PF, iniciado em 2019, com foco no aumento do compartilhamento de informações sobre casos de trabalho infantil e trabalho escravo, mas não relatou atividades específicas relacionadas ao acordo em 2020. O MPT criou um grupo de trabalho para desenvolver POPs para funcionários do governo que trabalham com crianças vítimas de exploração sexual, inclusive tráfico sexual.
A maioria dos esforços de conscientização se concentrou no combate ao trabalho infantil ou escravo de maneira mais ampla, enquanto os esforços para aumentar a conscientização sobre o tráfico sexual e o turismo sexual infantil eram deficientes. Ao longo do ano e para comemorar o Dia Mundial contra o Tráfico, governos municipais e estaduais realizaram oficinas, treinamentos, instalações artísticas, performances e mesas redondas; no entanto, muitas entidades municipais cancelaram as comemorações do Dia Mundial contra o Tráfico devido a complicações ou restrições relacionadas à pandemia. A Polícia Rodoviária Federal (PRF) distribuiu panfletos em um evento em janeiro de 2020 para educar as pessoas sobre o tráfico humano e como fazer uma denúncia pela linha direta. Uma comissão estadual de combate ao tráfico lançou uma campanha de conscientização com anúncios em 30 ônibus na cidade de Florianópolis, onde o trabalho forçado era comum no setor de confecções. O governo relatou parceria com ONGs para produzir seminários online e uma variedade de materiais de conscientização, inclusive uma série de postagens em redes sociais em estilo de história em quadrinhos. Em geral, houve menos eventos e campanhas de conscientização em 2020 que em 2019; o governo atribuiu essa redução, pelo menos em parte, às restrições relacionadas à pandemia. O governo coordenou juntamente com uma organização da sociedade civil o treinamento de conscientização sobre o tráfico para aproximadamente 100 funcionários do governo estadual no Pará e em São Paulo. Os servidores da PRF continuaram a operar um banco de dados para identificar locais críticos ao longo das rodovias onde a exploração sexual comercial de crianças era predominante. Em 2020, a PRF fez parceria com o MPT e a Associação Brasileira de Defesa da Mulher, Criança e Juventude para incluir o tráfico de pessoas em seus esforços de mapeamento. No primeiro semestre de 2020, as linhas diretas de direitos humanos operadas pelo governo receberam 194 ligações para tráfico de pessoas, 382 ligações para trabalho escravo de adultos e 1.915 ligações para trabalho infantil, um aumento significativo em relação ao primeiro semestre de 2019, quando as linhas diretas registraram 46 ligações para tráfico de pessoas, 61 para trabalho escravo de adultos, 1.971 para trabalho infantil e sete ligações informando sobre turismo sexual infantil. Os operadores das centrais telefônicas podem encaminhar as vítimas para recursos locais, inclusive, entre outros, polícia, promotoria estadual, assistentes sociais, conselhos tutelares, CRAS, CREAS e a procuradoria do trabalho. Alguns estados, como São Paulo, operaram suas próprias linhas diretas de direitos humanos. O governo não indicou se iniciou investigações a partir de ligações para as linhas diretas, mas reportagens da imprensa sugeriram pelo menos uma investigação, envolvendo uma trabalhadora doméstica de 61 anos explorada em trabalho escravo, derivada de uma denúncia de via central telefônica.
As autoridades não se empenharam para reduzir a demanda por atos sexuais comerciais. Contudo, as autoridades se empenharam para reduzir a demanda por trabalho forçado. O SIT publicou a lista suja, que divulgou duas vezes por ano os nomes de pessoas e empresas condenados por trabalho escravo. Em sua iteração mais recente, lançada em outubro de 2020, a lista incluía 113 empregadores no total, em comparação com 190 em outubro de 2019. O SIT adicionou 44 novos empregadores à lista em 2020, em comparação com 69 novos empregadores em 2019. O governo atribuiu a diminuição de adições na edição de outubro da lista a restrições relacionadas à pandemia; os funcionários pararam de processar novos nomes para inclusão por vários meses durante o período do relatório devido ao lockdown, criando um acúmulo. A SIT havia retomado o processo de julgamentos no final do período de relatório, mas continuou a operar com capacidade reduzida. Pessoas físicas e jurídicas constantes da lista foram proibidas de ter acesso a crédito por instituições financeiras públicas ou privadas; o governo informou que seus processos cíveis contra sete bancos que continuaram a conceder crédito a empresas incluídas na lista suja, iniciada em 2019, continuaram em andamento em 2020. Embora a lista suja continue sendo uma das ferramentas mais eficazes do Brasil para reduzir a demanda por trabalho escravo, a criminalização inadequada desses crimes dificultou o progresso na luta contra o tráfico de trabalho. Os órgãos emitiram sanções administrativas a 266 empregadores culpados de trabalho escravo, em comparação com 2020 empregadores em 106. De abril de 2020 a junho de 2020, os inspetores do trabalho pararam de realizar inspeções de rotina devido a bloqueios relacionados à pandemia; as equipes móveis de inspeção continuaram a operar durante esse período. O governo publicou orientações sobre a realização de inspeções de trabalho durante a pandemia e forneceu testes de COVID-19 e equipamentos de proteção individual aos inspetores do trabalho. Os observadores indicaram que número de inspetores do trabalho do governo diminuiu pelo menos pelo quarto ano consecutivo. O governo colocou à disposição dos fiscais do trabalho um curso online sobre trabalho escravo e tráfico de pessoas para fiscais do trabalho, mas não informou quantos inspetores participaram dessa programação. Em 2019, o MPT se comprometeu a criar uma nova lista pública de empregadores condenados por trabalho escravo; no entanto, o governo não divulgou a lista até o final do período do relatório. As autoridades não relataram novas investigações, processos ou condenações de turistas sexuais infantis em 2020.
PERFIL DE TRÁFICO
Conforme relatado nos últimos cinco anos, os traficantes de pessoas exploram vítimas nacionais e estrangeiras no Brasil, e os traficantes também exploram vítimas do Brasil no exterior. Os traficantes exploram mulheres e meninas de outros países da América do Sul, especialmente do Paraguai, para tráfico sexual no Brasil. Quadrilhas e grupos criminosos organizados submeteram mulheres e meninas ao tráfico sexual no Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Os traficantes exploram mulheres brasileiras no tráfico sexual no exterior, especialmente na Europa Ocidental e na China. Traficantes atraem mulheres brasileiras para o exterior com falsas promessas de explorá-las no tráfico sexual; traficantes fingiram ofertas de carreiras musicais de sucesso para atrair mulheres brasileiras para a Coreia do Sul, onde são forçadas a fazer sexo comercial. Os traficantes exploraram homens brasileiros e transgêneros brasileiros no tráfico sexual na Espanha e na Itália. As mulheres brasileiras transgênero são uma das populações mais vulneráveis do país. De acordo com um estudo realizado em 2019, 90% das mulheres trans no Brasil praticam sexo comercial e, no Rio de Janeiro, mais da metade está em situação de vulnerabilidade que pode resultar em tráfico. Os traficantes muitas vezes exigem que as vítimas transgênero paguem por proteção e taxas diárias de moradia. Quando não podem pagar, os traficantes as espancam, fazem passar fome e as forçam a fazer sexo comercial. Os traficantes exploram mulheres transgênero brasileiras, atraindo-as com ofertas de cirurgia de mudança de sexo e depois explorando-as no tráfico sexual quando não podem pagar o custo do procedimento. Os traficantes exploram crianças no tráfico sexual nas rodovias do Brasil, inclusive as BR-386, BR-116 e BR-285. O turismo sexual infantil continua a ser um problema, especialmente em resorts e áreas costeiras; muitos turistas sexuais infantis são da Europa e dos Estados Unidos.
Os migrantes e as pessoas que vivem perto de qualquer uma das áreas de fronteira do Brasil são vulneráveis ao tráfico. Os traficantes exploram mulheres chinesas no tráfico sexual no Rio de Janeiro. Os migrantes venezuelanos dentro do Brasil são altamente vulneráveis ao tráfico sexual e trabalho forçado. Os traficantes recrutaram cidadãos venezuelanos que moram no Brasil e aqueles que ainda estão na Venezuela por meio de anúncios on-line e plataformas de redes sociais que oferecem oportunidades de trabalho fraudulento, explorando-os posteriormente em tráfico sexual nas principais cidades, como São Paulo ou Rio de Janeiro.
Muitas vítimas de tráfico identificadas são afro-brasileiras ou afrodescendentes. Os traficantes exploram homens brasileiros – principalmente homens afro-brasileiros – e, em menor grau, mulheres e crianças, em situações que podem resultar em tráfico de trabalho, em áreas rurais (inclusive pecuária, agricultura, produção de carvão vegetal, indústrias de sal, exploração madeireira e mineração) e cidades (construção, fábricas, restaurantes e hospitalidade). Os traficantes exploram homens, mulheres e crianças de outros países – entre eles Bolívia, Paraguai, Haiti e China – em trabalho forçado e coerção baseada em dívidas em muitos setores, como a construção civil, indústria têxtil (especialmente em São Paulo) e pequenas empresas. Os traficantes exploram brasileiros no trabalho forçado para alguns produtores de açúcar, café e cera de carnaúba. Os traficantes exploram mulheres e crianças brasileiras, bem como meninas de outros países da região, em trabalho forçado de servidão doméstica. Os traficantes exploram brasileiros para o trabalho forçado em outros países, inclusive na Europa. Os traficantes obrigam vítimas brasileiras e estrangeiras, especialmente da Bolívia, África do Sul e Venezuela, a se envolver em atividades criminosas, inclusive tráfico de drogas, no Brasil e em países vizinhos. Em 2018, o governo cubano encerrou sua missão médica no Brasil depois que as autoridades brasileiras levantaram preocupações significativas de exploração e trabalho forçado associados a essa missão. Médicos cubanos profissionais que participaram de missões médicas no Brasil podem ter sido explorados e forçados a trabalhar pelo governo cubano. As ONGs e representantes do governo relatam que alguns policiais ignoram a exploração de crianças para o tráfico sexual, patrocinam bordéis e roubam e agridem mulheres em situação de prostituição, impedindo a identificação de vítimas de tráfico sexual.